5. VANTAGENS E RISCOS DAS NOTAS COMERCIAIS
As Notas Comerciais se mostraram bastante atrativas para o mercado brasileiro nos últimos anos. Essa atratividade se deve principalmente à sua natureza menos burocrática, conferida pelos legisladores e reguladores, que tinham como objetivo torná-las instrumentos de créditos mais acessíveis e menos formais em comparação a outros.
Desta forma, as Notas Comerciais tiveram sua emissão simplificada pela Lei 14.195/21, muito em decorrência da forma exclusivamente escritural determinada pelo legislador, eliminando a necessidade de formalização física do instrumento. Além disso, também foram eliminadas as etapas de publicação e de registro na junta comercial no processo de emissão desses instrumentos. Esses fatores foram importantes para reduzir o tempo e os custos de emissão, bem como os riscos operacionais associados, uma vez que os títulos físicos estão sujeitos a perecimento ou destruição por diversas eventualidades.
Outra vantagem vista com bons olhos pelas empresas é a flexibilidade oferecida pelas Notas Comerciais. O legislador, quando estabeleceu regime jurídico próprio para esses instrumentos, não especificou um prazo de vencimento para os títulos, permitindo que as Notas Comerciais se adequem às necessidades específicas de cada operação ou emitente. Dessa forma, elas se mostram uma opção viável tanto para necessidades de curto prazo, como já eram utilizadas anteriormente, quanto para necessidades de médio e longo prazo. Com isso, as Notas Comerciais podem ser utilizadas em uma ampla variedade de estratégias financeiras, proporcionando às empresas uma ferramenta versátil para a captação de recursos conforme suas demandas. Além disso, oferecem bastante liberdade para que seus emitentes definam as características dos títulos de modo a melhor satisfazer suas necessidades.
A flexibilidade mencionada quanto ao prazo de vencimento e às demais características desses instrumentos, em conjunto com a possibilidade de realizar aditamentos ao termo de emissão das Notas Comerciais, proporciona mais uma vantagem a favor da utilização desses títulos. Por exemplo, uma empresa pode emitir Notas Comerciais com vencimento de curto prazo, mas, por diversos motivos, não atingir suas metas nesse período e enfrentar dificuldades para realizar o pagamento do valor dos títulos. Nesse caso, é possível que a emitente e os titulares das Notas Comerciais renegociem as condições previstas, permitindo que o cronograma de amortização ou o prazo de vencimento seja reajustado. Assim, a empresa conseguirá cumprir com suas obrigações sem colocar em risco suas atividades econômicas. Ainda nesse exemplo, para garantir mais segurança, os titulares das Notas Comerciais poderiam aceitar os ajustes solicitados pela emitente sob a condição de constituição de novas garantias.
Uma novidade relevante para os emitentes de Notas Comerciais, promovida pela Lei 14.192/21, é a expressa possibilidade de realização de pagamentos de amortização. Dessa forma, a emissão das Notas Comerciais também passa a ser vantajosa do ponto de vista de gestão do fluxo de caixa e flexibilidade financeira, pois permite que o emitente pague o valor do crédito de forma gradual, aliviando a pressão financeira no momento do vencimento do título e facilitando a gestão do passivo da empresa. Além disso, essa possibilidade de pagamento auxilia na liquidez da empresa, permitindo o uso de recursos pela emitente para outras necessidades operacionais ou de investimento, sem ficar necessariamente presa a dívida emitida pelas Notas Comerciais.
Ademais, o legislador também se preocupou em tornar as Notas Comerciais atrativas para os investidores, estabelecendo vantagens não apenas para os emitentes. Alguns desses atrativos incluem a possibilidade de capitalização das taxas de juros remuneratórios e a conversibilidade em participação societária, nos casos de ofertas privadas emitidas por sociedades limitadas e cooperativas. Com a capitalização, o retorno total do investimento pode aumentar consideravelmente ao longo do tempo, recompensando o investidor pela disponibilização de capital para o emitente. A conversibilidade em participação societária, por sua vez, oferece um potencial ganho de capital, permitindo que o investidor se beneficie do crescimento da empresa emitente e passe a participar dos lucros futuros por meio dos dividendos, além de mitigar os riscos associados ao não pagamento da dívida.
Ainda, as Notas Comerciais são consideradas títulos executivos extrajudiciais. Logo, do ponto de vista do investidor, em caso de inadimplemento dos valores previstos nesses instrumentos, é possível executá-los diretamente, reduzindo o tempo e os custos associados à recuperação do crédito via judicial e oferecendo maior segurança jurídica. Diante dessas vantagens, as Notas Comerciais se tornam atraentes para os investidores, auxiliando as empresas emitentes ao criar um ambiente favorável para os investimentos.
