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A falácia dos três pilares da reforma tributária

18/02/2025 às 19:30

Resumo:


  • Os autores da reforma tributária fundiram vários tributos no IBS dual e na CBS federal, com base em três pilares: simplicidade tributária, neutralidade fiscal e eficiência tributária.

  • O primeiro pilar, simplicidade tributária, visava facilitar o entendimento, administração e cumprimento do sistema tributário, mas a reforma não atingiu esse objetivo, mantendo a complexidade.

  • A neutralidade fiscal, que busca minimizar distorções nas decisões econômicas, também foi comprometida pela reforma, que favoreceu setores específicos e criou incentivos fiscais incompatíveis.

  • A eficiência tributária, que busca maximizar a arrecadação com menor custo, foi prejudicada pela criação do Comitê Gestor e pela burocracia resultante, afastando-se do princípio de simplificação e neutralidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Apesar da fusão de impostos, a reforma tributária criou milhares de normas e um comitê gestor poderoso. Como garantir neutralidade e eficiência com incentivos e burocracia?

Os autores da reforma tributária, que fundiram o IPI, o PIS/COFINS, o ICMS e o ISS no IBS dual e na CBS federal, partiram da premissa de que a fusão de tributos de competências impositivas diferentes se assentava em três pilares:

  • simplicidade tributária,

  • neutralidade fiscal e

  • eficiência tributária.

O primeiro pilar, simplicidade tributária, foi martelado dia e noite na cabeça da população em geral pela grande mídia “estatizada”.

Essa mídia foi decisiva para ganhar a simpatia da sociedade leiga, que ignora o fato de que não se pode unificar tributos de competências diferentes sem destruir a forma federativa do Estado brasileiro, que assegura autonomia político-administrativa aos três entes da Federação, por meio de impostos privativos, discriminados nos arts. 153 (federal), 155 (estadual) e 156 (municipal) da Constituição Federal de 1988.

Nenhum dos três pilares anunciados foi atingido. Vejamos.


Simplicidade

Em geral, pode-se dizer que simplicidade é a maneira de descomplicar as coisas, expressando o pensamento com clareza e objetividade, eliminando os excessos inúteis e desnecessários. Ela se manifesta na comunicação, na escrita, no estilo de vida do dia a dia e até mesmo no ambiente em que a beleza se encontra de forma natural.

Logo, simplicidade tributária é a maneira de tornar o sistema tributário mais fácil de entender, administrar e cumprir. Envolve a redução de normas da legislação tributária, a unificação de tributos, quando possível, e a facilitação do cálculo e do pagamento de tributos.

A simplificação tributária não se resume à mera reunião de tributos em oposição à forma federativa do Estado, que atribui impostos privativos a cada ente da Federação, como fez a reforma tributária em questão. A multiplicidade de tributos, por si só, não atenta contra o princípio da simplicidade.

A Emenda Constitucional nº 132/2013, que promoveu a reforma tributária parcial unificando os tributos incidentes sobre o consumo, contém 491 normas, ao passo que o Regulamento do IBS/CBS/IS, aprovado pela Lei Complementar nº 214/2025, contém 542 artigos, que se desdobram em parágrafos, incisos e alíneas, formando um conjunto de quase 1.000 normas.

Onde está a simplicidade do sistema tributário?


Neutralidade fiscal

A neutralidade fiscal se insere no campo da política tributária eleita pelo governo, de sorte a estabelecer que os impostos causem o mínimo de distorção possível nas decisões econômicas das fontes produtoras de riquezas.

Em outras palavras, o peso da carga tributária não deve influenciar a escolha do consumo, do investimento ou da alocação de recursos.

Para tanto, o sistema tributário não deve favorecer ou prejudicar setores específicos, devendo manter o princípio da livre concorrência.

Ora, a reforma tributária em questão mantém a redução da alíquota-padrão de 26,5% em 30%, 50% e 60%, causando distorções na demanda e direcionando os consumidores de produtos e serviços. Só para ilustrar, no setor de saúde e remédios, há centenas de produtos favorecidos por diferentes reduções, o que influencia a escolha dos consumidores.

A neutralidade fiscal é incompatível com os diferentes incentivos fiscais, como isenção e redução de alíquotas, com exceção daqueles voltados para a redução de desigualdades socioeconômicas entre as várias regiões do país, como os estados localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que são economicamente menos desenvolvidos em comparação com os estados das regiões Sul e Sudeste.


Eficiência tributária

O princípio da eficiência tributária consiste na eleição de uma política fiscal que busca maximizar a arrecadação tributária com o menor custo arrecadatório possível, minimizando ao máximo a carga tributária tanto para o ente político tributante quanto para o contribuinte. Esse princípio se articula com os princípios da simplicidade e da neutralidade fiscal.

Ora, a reforma tributária sob análise criou o Comitê Gestor, uma autarquia federal que executa funções de Estado como se fosse um quarto poder da República, arrecadando e distribuindo o IBS aos estados e municípios, além de julgar, em última instância administrativa, os processos tributários.

Para o desempenho dessas atribuições, o Comitê Gestor cobra 60% da arrecadação do IBS em 2026 e 50% da arrecadação nos exercícios subsequentes.

Em relação aos contribuintes, criou-se um caos legislativo, com a produção de uma burocracia infernal em escala industrial.

O quadro atual, com certeza, será agravado com a elaboração de novas normas dotadas de um sadismo burocrático, pois o Comitê Gestor ganhou tanto o poder normativo quanto o poder de interpretar as próprias normas que vier a elaborar.

Onde está a eficiência tributária?


Essa reforma tributária, que destrói o único sistema tributário esculpido pela Constituição de 1988 e compatível com a peculiaridade da Federação Brasileira, foi um grande embuste do começo ao fim, com a ajuda da mídia “estatizada”, decisiva na arte de enganar a população leiga.

De forma cínica, embutiu uma trava de 26,5% na alíquota do IBS, dispondo que, na eventualidade de essa alíquota ser superada em 2033, quando os estados e municípios fixarem suas respectivas alíquotas, o governo enviará ao Congresso Nacional um projeto legislativo para reconduzir a carga tributária ao patamar de 26,5%.

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Ora, é uma questão matemática! Se forem somadas à alíquota-padrão de 26,5% as alíquotas estaduais e municipais, é evidente que essa alíquota-padrão se elevará, tornando descabida qualquer especulação sobre uma hipótese eventual.

Enfim, a reforma tributária implantada pela EC nº 132/2023 e regulamentada pela LC nº 214/2025 atropelou os três pilares enfaticamente anunciados na exposição de motivos subscrita por seus autores, inexperientes em direito e desprovidos de bom senso.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. A falácia dos três pilares da reforma tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7902, 18 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112926. Acesso em: 5 abr. 2025.

Mais informações

Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.032, de 4-2-2025.           

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