Capa da publicação Proteção patrimonial mutualista x proteção veicular
Capa: Canva
Artigo Destaque dos editores

Lei Complementar nº 213/2025: análise jurídica e cenários futuros

Exibindo página 3 de 3
13/02/2025 às 15:00

Resumo:


  • A Lei Complementar nº 213/2025 criou a Proteção Patrimonial Mutualista, com sanções e penalidades severas, incluindo multas de até R$ 35 milhões e inabilitação por até 20 anos, podendo triplicar em caso de reincidência.

  • A SUSEP ganhou poderes amplos, podendo afastar diretores e suspender atividades sem processo formal, e aplicar penalidades por "indisciplina" e dificuldade em esclarecer informações, podendo chegar a multas de R$ 315 milhões e inabilitação por 60 anos.

  • Para as entidades, é fundamental um planejamento estratégico imediato, compreendendo o cenário atual, preparando a estrutura jurídica, avaliando a viabilidade financeira e operacional, fortalecendo a governança, e conduzindo um processo de due diligence dos diretores e gestores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

11. As Associações

Na Proteção Patrimonial Mutualista, as associações possuem um papel irrelevante. No escopo da lei Complementar, estas entidades atuam como meros intermediários entre os Grupos de Proteção Patrimonial Mutualista e as administradoras (inciso III do § 1º do art. 88-E), com poucas prerrogativas e direitos, mas contraditoriamente, assumindo responsabilidades significativas, solidariamente a outros atores.

As administradoras assumem a maior parte das funções que, no modelo de Proteção Veicular, são tipicamente desempenhadas pelas associações. Elas passam a ser partes integrantes dos contratos com os membros, detendo direitos e deveres exclusivos, o que esvazia o papel das associações na nova estrutura. O § 1º do art. 88-H traz a relação das atividades empenhadas pelas administradoras, que incluem o processamento de adesões, arquivamento de dados cadastrais e documentos, rateio (cálculo, cobrança e recolhimento), regulação e liquidação de eventos e até o pagamento das indenizações.

Já o § 5º do art. 88-E dispõe claramente que “o interesse do grupo de proteção patrimonial mutualista prevalecerá sobre o interesse da associação e sobre os interesses individuais dos participantes do grupo.” Por outro lado, embora o inciso V do § 1º do art. 88-E autoriza que as associações realizem atividades de “apoio operacional” às administradoras, as condições e parâmetros para essas atividades ainda serão definidos pelo CNSP.

Em relação aos Grupos de Proteção Patrimonial Mutualista, estes funcionarão de forma similar a condomínios, atendendo às finalidades estabelecidas no art. 88-E, ou seja, executam diretamente as operações de proteção patrimonial mutualista. O próprio art. 88-G prevê que “a operação de cada grupo terá total independência patrimonial em relação à administradora, às operações de proteção patrimonial de outros grupos, aos seus participantes individualmente considerados e à associação de que seus participantes sejam membros.”

Portanto, embora façam parte das associações, os grupos são os verdadeiros titulares de direitos, detendo a propriedade dos bens e atuando como protagonistas da operação, juntamente com as Administradoras. Tanto que o art. 88-N aduz que “o contrato de participação é o instrumento pelo qual o associado formaliza sua adesão a grupo de proteção patrimonial mutualista”, ou seja, os membros são vinculados diretamente aos Grupos de Proteção Patrimonial Mutualista e à administradora responsável, fazendo das associações meras figurantes, sem papel operacional significativo.

Contudo, embora praticamente sem direitos, as associações possuem responsabilidades relevantes. O art. 36. estabelece que “compete à Susep, na qualidade de executora das diretrizes das políticas de seguros e de proteção patrimonial mutualista estabelecidas pelo CNSP, atuar como órgão fiscalizador do Sistema Nacional de Seguros Privados.” Esta disposição deixa larga margem para que a atuação da SUSEP alcance as associações, visto que participam, ainda que indiretamente, do sistema de Proteção Patrimonial Mutualista, possuindo até mesmo capítulo próprio na lei que o institui. Além disso, segundo art. 109, as associações (e consequentemente, seus diretores) respondem solidariamente por prejuízos causados devido a “descumprimento de leis, normas e instruções”.

