A estrutura tributária brasileira é marcada pela complexidade e fragmentação dos tributos indiretos, o que gera desconformidades econômicas e desafios para o ambiente de negócios. Nesse contexto, a reforma tributária propõe mudanças significativas no sistema atual, com destaque para a instituição de novos tributos que buscam aproximar a tributação sobre o consumo daquilo que se conhece por Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – o qual visa simplificar a tributação e corrigir distorções que afetam a competitividade e o crescimento econômico.
O modelo atual de tributação do consumo caracteriza-se pela repartição de competências entre a União, os estados e os municípios, que, no exercício de suas atribuições, instituem tributos sobre materialidades juridicamente distintas – ICMS para circulação de mercadorias, ISS sobre a prestação de serviços e PIS e COFINS sobre o faturamento. No entanto, na prática, esses tributos são economicamente repassados ao preço dos produtos e serviços e, assim, igualmente suportados pelo consumidor.
Essa complexidade, representada por diversas incidências tributárias sobre as mesmas operações, gera, além de insegurança jurídica, altos custos de conformidade para as empresas e um cenário de intensa litigiosidade, uma vez que os tributos acabam sendo acumulados no preço final. Isso sem considerar a utilização de benefícios fiscais por parte dos estados e municípios para atrair negócios às suas circunscrições, o que se conhece como "guerra fiscal".
Diante desse cenário, o novo modelo de IVA surge como uma proposta de solução para harmonizar e simplificar a tributação sobre o consumo no Brasil. Nos termos da EC 132/2023, ele será composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre estados, municípios e Distrito Federal, e pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência da União – ambos com as mesmas bases de incidência e regras de aplicação, conforme os artigos 156-A e 195, inciso V, da Constituição Federal de 19881.
Essa configuração busca, ao menos em teoria, simplificar a tributação por meio da unificação da base tributária em uma única materialidade (operações com bens e serviços) e da redução das sobreposições de competência (já que só existirão dois tributos), ao mesmo tempo em que respeita o pacto federativo, garantindo arrecadação semelhante para todos os entes federativos.
A tributação sobre o consumo tem como um de seus pilares mais importantes a chamada não cumulatividade tributária, princípio e técnica de tributação que visa evitar que, ao longo de uma cadeia de circulação de bens ou serviços, haja uma cobrança sobreposta de tributos que produza um efeito em cascata. Para sua efetivação, ao calcular o tributo sobre a comercialização de um bem ou serviço, é necessário que sejam abatidos os valores já recolhidos na etapa anterior (ALCOFORADO, 2024, p. 244).
Atualmente, entretanto, com as diversas hipóteses de incidência tributária distintas, como a prestação de serviços sendo onerada pelo ISS, imposto municipal, e a comercialização de mercadorias sendo tributada pelo ICMS, imposto estadual, a efetivação da não cumulatividade acaba se tornando impossível. Afinal, uma empresa que vende mercadorias não consegue compensar, no ICMS, os valores que seus prestadores de serviço repassaram no preço da prestação de serviços (ISS).
A uniformização das regras de incidência sobre as “operações com bens e serviços” e a competência compartilhada entre estados e municípios no caso do IBS resolveria essa problemática, ao menos em tese, na medida em que todas as operações gerariam crédito, reduzindo, assim, o preço final do produto.
Ocorre que, por outro lado, quando analisada de forma mais cuidadosa, essa equação pode não ser tão simples de resolver. Isso porque, paralelamente à simplificação para o contribuinte, busca-se manter a arrecadação equilibrada entre os entes tributantes, bem como assegurar sua autonomia. Como mencionado, é necessário manter inalterado o pacto federativo.
Uma das críticas mais recorrentes ao novo sistema é a possível redução da autonomia dos estados e municípios. Embora ainda possam definir as alíquotas dos tributos, a disciplina jurídica do tributo e do chamado Comitê Gestor ficou reservada à Lei Complementar, de competência da União, o que pode gerar uma nova ordem de conflitos, impactando diretamente os contribuintes.
Isso porque, apesar da redução do número de tributos, não se deve esperar uma diminuição da carga tributária total. Assim, as alíquotas tendem a ser mais altas, podendo chegar a 26,5%, de acordo com a Lei Complementar n.º 214/2015, editada para disciplinar os novos tributos (IBS e CBS) no âmbito infraconstitucional.
