Capa da publicação Crise de legitimidade democrática e participação popular
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A crise de legitimidade na democracia e os instrumentos de participação popular

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4. ACCOUNTABILITY NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4.1. Accountability

Em busca de uma melhor atuação, instrumentos de fiscalização e acompanhamento das ações têm sido adotados no Brasil. A fiscalização da aplicação de verbas e da implementação de políticas merecem uma maior atenção do eleitorado.

Dessa forma, cada vez mais, tem-se utilizado a prestação de contas, ou, como se reconhece no mundo globalizado, “accountability”. Para Carranza (2016), a “accountability” é um termo que vai além da simples prestação de contas por gestores públicos. Trazendo uma maior atuação para o povo na fiscalização e na responsabilização do gestor com a coisa pública.

A prestação de contas está, em verdade, inserida em um dos princípios que regem a Administração Pública: a publicidade. A publicidade é um dos princípios constitucionais implícitos que regem a Administração Pública, e assim é definido por Spitzcovsky:

O princípio da publicidade se traduz no dever conferido à Administração de manter plena transparência de todos os seus comportamentos, incluindo-se aqui, como regra geral, a obrigação de oferecer, desde que solicitadas, todas as informações que estejam armazenadas em seus bancos de dados. Essa obrigação decorre, registre-se uma vez mais, da natureza dos interesses que representa quando atua, consolidada também pelo conceito de “República” (res publica, coisa pública), cuja previsão consta do art. 1º da CF. (SPITZCOVSKY, 2019, n.p.)

A publicidade garante que o administrador divulgue seus atos para que haja fiscalização ostensiva pelo legislativo e por órgãos de controle. No entanto, o povo deve ser o maior interessado e agente capaz de tomar conhecimento do que ocorre na administração. A doutrina divide a accountabiliy, nesse sentido, em vertical e horizontal, para diferenciar os tipos de controle das próprias instituições e da sociedade civil como um todo:

Accountability horizontal: a existência de agências estatais legalmente capacitadas e autorizadas (dispostas e aptas) a penalizar por sanção criminal ou impedimento em relação às ações ou omissões p o r outros agentes.

Accountability vertical: vigilância e sanções que eleitores, imprensa e 0NG's exercem sobre os servidores públicos, p o r meio das eleições (vo­tação de presidente, senadores, deputados, etc.), ações da sociedade, fiscalização da im prensa e exposição de atos das autoridades. (CARRANZA, 2016, p. 394)

O princípio da legalidade está, também, entre os que regem a Administração Pública. Esse princípio garante e assegura bem como aumenta o nível de legitimidade no processo de tomada de decisões, já que os administrados sabem pelo que esperar. E o princípio da publicidade visa garantir o acesso do povo às informações.5

Contudo, nem sempre o administrador poderá atuar apenas baseado na legalidade. Existem outros princípios da administração que deverão ser levados em conta na tomada de decisão. Entre estes, o da moralidade possui forte incidência nas decisões do Estado. Para Maria Sylvia Zanello di Prieto, a moralidade engloba, em verdade, a legalidade, em um verdadeiro conflito entre a moral e o direito:

No entanto, antiga é a distinção entre Moral e Direito, ambos representados por círculos concêntricos, sendo o maior correspondente à moral e, o menor, ao direito. Licitude e honestidade seriam os traços distintivos entre o direito e a moral, numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto).(DI PIETRO, 2019, n.p.)

Nota-se que o ato pode ser baseado em uma lei, no entanto, imoral, sendo assim considerado um desvio de poder, o que o torna ilegal:

A imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à ideia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares.

A imoralidade estaria na intenção do agente. Essa a razão pela qual muitos autores entendem que a imoralidade se reduz a uma das hipóteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, ou seja, a ilegalidade quanto aos fins (desvio de poder). (DI PIETRO, 2019, n.p.)

A importância deste debate consiste que os administrados devem observar qualquer desvio de conduta do agente político, pois, muitas vezes, buscam-se brechas na legislação para burlar a atuação proba.

Noutro giro, a atuação restrita a legalidade dos gastos públicos, acaba deixando “de lado outros aspectos importantes da atividade pública, em especial os resultados, efeitos e impactos desses gastos para a sociedade”.6 Deve-se atentar, também, para o debate da importância de aplicação da política pública correta para a população, seus resultado, efeitos e os impactos dos gastos públicos na vida dos administrados.

De fato, nos últimos anos, houve grande progresso nessa área, tais como os portais de transparência, a lei de acesso à informação, os tribunais de contas, órgãos fiscalizadores e os próprios conselhos municipais.

4.2. Lei de acesso à informação

Em 2011, foi promulgada a lei 12.527 conhecida como a lei de acesso à informação. Considerada como a nova lei de transparência, o referido diploma regulamenta dispositivo constitucional de acesso à informação:

Art. 37. (...) § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (...) II — o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII. (BRASIL, 1988, art. 5º)

Para garantir o acesso às informações, a lei foi editada trazendo as normas pertinentes para que a população seja informada da atuação do ator político em qualquer âmbito da federação:

A Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como “Lei de Acesso à Informação”, foi promulgada visando regulamentar o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas, nos termos dos arts. 5º, XXXIII, 37, § 3º, II, e 216, § 2º, da Constituição Federal. Seu objetivo principal consiste em estabelecer requisitos mínimos para divulgação de informações públicas e procedimentos para o acesso por qualquer pessoa, a fim de favorecer o controle social e a melhoria na gestão pública. Trata-se de lei com taxonomia de lei nacional na medida em que deve ser aplicada por todas as entidades federativas. (MAZZA, 2019, n.p.)

A lei é um marco significativo para a fiscalização dos atos políticos. A população tem acesso aos gastos, à aplicação de verbas e a todos os atos administrativos, em regra, respeitando-se o direito ao sigilo.

Existem, de modo concreto, duas formas de se tornar público os atos. Pode-se ter uma transparência ativa e passiva:

No sistema da Lei de Acesso, foram contempladas duas formas de publicidade. A primeira foi denominada de transparência ativa, marcada pelo fato de que as informações são transmitidas ex officio pela Administração, inclusive pela referência nos respectivos sítios eletrônicos. A segunda chama-se transparência passiva, caracterizando-se pelo procedimento em que o interessado formula sua postulação ao órgão que detém a informação. (CARVALHO FILHO, 2020, n.p.)

A forma ativa de publicidade dá ensejo aos portais de transparências, em que a administração pública dá publicidade aos seus atos. Garante-se ao cidadão comum o acesso de forma genérica aos repasses, gastos públicos, folha de pagamento de servidores, licitações, repasses para entes da administração indireta e atos administrativos e da administração como um todo. Muitas informações são publicadas no diário oficial.

Já na forma passiva, o cidadão poderá requerer informações mais detalhadas ou que ainda não foram divulgadas à Administração:

Art. 10. Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.

O acesso deve ser imediato, porém em situações de maior complexidade o prazo de resposta para estes pedidos poderá ser de 20 dias prorrogáveis por mais 10 dias:

Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível. § 1º Não sendo possível conceder o acesso imediato, na forma disposta no caput, o órgão ou entidade que receber o pedido deverá, em prazo não superior a 20 (vinte) dias.

O controle externo deve e pode ser exercido com o auxílio desta lei. O legislador proporcionou ao cidadão comum à possibilidade de estar sempre controlando os gastos públicos e como as verbas e repasses estão sendo aplicados. No entanto, em casos excepcionais, poderá a administração pública restringir o acesso à informação:

A disposição geral sobre a transparência ganha relevo se contrastada aos casos nos quais é imperiosa a atribuição de sigilo. Os arts. 21 a 30 tratam dos detalhes da apreciação de sigilo. Todavia, o sigilo é exceção à regra. É medida de exceção que precisa ser justificada e pode ser objeto de debate. Isso fica claro ao se analisar os arts. 21 e 22, que citarei, dada sua importância:

Art. 21. Não poderá ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais.

Parágrafo único. As informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso.

Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público. (MARTINS, 2020, n.p.)

Com esta previsão, as situações, em que é possível a restrição ao acesso, restaram consolidadas, evitando o abuso por parte do administrador em negar qualquer tipo de informação.

Fato é que esta lei obriga a administração a facilitar o acesso à sua gestão, criando mecanismos de fácil e rápido acesso. A publicidade é um dos pilares do funcionamento do estado, devendo sempre ser priorizada na atuação política.

Dada à extensão e importância, não é possível se debruçar em todas as nuances da lei, sendo esta citada apenas a título de demonstrar ser esta uma possibilidade de controle e atuação da população na vida pública.

4.3. Conselhos Municipais

A população dos municípios possui outra importante ferramenta prevista na constituição para participar e fiscalizar a atuação dos gestores públicos: os conselhos de políticas públicas

Os Conselhos Municipais surgiram entre a década de 80 e o início da década de 90. Buscavam uma articulação entre a sociedade civil e o Estado. Com os conselhos, ocorreu um fenômeno de municipalização das políticas sociais para que houvesse a participação da população na tomada de decisões e fiscalização com a prestação de contas pelo poder público.

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As políticas sociais a partir de então teriam ampla participação popular, buscando garantir que o desempenho do poder público seja constantemente avaliado. Trata-se, em verdade, de uma gestão compartilhada, em que os gestores ou os cidadãos trarão propostas de políticas públicas para debate, para que sejam aprimoradas e, caso seja viável, implementadas.

Os conselhos devem ser instrumento principal para um desenvolvimento local, em que a administração abre mão de seu papel de único formulador de propostas e descentraliza seu poder para que haja uma cooperação entre a municipalidade e os munícipes. 7

A Constituição de 1988 teve grande influência na política de descentralização e participação efetiva da população:

A Constituição de 1988 avançou, além do processo de descentralização e municipalização, no processo de integração, ao visar a necessidade de considerar as políticas sociais de forma integrada para garantir a cidadania plena e criando estruturas de co–participação entre Estado e sociedade para gestão dessas políticas. Cidadãos seriam os sujeitos com responsabilidades e direitos que possibilitem sua integração de forma plena em suas comunidades, e na vida social como um todo. Ou seja, que para poder exercer sua cidadania, os sujeitos precisam de igualdade de direitos em todos seus âmbitos: saúde, educação, emprego, que em definitivo são os que garantem uma qualidade de vida.

Os Conselhos possibilitam um maior exercício da cidadania buscando a efetiva participação democrática da população na fiscalização e no processo de formulação e realização das políticas públicas. O conselheiro deve agir na concretização da própria democracia participativa. A avaliação dos programas e políticas do governo será submetida ao crivo popular, representado pelos conselheiros, para que se prevaleça à vontade popular.

Por outro lado, o governo deverá prever em seu orçamento as verbas necessárias para que os trabalhos realizados dentro dos conselhos sejam concretizados. Pode-se acreditar que a fragilidade dos conselhos atuais deve-se por ingerências dos governos na manutenção e na administração financeiras destes conselhos. Em outras palavras, apesar de haver previsão orçamentária para o pleno funcionamento dos conselhos, por vezes, o próprio governo mantém o controle do conselho através de seu financiamento, causando dificuldade para a manutenção ou realização dos trabalhos por falta de verba nos momentos necessários.

A Constituição garante à população a participação e a efetiva criação dos Conselhos Municipais, como podemos perceber no artigo 29, inciso XII, o qual trata das atribuições municipais, que prevê a cooperação das associações representativas no planejamento municipal. Por toda a Constituição, podem-se encontrar dispositivos que preveem os Conselhos e a participação direta da população.

Entretanto, os conselhos não possuem efetiva participação da população e, consequentemente, perde-se a oportunidade de dar maior legitimidade aos atores políticos, bem como de fiscalização dos recursos públicos.

Dada à extensão da temática, é impossível que se debruce minuciosamente nos conselhos. No entanto, nota-se que os conselhos são instrumentos que permitem a população local ter total controle da aplicação das verbas nas políticas municipais. A participação popular e a accountability são perfeitamente exercidas pela população nos conselhos.

Ademais, as reuniões dos conselhos são abertas a toda população, não sendo restritas apenas aos gestores e conselheiros. A criação de conselhos se dá por meio de lei, que podem ser propostas, nos municípios, por iniciativa de 5% do eleitorado local, nos termos da Constituição.

A população deve estar atenta a este valioso instrumento democrático para controlar, deliberar, votar, vetar e propor políticas e garantir o princípio da eficácia nos gastos públicos.