Estes aspectos precisam ser considerados por quem considera a migração para o novo modelo regulado, e a regulamentação por parte do CNSP deve ser observada com extrema atenção antes da tomada de qualquer decisão, inclusive o cadastramento na SUSEP.


12. As Cooperativas

Com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 213/2025, as sociedades cooperativas de seguros passaram por uma significativa ampliação de suas possibilidades de atuação. Antes restritas a seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho, as cooperativas agora poderão operar em outros ramos de seguros privados, salvo nos casos em que houver vedação expressa em regulamentação específica do CNSP.

Considerando o escopo da lei Complementar, o caminho do Seguro Cooperativo se mostra significativamente mais promissor do que a Proteção Patrimonial Mutualista, pelos motivos abaixo expostos:

  • Trata-se de uma modalidade de seguro, e não um novo arranjo controverso e duvidoso;

  • O modelo cooperativo já possui respaldo legal e estrutura consolidada;

  • Permite que os próprios cooperados participem da gestão e das decisões operacionais;

  • Pode trazer mais segurança jurídica do que o novo modelo de Proteção Patrimonial Mutualista, cuja regulamentação ainda será definida.

Considerando estes e outros pontos, o caminho das Cooperativas de Seguros tem sido considerado por muitos que não desejam aderir ao modelo de Proteção Patrimonial Mutualista. Contudo, a mudança para a atuação através da estrutura de cooperativa também traz alguns desafios e pontos de atenção, como por exemplo os abaixo expostos:

  • Necessidade de capitalização inicial e estrutura mínima para operar como cooperativa de seguros;

  • Adoção obrigatória de regras e princípios do cooperativismo, que podem exigir mudanças estruturais nas entidades que optarem por esse modelo;

  • Dependência da regulamentação do CNSP para definição de requisitos operacionais e fiscais.

Por outro lado, as cooperativas que atualmente já atuam com a Proteção Veicular podem encontrar mais facilidades para uma possível migração para o modelo de Cooperativa de Seguros, por já estarem habituados às nuances do cooperativismo. Neste caso, basta que as entidades mantenham as atividades dentro dos critérios exigidos pela legislação, garantindo conformidade jurídica, e aguardem a regulamentação do CNSP para avaliar a viabilidade da migração para o modelo de Seguro Cooperativo.

Podemos concluir com as seguintes constatações:

  • A ampliação do campo de atuação das cooperativas de seguros pode abrir novas possibilidades para entidades que atuam no mercado de proteção veicular, a depender da regulamentação do CNSP;

  • O Seguro Cooperativo pode ser uma alternativa mais viável do que a Proteção Patrimonial Mutualista, dependendo da regulamentação do CNSP;

  • As cooperativas devem se preparar para ambos os cenários – a manutenção do Socorro Mútuo ou a transição para o Seguro Cooperativo, conforme as regras sejam definidas;

  • A tomada de decisão deve considerar os requisitos jurídicos, regulatórios, estruturais e financeiros de cada modelo.


13. Os consultores e representantes

O art. 122. da lei Complementar estabelece que apenas o corretor de seguros tem a prerrogativa de comercializar planos de seguros privados. O parágrafo único do mesmo artigo amplia essa prerrogativa, ao prever que o corretor de seguros também poderá intermediar operações de Proteção Patrimonial Mutualista.

O texto sequer menciona a participação de consultores e representantes nas operações de Proteção Patrimonial Mutualista, deixando em aberto a possibilidade de exclusão desses profissionais na intermediação desse mercado, gerando uma incerteza significativa quanto à continuidade de consultores que hoje atuam na Proteção Veicular. A regulamentação posterior do CNSP será determinante para definir se esses profissionais poderão comercializar produtos mutualistas, ou se a prerrogativa será exclusiva dos corretores de seguros, como ocorre no mercado securitário tradicional.