Sob a perspectiva tributária, as Notas Comerciais também oferecem benefícios interessantes. De acordo com o artigo 14 da Instrução Normativa RFB nº 1.969, de julho de 2020, para fins de incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), esses instrumentos são considerados títulos ou valores mobiliários. Ou seja, estariam sujeitos à incidência de IOF conforme hipótese prevista no inciso IV, do artigo 2º, do Decreto 6.306/07 (RIOF). Entretanto, é válido destacar que a alíquota aplicada às Notas Comerciais é reduzida a zero, segundo o disposto no artigo 33 do mencionado decreto. Isso significa que, na prática, as Notas Comerciais não sofrem com a aplicação do IOF, resultando em operações e investimentos com custos mais baixos e maior rentabilidade. Esse benefício se torna um diferencial em relação a outros instrumentos do mercado de capitais, como as Cédulas de Crédito Bancário, que estão sujeitas à incidência de IOF.
Após apresentar diversas vantagens envolvendo a utilização das Notas Comerciais, é necessário também expor alguns de seus riscos que devem ser considerados por investidores e potenciais emitentes. Primeiramente, ao contrário de outros instrumentos financeiros, as Notas Comerciais não são obrigadas pela Lei 14.195/21 a conter garantias para sua emissão, conforme se extrai da leitura do inciso VII, do artigo 47. Logo, em caso de inadimplência, os investidores podem não ter mecanismos eficazes para recuperar seu capital investido, além da possibilidade de execução direta dos instrumentos.
Ademais, as Notas Comerciais também não estão abrangidas pela proteção oferecida pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Diferentemente das Letras de Câmbio e dos Certificados de Depósito Bancário, que possuem cobertura do FGC em caso de falência da instituição financeira emitente, as Notas Comerciais não contam com essa segurança. Em situações de insolvência da empresa emitente, os investidores podem enfrentar perdas substanciais, sem a possibilidade de compensação pelo fundo garantidor. Além disso, nos casos das Notas Comerciais que não possuem previsão de garantias reais, elas serão consideradas créditos quirografários, ou seja, créditos sem quaisquer privilégios na ordem de pagamento do procedimento falimentar.
Adicionalmente a esses riscos, as Notas Comerciais são instrumentos relativamente novos no mercado de capitais brasileiro e na legislação do país, o que traz consigo uma série de desafios. A regulamentação ainda é recente, existindo muitos aspectos legais que precisam ser melhor esclarecidos. As dúvidas legais e lacunas na legislação podem gerar incertezas tanto para emissores quanto para investidores, que podem hesitar em adotar esse instrumento. Aliás, a falta de histórico consolidado dos instrumentos pode dificultar a análise de performance e tonar essa tomada de decisão ainda mais complexa.
6. COMPARATIVOS
Neste capítulo, será realizada uma análise comparativa entre as Notas Comerciais e outros instrumentos financeiros utilizados no mercado de capitais. O objetivo é evidenciar as principais semelhanças e diferenças entre eles, considerando esses instrumentos são frequentemente confundidos ou tratados como equivalentes, devido às suas naturezas e históricos. Dessa forma, busca-se proporcionar uma compreensão mais clara e precisa das particularidades das Notas Comerciais em relação a outros instrumentos financeiros.
6.1. NOTAS COMERCIAIS E COMMERCIAL PAPERS (EUA)
Como já discutido no capítulo sobre o histórico das Notas Comerciais, essas tiveram sua origem nos Estados Unidos, onde são conhecidas como Commercial Papers. Quando as Notas Comerciais foram introduzidas no Brasil, elas foram modeladas com base nos Commercial Papers estadunidenses, resultando em várias semelhanças entre os dois instrumentos.
Para realizar a comparação entre as Notas Comerciais e os Commercial Papers, deve-se considerar a definição de Commercial Papers fornecida por Matthias Kahl, Anil Shivdasani e Yihui Wang:
"CP é uma dívida não garantida de curto prazo negociada publicamente. Tipicamente, possui um vencimento de até 270 dias, com um vencimento médio de cerca de 45 dias. Devido ao seu curto prazo, o CP é normalmente renovado ao vencimento. O empréstimo através de CP é concentrado em empresas grandes e bem estabelecidas" (tradução nossa)34.
A partir dessa definição, é possível identificar semelhanças basilares entre as Notas Comerciais e os Commercial Papers. Ambos são instrumentos de dívida não garantida, ou seja, não exigem garantias obrigatórias para o caso de inadimplemento das obrigações pela empresa emitente.