4.4. Ação Popular

Promovendo o controle repressivo e preventivo pela população, a Constituição de 1988 previu a ação popular:

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Dimoulis assim conceitua ação popular:

Trata-se de ação de natureza constitucional que estabelece exercício de direito político de participação dos cidadãos no processo de formação da vontade estatal. 94 A ação popular permite ao cidadão promover a tutela do bem coletivo e fiscalizar a atuação das autoridades estatais, impedindo atos que lesam o meio ambiente, o patrimônio histórico, a moralidade administrativa, o erário e também os consumidores quando o Poder Público for prestador de serviços essenciais contínuos. O controle da Administração Pública é preventivo ou repressivo. Os cidadãos provocam o Poder Judiciário para exercer sua função de controle, preservando a moralidade e legalidade da vida pública (DIMOULIS, 2016, n.p.)

Pode-se entender a ação popular como uma ação de competência cível prevista na constituição, que permite a qualquer cidadão ingressar em juízo para buscar a invalidação de atos que causem prejuízo ao erário público, ofensa à moralidade administrativa, ou lesão ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e/ou cultural. (FERNADES, 2020, pág. 820)

Goes assevera que a ação popular tem como escopo, definido no texto constitucional, os direitos coletivos:

a ação popular não visa tutelar um direito subjetivo individual, mas, sim, de natureza coletiva, com a finalidade de anular ato lesivo aos interesses transindividuais difusos. Destina-se, pois, à fiscalização da gestão da coisa pública, evitando que atos, contratos administrativos e outras figuras jurídicas ilegais lesem a moralidade administrativa, o direito ao meio ambiente ou o direito de preservação do patrimônio público, histórico ou cultural, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Com rigor, a ação popular viabiliza a fiscalização do Poder Público por qualquer cidadão, permitindo-o exercer tal fiscalização com base no princípio da legalidade e no conceito de res publica, cuja exegese caminha no sentido de que os bens do Estado pertencem ao povo. É nesse sentido que a ação popular se alinha ao princípio republicano, exatamente pela possibilidade de qualquer cidadão através do Poder Judiciário assegurar a moralidade pública. (GOES, 2018, p. 124)

A legitimidade para propor a ação e contra quem será ajuizada é definida em legitimidade ativa e passiva:

Legitimidade Ativa: é do cidadão. Ou seja, o indivíduo dotado de capacidade eleitoral ativa que esteja em dia com as obrigações eleitorais/50 devendo-se comprovar tal situação com a juntada do título de eleitor e os devidos comprovantes de votação atualizados. Acrescente-se, ainda, que, independentemente do logradouro eleitoral pode o cidadão ajuizar a ação, em logradouro diferenciado do seu domicílio eleitoral. Até mesmo o menor entre 16 e 18 anos (relativamente incapaz) que já estiver com capacidade eleitoral poderá ajuizar ação popular. Questão interessante e de discussão doutrinária é aquela que se relaciona com a necessidade, ou não, de assistente para o ajuizamento da ação

Legitimidade Passiva: conforme dicção legal, a legitimidade passiva será: a) das pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado e das entidades referidas no art. 1° da Lei n» 4.717/65. b) autoridades, administradores e funcionários, c) beneficiários diretos. (FERNANDES, 2018, p. 820-825)

Messa reforça a concepção da ação popular como uma ação democrática ao permitir que qualquer cidadão seja legitimado para ajuizar a ação: “A natureza democrática da ação popular também é revelada por sua legitimidade ativa, outorgada a qualquer cidadão. Importante, neste ponto, realizar algumas distinções acerca dos conceitos de nação, população, povo e cidadão.” (MESSA, 2013, n.p.)

Constata-se que a ação popular é um importante instrumento de controle dos atos políticos pela própria população. Qualquer cidadão poderá utilizar-se da ação popular para prevenir e reprimir atos que vão de encontro ao que prevê o texto constitucional ou a legislação infraconstitucional.

A ação popular, dado seu caráter constitucional e democrático, não garantirá a nenhum agente político qualquer foro por prerrogativa de função. A ação será proposta no juízo de primeiro grau respeitado as competências territoriais.

A lei 4.717 de 1965 regulamenta a ação popular. O referido diploma traz em seu texto os atos que lesivos ao patrimônio público que serão considerados nulos:

Art. 2 o São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

a) incompetência;

b) vício de forma;

c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência dos motivos;

e) desvio de finalidade.

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

A abrangência da ação popular é ampla, permitindo, dessa forma, que haja um controle efetivo dos atos. Todavia, infelizmente a utilização de ações populares ainda é irrisória no Brasil. Em geral, os direitos coletivos são defendidos por meio de Ações Civis Públicas ajuizadas por associações. Embora não haja custa para o impetrante, a ação popular é evitada devido ao litígio ou por receio de que ocorra algum tipo de retaliação pelo poder público.

Assim como os outros instrumentos, existe a necessidade de maior utilização desse instrumento para defesa do patrimônio público como um todo e para garantir uma maior efetividade nos atos políticos. O incentivo e o esclarecimento da ação popular podem torná-la um dos mais importantes mecanismos de controle pela população.

4.5. Controle externo pela população

Após uma breve explanação, constata-se que a CF e a legislação infraconstitucional garantiu que haja um controle externo efetivo pela população. O simples controle externo realizado por instituições e o sistema de freios e contrapesos entre os poderes não são suficientes. A população deve participar ativamente do controle da atuação dos agentes públicos.

A accountability pública, ou prestação de contas, deve ser modernizada em todos os âmbitos da federação, para que se tenha acesso garantido para controle efetivo pelos administrados.

Alguns instrumentos como os conselhos municipais, a lei de acesso à informação e a ação popular são efetivos para o acompanhamento, avaliação e, em alguns casos, para a repreensão de atos praticados pelo poder público. No entanto, por toda a legislação infraconstitucional encontramos meios de controlar os atos públicos.

A lei de licitação traz a obrigatoriedade de audiência pública em determinados casos:

O art. 39 da lei 8.666/1999 estabelece que sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior 150 milhões de reais, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública. Nos casos do Registro de Preço Nacional realizado pelo FNDE, entretanto, a audiência sempre é realizada, independentemente do valor estimado da licitação. Isso acontece para promover a transparência e ampla divulgação entre os diversos setores da sociedade, uma vez que os processos realizados pelo FNDE objetivam atender a execução de politicas educacionais do MEC.

Já a nova lei de licitação traz a possibilidade de realização de audiências públicas e consultas públicas:

Art. 21. A Administração poderá convocar, com antecedência mínima de 8 (oito) dias úteis, audiência pública, presencial ou a distância, na forma eletrônica, sobre licitação que pretenda realizar, com disponibilização prévia de informações pertinentes, inclusive de estudo técnico preliminar e elementos do edital de licitação, e com possibilidade de manifestação de todos os interessados.

Parágrafo único. A Administração também poderá submeter a licitação a prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões no prazo fixado.

Observa-se que quando a licitação for de grande monta existe a preocupação do legislador para que a população opine diretamente. Todo o processo licitatório é regido pela transparência, para que haja uma fiscalização da população na legalidade dos atos.

Quando se trata de legislação ambiental, o licenciamento ambiental será precedido de audiência pública sempre que for necessário ou a requerimento de 50 ou mais cidadãos:

Art. 2º . Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado pôr entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos, o Órgão do Meio Ambiente promoverá a realização de Audiência Pública.

§ 1º . O Órgão de Meio Ambiente, a partir da data do recebimento do RIMA, fixará em edital e anunciará pela imprensa local a abertura do prazo que será no mínimo de 45 dias para solicitação de audiência pública.

§ 2º . No caso de haver solicitação de audiência pública e na hipótese do Órgão Estadual não realizá-la, a licença não terá validade.

A resolução nº 9 do CONAMA, citada acima, estabelece que a não realização fará com que a licença não seja válida. Percebe-se, mais uma vez, a preocupação do legislador com a participação popular e o controle dos atos que podem ser prejudiciais ao meio ambiente.

Ainda mais importante, prevê a CF que as contas públicas municipais deverão ser disponibilizadas por no mínimo 60 dias: “§ 3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.” Ou seja, o cidadão deverá ter acesso irrestrito por no mínimo 60 dias as contas municipais.

Com a lei de acesso à informação o acesso tornou-se permanente, já que deve ser publicado, mas a garantia constitucional assegura que já existia esta preocupação de controle externo pelo legislador originário.

Assim como os exemplos citados acima, diversas legislações trazem previsões para assegurar que a população possa atuar no controle externo.

Uma maior conscientização da população e novos instrumentos podem trazer maior estabilidade democrática e por fim a crise de legitimidade existente atualmente.

O controle realizado pela própria população é a temática que deve ser debatida no conceito moderno de democracia.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Guilherme Wilson Sanches. A crise de legitimidade na democracia e os instrumentos de participação popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7887, 3 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112738. Acesso em: 9 dez. 2025.

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