Com alíquotas mais elevadas, a não cumulatividade, prevista no art. 156-A, inciso VIII, da CF/19882, precisa ser assegurada de maneira cuidadosa para todos os setores da economia. Caso contrário, poderão ocorrer prejuízos significativos, especialmente para as pequenas empresas, que possuem menor capacidade de absorver os custos tributários. Além disso, prestadoras de serviços também podem ser afetadas, pois a folha de salários, que representa a maior parte de seus custos, em tese, não gerará créditos (NUNES, DELGADO; 2024, p. 43).
Dentre os potenciais efeitos indiretos da arrecadação única em alíquota fixa, destacam-se: a diminuição do poder de compra dos consumidores, em razão do aumento do preço do produto final; a redução da lucratividade das empresas, decorrente da queda no consumo; e a perda de competitividade das empresas (NUNES, DELGADO; 2024, p. 45).
Dentre todas as problemáticas que vêm sendo apontadas, aquela que talvez demande maior atenção por parte dos contribuintes é a mudança de paradigma quanto ao aproveitamento dos créditos da não cumulatividade. Isso porque, apesar de sua ampliação, o art. 47. da Lei Complementar 214/20253 condiciona a utilização dos créditos à extinção do crédito tributário por parte dos fornecedores.
A implicação disso é que todos os contribuintes precisarão tratar os custos tributários de sua atividade como custos principais. Caso se mantenham inadimplentes, poderão impedir seus adquirentes de utilizar créditos, tornar suas operações mais onerosas e sofrer prejuízos frente à concorrência. Além disso, parte do valor pago por seus adquirentes poderá ser retida para o pagamento de tributos ainda não recolhidos, um mecanismo controverso conhecido como "split payment".
Adicionalmente, as vendas efetuadas por empresas optantes pelo Simples Nacional, que, em tese, não estarão sujeitas ao IBS e à CBS, não gerarão créditos para seus adquirentes (art. 47, §3º, da Lei Complementar 214/20254). Isso pode resultar em uma inequívoca preferência por contribuintes fora do regime do Simples Nacional, o que potencialmente viola os princípios de tratamento diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas, garantidos pela Constituição Federal.
Em resumo, ainda que a reforma tributária tenha o potencial de simplificar o sistema como um todo, há uma série de incertezas que, quando analisadas sob a ótica de setores e empresas específicas, podem gerar impactos preocupantes, afetando preços, custos operacionais e a dinâmica concorrencial (NUNES, DELGADO; 2024, p. 46).
Diante desse cenário, é fundamental que as empresas busquem compreender os efeitos das mudanças para discutir eventuais distorções inconstitucionais. Além disso, torna-se essencial entender como os novos tributos exigirão a reformulação de políticas tributárias, contratos e estratégias comerciais, de modo a manter a competitividade no mercado.
REFERÊNCIAS
ALCOFORADO, Antônio Machado Guedes. A Não Cumulatividade do Iva-dual (CBS e IBS) Prevista na Proposta de Reforma Tributária. Revista de Direito Tributário da APET, São Paulo, n. 49, p. 239. - 263, out. 2023/mar. 2024. Disponível em: https://revistas.apet.org.br/index.php/rdta/article/view/602/502. Acesso em 01 fev. 2025.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 fev. 2025.
BRASIL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 10 fev. 2025.
NUNES, F. H. P.; DELGADO, J. S. A Implementação do Imposto de Valor Agregado (IVA) no Brasil. Disciplinarum Scientia, Santa Maria, v. 20, n; 1, p. 35. - 48, 2024. Disponível em: https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumSA/article/view/4810/3302. Acesso em: 01 fev. 2025.
Notas
1 Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: V - sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.
2 Art. 156-A - VIII - será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição.
3 Art. 47. O contribuinte sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos do IBS e da CBS quando ocorrer a extinção por qualquer das modalidades previstas no art. 27. dos débitos relativos às operações em que seja adquirente, excetuadas exclusivamente aquelas consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos do art. 57. desta Lei Complementar, e as demais hipóteses previstas nesta Lei Complementar.
4 Art. 47. - § 3º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, nas aquisições de bem ou serviço fornecido por optante pelo Simples Nacional.