No entanto, existem diferenças significativas nos prazos de vencimento. Os Commercial Papers devem respeitar um prazo máximo de 270 dias, com um vencimento médio de cerca de 45 dias. Em contraste, as Notas Comerciais no Brasil não têm um prazo máximo definido em lei ou regulamento, podendo ter vencimento de curto, médio ou longo prazo, de acordo com a necessidade do emitente.
Outro aspecto relevante é a distribuição desses instrumentos. Tanto as Notas Comerciais quanto os Commercial Papers podem ser distribuídos de forma pública ou privada. No caso da distribuição privada, nenhum dos documentos precisa ser registrado. Contudo, para a distribuição pública, as Notas Comerciais devem ser registradas perante a CVM, enquanto os Commercial Papers devem ser registrados na Securities and Exchange Commission (SEC)
A definição citada também indica que a emissão de Commercial Papers é predominantemente realizada por empresas grandes e bem estabelecidas, refletindo a relevância desse instrumento no mercado financeiro dos Estados Unidos. O volume significativo de Commercial Papers e a participação ativa do Sistema de Reserva Federal no mercado com esses instrumentos evidenciam sua importância, especialmente para a captação de recursos de curto prazo, essenciais para capital de giro.
No Brasil, as Notas Comerciais são um instrumento relativamente novo, tendo adquirido um regime jurídico próprio há apenas 3 anos. Por isso, ainda estão em processo de consolidação e expansão no mercado de capitais nacional. Atualmente, a maioria das emissões é realizada por empresas de menor porte, como as startups, embora já existam registros de grandes empresas, como a Petrobras35, utilizando esse instrumento. Além disso, assim como nos Estados Unidos, a principal destinação dos recursos captados pelas emitentes das Notas Comerciais brasileiras é para a administração das operações diárias das emitentes.
6.2. NOTAS COMERCIAIS E NOTAS PROMISSÓRIAS
Primeiramente, tanto as Notas Comerciais quanto as Notas Promissórias representam uma promessa de pagamento, ou seja, uma dívida da parte emitente para com o investidor. No entanto, existem diferenças significativas entre ambos os instrumentos. As Notas Promissórias são um título de crédito de curto prazo, com prazo de vencimento máximo de 360 dias a partir da data de emissão. Já as Notas Comerciais podem ter prazos variados, que não são obrigatoriamente de curto prazo
No entanto, existe uma exceção para as Notas Promissórias em que elas não se sujeitam ao prazo máximo de 360 dias, deixando de existir um prazo máximo determinado legalmente para elas nesses casos, assim como as Notas Comerciais. Aplica-se essa exceção quando a Nota Promissória é, cumulativamente, objeto de oferta pública direcionada exclusivamente a investidores profissionais, conforme regulamentação específica, e acompanhada por um agente fiduciário designado para representar e zelar pelos interesses e direitos da comunhão dos titulares da Nota Promissória, submetido à norma específica que dispõe sobre seu exercício.
Além disso, há diferenças nos tipos de emitentes autorizados para cada instrumentos. Como já mencionado, as Notas Comerciais podem ser emitidas por sociedades anônimas, limitadas e cooperativas, conforme a Lei 14.195/21. Por outro lado, a Resolução CVM nº 163/22 especifica que as Notas Promissórias podem ser emitidas pelas companhias e sociedades limitadas, bem como por cooperativas dedicadas à produção, comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos agropecuários, ou de máquinas e implementos relacionados à atividade agropecuária. Dessa forma, esses instrumentos apresentam emitentes parecidos, mas não é possível afirmar que sejam os mesmos.
Outra diferença importante refere-se ao endosso. A CVM, por meio do art. 4º da Instrução CVM nº 566/15 e, posteriormente, da Resolução CVM nº 163/22, exige que a circulação das Notas Promissórias se desse por endosso em preto, com a cláusula obrigatória informando “sem garantia” indicada pelo endossante. Dessa forma, apenas aquele que estiver mencionado como endossatário poderia exercer os direitos decorrentes dos instrumentos, sendo necessário realizar um novo endosso nos casos de transferência deles36. No que tange as Notas Comerciais, desde a Lei 14.195/21, essa modalidade de endosso não é mais obrigatória para a circulação desses instrumentos.
