7. CENÁRIO ATUAL DAS NOTAS COMERCIAIS
A análise do cenário atual das Notas Comerciais no mercado de capitais brasileiro abrangerá o período entre o segundo semestre de 2021 e o primeiro semestre de 2024. Essa delimitação temporal se justifica por duas razões principais. Primeiramente, como mencionado anteriormente, as Notas Comerciais apenas receberam regime jurídico próprio com a promulgação da Lei 14.195/21, publicada no Diário Oficial da União em 27 de agosto de 2021. Consequentemente, a figura das Notas Comerciais somente passara a ser incluída nos relatórios e boletins da CVM e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) a partir do segundo semestre de 2021.
A escolha do primeiro semestre de 2024 como o fim do período de análise deve-se ao fato de que os dados mais recentes publicados pela CVM e Anbima refletem o contexto apenas até junho de 2024. Portanto, essa delimitação proporciona uma visão abrangente e atualizada do desempenho e evolução das Notas Comerciais, possibilitando a observação dos impactos causados pela Lei 14.195/21 no mercado de capitais brasileiro.
7.1. BALANÇO DO ANO DE 2021
Segundo o artigo 58, inciso V, da Lei 14.195/21, o regime jurídico das Notas Comerciais entrou em vigor e passou a produzir seus efeitos a partir da publicação da Lei, em 27 de agosto de 2021. Ou seja, as Notas Comerciais foram oficialmente introduzidas ao mercado de capitais brasileiro apenas no final de agosto. Dessa forma, foram publicados poucos dados a respeito de seu desempenho em 2021, necessitando de iniciativas para ampliar sua aceitação e viabilidade.
Contudo, apesar do curto prazo até o fechamento do ano de 2021, o período já foi suficiente para que as emissões de Notas Comerciais alcançassem um volume de 2,7 bilhões de reais em 2021, distribuídos em 9 operações40. Em comparação ao total captado no mercado de capitais doméstico no ano, esse início pode ser considerado promissor, movimentando uma alta quantia em um curto espaço de tempo após adquirir regulamentação própria.
7.2. BALANÇO DO ANO DE 2022
O início de 2022 foi bastante animador para as Notas Comerciais, registrando um crescimento maior do que o estimado. No primeiro semestre, esses novos instrumentos já eram responsáveis por um volume de 14 bilhões de reais, superando outros produtos mais consolidados no mercado de capitais brasileiro, como fundos de investimentos imobiliários e notas promissórias. Ademais, a diferenciação dos regimes jurídicos entre as Notas Comerciais e as notas promissórias já mostrava seu impacto, tendo em vista a variação negativa de 25% nas emissões das notas promissórias em comparação ao mesmo período do ano anterior41.
Ainda no primeiro semestre de 2022, nota-se que as Notas Comerciais foram utilizadas por 44 emitentes diferentes, sendo 22 deles novos ao mercado de capitais (que nunca haviam emitido debêntures e/ou notas promissórias antes). Além disso, 34% das emissões de Notas Comerciais apresentaram prazo de vencimento superior a 5 anos e 98% estavam indexadas ao Depósito Interfinanceiro mais um spread adicional (DI + Spread). Em adição, 74,7% do volume emitido (cerca de 10,5 bilhões de reais) foram destinados ao capital de giro das emitentes, demonstrando o perfil das primeiras emissões de Notas Comerciais42.
Após um início positivo em 2022, o segundo semestre marcou a ascensão e consolidação das Notas Comerciais no mercado de capitais brasileiro. Nos últimos 6 meses do ano, elas registraram um crescimento de 207% em relação ao primeiro semestre de 2022, acumulando um volume de 29,1 bilhões de reais e totalizando cerca de 43 bilhões de reais no ano43. Outro dado positivo é o número de operações envolvendo as Notas Comerciais, estando presentes em 110 operações realizadas no ano de 202244. Todos esses dados apresentados sobre o desempenho das Notas Comerciais em 2022 não só evidenciam a robustez desse mercado emergente, mas também confirmam uma preferência clara pelas Notas Comerciais, em relação às notas promissórias, já evidenciada no primeiro semestre, que enfrentaram uma queda acentuada de 78% em 2022 em comparação ao ano de 202145.
Desta forma, é possível perceber que as Notas Comerciais conseguiram estabelecer um ponto de partida sólido. Ademais, o sucesso inicial também sugere que empresas e investidores estavam receptivos e confiantes nesse novo instrumento, visualizando nele uma alternativa viável para captação de recursos. A Lei 14.195/21, juntamente com a receptividade do mercado, pavimentou o caminho para o crescimento exponencial observado em 2022, consolidando as Notas Comerciais como um componente importante do mercado de capitais brasileiro.
7.3. BALANÇO DO ANO DE 2023
Para analisar o ano de 2023, é preciso destacar alguns aspectos gerais do contexto do mercado de capitais brasileiro na época. Este, enfrentou uma crise de crédito significativa durante o período, encarando uma retração de 35,4% no primeiro semestre, em relação ao mesmo período do ano anterior46.
Essa crise de crédito foi impulsionada, principalmente, por dois fatores: (i) a aversão ao risco, causada pelos pedidos de recuperação judicial das empresas Lojas Americanas e Light S.A no início do ano, que elevaram os níveis de incerteza no mercado de capitais, em especial, com relação à segurança jurídica dos investimentos e à confiabilidade das peças contábeis; e (ii) a incerteza no ambiente econômico do Brasil, gerando alta volatilidade nos ativos do mercado de capitais, conforme evidenciado pelo Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) da Fundação Getúlio Vargas, que permaneceu acima do nível confortável de incerteza por vários meses consecutivos no primeiro semestre de 2023, devido à incerteza fiscal interna e à ameaça de crise bancária nos Estados Unidos e na Europa47.
A partir do segundo semestre, houve uma queda na inflação no país e uma redução das taxas de juros, em grande parte devido à redução dos conflitos políticos entre o Governo e o Banco Central. Isso levou a uma retomada das captações por meio do mercado de capitais na segunda metade do ano de 2023, com volume de emissões pouco mais que dobrando em relação ao volume do primeiro semestre: 154,1 bilhões de reais no primeiro semestre contra 309,6 bilhões de reais no segundo semestre. No entanto, essa recuperação não foi suficiente para suplantar os volumes de 2022, resultando em uma retração anual de 14,90% em relação ao ano anterior48.
Diante desse cenário, pode-se afirmar que o desempenho das Notas Comerciais não foi muito diferente do desempenho geral do mercado em 2023. Assim como quase todos os demais instrumentos, as Notas Comerciais sofreram uma queda relevante no volume de suas emissões, registrando uma redução de 24% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano anterior. Vale destacar aqui que essa redução foi menor do que a enfrentada pelo mercado em geral (35,4%) e por instrumentos mais consolidados, como as debêntures (41,5%), nesse período49. Ainda assim, as emissões de Notas Comerciais no primeiro semestre somaram 11 bilhões de reais, com o mês de junho apresentando sinais de melhora, registrando sozinho 4,1 bilhões de reais, 65,66% acima do mesmo mês em 202250.
Para o ano de 2023 como um todo, as Notas Comerciais terminaram com uma variação negativa de 34,90% em relação a 2022, com emissões totalizando o volume de 27,9 bilhões de reais. Apesar da queda no volume emitido, o ano de 2023 também trouxe aspectos positivos para as Notas Comerciais. Enquanto o número de operações no mercado de capitais diminuiu, houve um aumento de cerca de 29% no número de operações envolvendo Notas Comerciais, registrando 142 operações (32 operações a mais que o ano anterior)51. Ou seja, mesmo diante de um cenário de incerteza e apreensão, as Notas Comerciais se mostraram instrumentos confiáveis, atraindo novos emitentes e consolidando mais uma vez sua posição no mercado de capitais brasileiro, agora diante de um cenário de crise.
7.4. PRIMEIRO SEMESTRE 2024 E PANORAMA GERAL
Os registros do 1º trimestre de 2024 foram bastante promissores para o mercado de capitais no Brasil. Após a crise enfrentada em 2023, o mercado de capitais registrou uma captação recorde nesse início de 2024, totalizando 130,9 bilhões de reais (quase o dobro do 1º trimestre do ano anterior). Além disso, o mês de março registrou o segundo maior volume dos doze meses antecedentes, captando 66 bilhões de reais52. Diante desse cenário, a expectativa é que 2024 seja um ano de recuperação para o mercado de capitais brasileiro e de crescimento para as Notas Comerciais.
Estas apresentaram índices positivos nos três primeiros meses do ano. As ofertas de Notas Comerciais no mercado de capitais doméstico atingiram o volume de 3,42 bilhões de reais, crescendo 2,23% em relação ao mesmo período do ano anterior. Quanto ao número de operações, já foram registradas 20 operações no primeiro trimestre de 2024, com 10 delas ocorrendo apenas no mês de março (representando 2,11 bilhões de reais). Para efeitos de comparação, as debêntures registraram 51 operações, enquanto as notas promissórias não tiveram nenhum registro no período53. Esses números demonstram um início de recuperação para as Notas Comerciais. Ademais, a retomada do crescimento econômico e a confiança renovada dos investidores indicam um cenário animador para o desenvolvimento contínuo desses instrumentos ao longo do ano de 2024.
Ao observar os dados completos do primeiro semestre de 2024, pode-se afirmar que a recuperação do mercado de capitais doméstico e, especificamente, das Notas Comerciais foi uma realidade durante esses seis meses de 2024. Assim como no primeiro trimestre, o primeiro semestre completo de 2024 registrou um recorde de captação, totalizando 337,9 bilhões de reais, sendo 305 bilhões de reais provenientes apenas do mercado doméstico de renda fixa. A respeito das Notas Comerciais, também houve um aumento tanto no volume captado quanto no número de operações. Comparado ao primeiro semestre do ano anterior, nota-se um crescimento de 18,24% no volume captado por esses instrumentos e de 10,77% no número de operações, totalizando 12,96 bilhões de reais e 72 operações, respectivamente. Destaca-se que, apenas no mês de junho, foram captados 5,40 bilhões de reais por meio de 20 operações envolvendo Notas Comerciais. Com base nesses números, espera-se valores ainda mais expressivos para esses instrumentos no segundo semestre de 202454.