14. SUSEP: O Órgão Mais Poderoso da República

Um aspecto preocupante salta aos olhos diante da análise da Lei Complementar: o brutal empoderamento da SUSEP, que passa a contar com prerrogativas inéditas a qualquer outro órgão da administração pública, conforme veremos nos tópicos a seguir.

14.1. Regime Sancionador e Rito do Processo da SUSEP

O art. 118. da Lei Complementar concede à SUSEP a prerrogativa para instauração dos processos administrativos sancionadores, sendo dispensável que seja precedido de inquérito administrativo, nos termos do §1º. Já o §2º permite que os processos administrativos não sejam sigilosos, autorizando a sua divulgação pública.

Se por um lado estas mudanças têm o potencial de dar mais celeridade aos processos administrativos, elas tornam ainda mais agressivas as medidas restritivas da autarquia, em face das reguladas. Além disso, a ausência de um inquérito prévio e a dispensa de sigilo podem violar direitos, especialmente no que tange ao contraditório e à ampla defesa, abrindo margem ainda para o vazamento malicioso de informações na internet, e para as campanhas difamatórias que ocorreram nos últimos anos.

Em relação às entidades que fazem parte do mercado regulado, o art. 121-A estabelece que a SUSEP poderá, antes mesmo da instauração formal de um processo administrativo sancionador, determinar o afastamento cautelar de administradores e membros da diretoria, bem como suspender suas autorizações ou cadastros, impedindo-os temporariamente de atuar no mercado. A SUSEP também poderá, como medida preventiva, determinar a interrupção imediata do funcionamento das entidades, sob pena de aplicação das multas e sanções previstas no art. 108. Além disso, o inciso VIII do art. 121-A autoriza a SUSEP a “adotar quaisquer providências que entender necessárias”, conforme diretrizes a serem estabelecidas pelo CNSP.

O artigo 121, em linhas gerais, confere à SUSEP poderes quase absolutos, permitindo o afastamento de diretores e a interrupção das atividades de entidades sem a necessidade de um processo administrativo formal, violando os princípios constitucionais de contraditório e ampla defesa. O inciso VIII, por sua vez, representa um "cheque em branco" para a autarquia, concedendo-lhe poder discricionário para implementar qualquer medida que julgar necessária. Como as diretrizes ainda serão definidas pelo CNSP após a aprovação da lei, há uma lacuna de segurança jurídica para as entidades supervisionadas, que podem enfrentar sanções severas sem garantias de um rito processual claro.

Estes são aspectos que certamente não podem ser ignorados por parte das entidades que pretendem aderir à nova modalidade, passando a fazer parte do mercado regulado pela SUSEP, e se sujeitando o referido regime sancionador.

14.2. Infrações e Penalidades

Em caso de infração às normas estabelecidas pelo CNSP e pela SUSEP, as penalidades aplicáveis às pessoas físicas e jurídicas responsáveis, conforme previsto no art. 108, são as seguintes:

  • a) Advertência;

  • b) suspensão de atuação;

  • c) inabilitação de atuação de 2 a 20 anos;

  • d) multas de até R$ 35 milhões.

É importante verificar que as penalidades não se direcionam somente aos agentes do mercado regulado, mas a qualquer pessoa física ou jurídica considerada infratora. Além disso, segundo o §5º do referido artigo, as multas podem ser triplicadas em caso de reincidência, conforme critérios a serem regulamentados pelo CNSP. Com a possibilidade de triplicação, as multas podem atingir o montante de R$ 105 milhões.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Mais adiante, o art. 113. dispõe que qualquer pessoa física ou jurídica que atue no mercado de Proteção Patrimonial Mutualista sem a prévia e expressa autorização da SUSEP estará sujeita às penalidades previstas no art. 108, aplicadas de forma triplicada. A nova triplicação das penalidades pode resultar em multas de até R$ 315 milhões e inabilitação para atuar no mercado por até 60 (sessenta) anos.

Inciso II do art. 115, que dispõe que as penalidades mais acima citadas podem também ser aplicadas a quem “contribuir para gerar indisciplina nos mercados supervisionados pela SUSEP”, ou “dificultar o conhecimento da real situação patrimonial ou financeira das operações” conforme critérios da própria autarquia e do CNSP. O dispositivo prevê penalidades extremamente severas, que podem ser aplicadas inclusive por condutas que não estão claramente tipificadas, como os “embaraços” mencionados em artigos anteriores.