6.3. NOTAS COMERCIAIS E DEBÊNTURES
A Lei 14.195/21, ao estabelecer o regime própria das Notas Comerciais no Brasil, foi fortemente inspirada pelo regime jurídico das Debêntures, resultando em diversas semelhanças estruturais entre ambos os instrumentos. As Notas Comerciais e as Debêntures são classificadas, simultaneamente, como valores mobiliários e títulos de crédito, refletindo uma certa proximidade em suas características. No entanto, também existem diferenças marcantes que ajudam a diferenciá-las, definindo quando cada uma delas podem ser emitidas.
Uma diferença apresentada pelo mercado é a utilização dos recursos captados pelas Notas Comerciais e Debêntures. Enquanto as Notas Comerciais são predominantemente utilizadas para a captação de recursos destinados ao aprimoramento do capital de giro de uma empresa, e podem ter prazos de vencimento variáveis, geralmente de 3 a 5 anos37, as Debêntures são frequentemente usadas para financiar projetos, reestruturar o capital de uma empresa ou alongar suas dívidas. As Debêntures também apresentam prazos variáveis de vencimento, não havendo estipulação máxima legal, mas apresentam um prazo de vencimento geralmente de 2 anos, podendo chegar a 5 ou 10 anos38.
Além disso, as Notas Comerciais podem ser emitidas por sociedades anônimas, limitadas e cooperativas, enquanto as Debêntures são restritas às sociedades anônimas. No que diz respeito ao registro, a Lei das Sociedades Anônimas (LSA), artigo 62, exige que as Debêntures sejam registradas no Registro do Comércio para sua emissão. Por outro lado, a Lei 14.195/21 permite a emissão de Notas Comerciais sem a necessidade de registro prévio, podendo este ocorrer após o processo de precificação.
No que se refere à forma de deliberação para a emissão, há diferenças notáveis. A LSA, artigo 59, determina que a deliberação sobre emissão de debêntures é de competência exclusiva da assembleia-geral, embora possa ser delegada ao conselho da administração a deliberação, sendo também necessária a aprovação das características básicas do instrumento e sua fixação pela assembleia geral. Em contraste, segundo a Lei 14.195/21, parágrafo único do artigo 46, a competência para a deliberação sobre as Notas Comerciais é dos administradores da empresa ou, quando houver, dos órgãos de administração, como o conselho de administração e a diretoria.
Ambos os instrumentos podem ser alterados e as formalidades para tal são semelhantes. Para as Debêntures, a alteração da escritura de emissão deve seguir os trâmites previstos no artigo 71 da LSA, que requer, basicamente, uma assembleia geral de debenturistas. Essa assembleia deve deliberar sobre matérias de interesse comum e a alteração deve ser aprovada pela maioria especificada na escritura de emissão, não podendo ser inferior à metade das debêntures em circulação. Ainda, as alterações devem ser registradas perante a Junta Comercial.
Para as Notas Comerciais, as características podem ser alteradas por maioria simples dos titulares presentes em assembleia, conforme os §§ 2º e 3º do artigo 47, da Lei 14.195/21. O termo de emissão pode estabelecer um quórum maior, e a convocação e funcionamento da assembleia devem seguir as regras previstas para a assembleia geral de debenturistas.
No que toca às garantias, ambos os instrumentos não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC). No entanto, a figura do agente fiduciário é obrigatória apenas para as Debêntures. O agente fiduciário fiscaliza o cumprimento das obrigações assumidas pela companhia e protege os direitos e interesses dos debenturistas. No caso das Notas Comerciais, o agente fiduciário não é obrigatório, embora a CVM já tenha se manifestado a favor da contratação dele:
“[...] a depender do que venha a observar em suas atividades de supervisão do mercado, a CVM pode vir a impor a contratação de agente fiduciário, com o objetivo de propiciar maior proteção aos investidores e a prevenção de “arbitragens regulatórias” envolvendo outros instrumentos financeiros”39.
A CVM também já esclareceu que as notas comerciais são instrumentos mais simples em comparação às Debêntures, devendo manter a simplicidade do título na forma que o legislador institui.
Do ponto de vista do mercado, as Debêntures são um instrumento consolidado no Brasil, representando o instrumento de crédito mais emitido no país e possuindo um arcabouço regulatório desde o início da industrialização do Brasil. Embora ainda sejam bastante procuradas pelos investidores, a promulgação da Lei 14.195/21 impulsionou um crescimento de Venture Debt no país, uma forma de empréstimos com condições mais coerentes e vantajosas do que os empréstimos bancários tradicionais e complexos). As Notas Comerciais se encaixam nesse segmento, tornando-se populares especialmente entre empresas de menor porte, que frequentemente enfrentam dificuldades para acessar créditos em linhas tradicionais.