Segundo dados divulgados pela Anbima, que consideram o período de novembro de 2021 a fevereiro de 2024, o volume emitido pelas Notas Comerciais representa 7,5% das ofertas de renda fixa no mercado. Logo, apesar de recentemente reguladas e ainda em evolução, elas já possuem uma representatividade relevante perante os instrumentos de renda fixa. No mesmo período, o ticket médio das Notas Comerciais foi de 228 milhões de reais, o que indica sua utilização predominante para emissões de menor valor, atraindo principalmente empresas de menor porte. Isso pode ser evidenciado pela destinação dos recursos captados, com 38,7% do volume emitido sendo destinado à gestão ordinária. Vale destacar que as Notas Comerciais desempenharam um papel importante após a pandemia de Covid-19, pois a segunda destinação mais comum dos recursos captados, fortemente influenciada pelas emissões de 2022, é o pagamento de dívidas55.
Outra característica interessante das emissões de Notas Comerciais no Brasil é que, embora elas não tenham prazo de vencimento determinado por lei, as empresas têm optado por utilizá-las para captação de recursos a médio e longo prazo: cerca de 39% das Notas Comerciais emitidas em ofertas públicas vencem de 3 a 5 anos, enquanto 26,25% vencem em 5 anos ou mais. No entanto, as empresas de capital fechado lideram, com muito vantagem, as emissões de curtíssimo prazo (vencimento em até 1 ano), representando cerca de 77% das emissões com esse prazo de vencimento56.
No que diz respeito aos investidores das Notas Comerciais, ao longo de todo o período analisado, a maioria avassaladora dos instrumentos foram adquiridos por instituições financeiras ligadas às ofertas. Porém, já é possível observar uma evolução no interesse dos Fundos de Investimentos, que já se mostram dispostos a investir em Notas Comerciais, especialmente aquelas emitidas por empresas de capital aberto57. Isso sugere que há espaço para crescimento da diversificação na base de investidores desses instrumentos, que no momento ainda é bastante concentrado.
7.5. INSTRUMENTO DE ENTRADA NO MERCADO DE CAPITAIS
Um fenômeno interessante observado nos primeiros anos de emissões das Notas Comerciais sob regime próprio é a função de porta de entrada que elas desempenham, atraindo novos emitentes ao mercado de capitais brasileiro. Segundo dados divulgados pela Anbima que abarcam o período de novembro de 2021 a fevereiro de 2024, das 222 empresas que utilizaram Notas Comerciais para captação de recursos no período de análise, 135 nunca haviam emitido debêntures ou notas promissórias anteriormente. Esse número é bastante expressivo, representando 60,81% das empresas que emitiram Notas Comerciais58.
A porcentagem é ainda maior em algumas categorias de empresas emitentes: 100% nas cooperativas, 94,1% nas sociedades limitadas e 70,9% nas companhias de capital fechado. Em outras palavras, a grande maioria das emissões de Notas Comerciais envolvendo esses tipos de empresas foram as primeiras emissões delas no mercado de capitais brasileiro. Somente entre as companhias de capital aberto a maioria das emissões se concentrou em empresas que já atuavam como emitentes no mercado de capitais, com apenas 5,6% das emissões sendo a primeira emissão no mercado de capitais para essas empresas59.
Os dados do primeiro semestre de 2022 já davam indícios do papel significativo desses instrumentos como facilitadores de acesso ao mercado de capitais. No entanto, as Notas Comerciais, como as conhecemos hoje, ainda eram muito recentes para que se pudesse afirmar com certeza esse importante aspecto. Atualmente, nota-se que essa tendência permaneceu constante durante todo o período de análise, chegando até a se intensificar com o decorrer do tempo.
Esse fenômeno se deve, principalmente, ao tratamento simplificado conferido às Notas Comerciais, tornando sua emissão mais fácil e menos custosa. Ademais, a flexibilidade proporcionada pelo novo regime jurídico desses instrumentos, que permite sua adaptação a quase todos os cenários, torna as Notas Comerciais uma opção sempre atraente para diferentes situações e tipos de empresas. Com isso, elas se consolidaram como uma ferramenta essencial para empresas de menor porte e novas no mercado, aumentando a acessibilidade ao mercado de capitais brasileiro e ampliando a diversidade de participantes.
Portanto, apesar do volume significativo, mas ainda abaixo de diversos outros instrumentos do mercado de capitais, do ponto de vista do mercado, a principal importância das Notas Comerciais é possibilitar que as empresas experimentem a captação de recursos via mercado de capitais. Este primeiro contato facilita que essas empresas continuem atuantes no mercado, seja por novas emissões de Notas Comerciais ou de outros instrumentos de captação de recursos. Tal fato não só promove a inclusão de um maior número de empresas ao mercado, como já mencionado anteriormente, mas também contribui para a vitalidade e a dinâmica do mercado financeiro brasileiro, otimizando as oportunidades de crescimento e desenvolvimento econômico no país.