Esses dispositivos conferem à SUSEP um poder punitivo amplíssimo, permitindo a aplicação de sanções por motivos bastante subjetivos, como a “indisciplina” no mercado ou a “dificuldade” em esclarecer informações patrimoniais. A falta de especificidade na tipificação dessas condutas abre margem para uma atuação arbitrária e pode gerar insegurança jurídica, afetando a todo o mercado, regulado ou não. A amplitude dos poderes conferidos à SUSEP após a aprovação do PLP configura um nível de discricionariedade punitiva sem precedentes no Brasil.


15. Cenário Futuro e Planejamento Estratégico

Diante de tantas mudanças, já vigentes ou iminentes, além das projeções para os próximos meses e anos, o melhor caminho para quem atua no setor de Proteção Veicular é utilizar o tempo que ainda resta para planejar estrategicamente o futuro, e se preparar com antecedência para decisões importantes.

Para as entidades que pretendem se manter no modelo mutualista de Proteção Veicular, é preciso estar ciente de que haverá muitos desafios adiante. Permanecer no modelo atual não será suficiente, será necessário que a operação seja 100% conforme os critérios associativos ou cooperativos, e os requisitos legais aplicáveis a cada atividade. Qualquer distorção ou desvio do formato original do Socorro Mútuo poderá resultar na caracterização da atividade como Proteção Patrimonial Mutualista irregular, sujeitando a entidade ao processo sancionador e às rigorosas penalidades mencionadas anteriormente.

No caso das entidades que consideram a migração para o novo modelo regulado pela SUSEP, é indispensável que se compreenda todas as nuances que já foram apontadas pelo texto da Lei Complementar, e que se aguarde a regulamentação da Lei pelo CNSP, momento em que qualquer decisão poderá ser tomada de forma minimamente consciente.

Independente do caminho a ser seguido, é fundamental agir de imediato, aproveitando com sabedoria o tempo disponível para compreender as regras e seus impactos, e organizar sua entidade garantindo que ela esteja apta a adotar o modelo de negócio mais adequado no futuro próximo. Isso inclui providenciar as adequações necessárias com o suporte de uma equipe jurídica especializada em Socorro Mútuo e Direito Regulatório.

Abaixo, indicamos algumas medidas imediatas a serem adotadas:

  • a) Compreensão do cenário atual: buscar uma assessoria jurídica com competência para compreender com profundidade o cenário atual, e apresentar as opções disponíveis para serem eventualmente seguidas;

  • b) Preparação da Estrutura Jurídica: ajustar estrutura jurídica atual aos requisitos mínimos legais que poderão ser exigidos futuramente, em caso da necessidade de mudanças;

  • c) Viabilidade financeira e operacional: avaliar a viabilidade financeira e operacional da possível migração do modelo de negócio atual, para algum dos demais modelos possíveis;

  • d) Elaboração de um Plano de Adequação: planejar as mudanças necessárias para atender aos requisitos dos modelos alternativos, antecipando potenciais obstáculos;

  • e) Fortalecimento da Governança Interna: Implementar práticas de compliance e controle financeiro, para garantir a conformidade e transparência que serão exigidos mais adiante, independente do modelo adotado;

  • f) Due-diligence : Conduzir um processo de due diligence dos diretores e gestores, identificando e mitigando riscos pessoais e preparando as pessoas físicas para a possível transição para um novo modelo de negócio.

Independente da escolha, é essencial iniciar imediatamente um planejamento estratégico que garanta flexibilidade para uma tomada de decisão segura, permitindo que sejam aproveitadas as oportunidades e as lacunas existentes no projeto para operar com segurança e legalidade — especialmente para aqueles grupos que optarem por não aderir ao novo modelo criado pela legislação.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Renato. Lei Complementar nº 213/2025: análise jurídica e cenários futuros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7897, 13 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112879. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos