Dentro da linha da tese do século, o ilustre juiz da 3ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas inaugurou a tese da exclusão do valor do Fundo de Manutenção da Marinha Mercante – FMM – da base de cálculo do IRPJ, da CSLL e do PIS/PASEP-COFINS, com fundamento, data venia, equivocado, a nosso ver, como passaremos a demonstrar (Proc. nº 1017334-28.2024.4.01.3.200).
A culpa dessa confusão não é do juiz, nem do ilustre advogado que patrocinou a demanda judicial, aliás, bastante criativo.
A razão da confusão reside na legislação caótica do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, cujas normas são alteradas em escala industrial da noite para o dia e, o que é pior, por meio de infindáveis remissões a outras leis de curta duração.
Examinaremos o caso concreto.
Trata-se da exclusão do valor da subvenção para investimento recebido do Fundo da Marinha Mercante – FMM –, administrado pela Superintendência Nacional da Marinha Mercante – SUNAMAM.
O AFRMM, atual denominação da antiga Taxa de Marinha Mercante – TMM –, trata-se de uma contribuição social de intervenção no domínio econômico, a exemplo do ATP, do IAA, do IBC e da CIDE, que, por definição, têm destinação específica. Parte da receita do AFRMM vai para o FMM.
Conforme assinalado em nossa obra, esse fundo destina-se à obtenção de recursos para custear o desenvolvimento da marinha mercante, bem como da indústria de construção e reparação naval, caracterizando-se por uma legislação extremamente dinâmica1. Corresponde a uma subvenção econômica da subespécie "subvenção para investimento", especificamente voltada para o desenvolvimento do setor naval.
Pois bem, o ínclito juiz federal, como razão de decidir, confrontou o art. 68 da Lei nº 4.506, de 30-11-1964, que versa sobre a legislação do Imposto de Renda, com a Lei nº 14.789, de 29-12-2023, que dispõe genericamente sobre o crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (subvenção genérica).
Prescreve o art. 68 da Lei nº 4.506/64:
“Art. 68. Para os efeitos da tributação, as importâncias recebidas pelas empresas de navegação nos termos do art. 8º da Lei nº 3.381, de 1958, e correspondentes à Taxa de Renovação da Marinha Mercante, não integrarão a receita bruta operacional”.
Entendeu o ínclito magistrado que esse art. 68, por ser uma norma específica, não poderia ter sido revogado pela disposição genérica da Lei nº 14.789/2023. Poderia tê-la revogado expressamente, mas não o fez.
Vários são os equívocos cometidos pelo ilustre juiz federal do Amazonas.
Vejamos.
Em primeiro lugar, não cabe falar em revogação expressa ou tácita de uma norma que não mais existia no mundo jurídico à época dos fatos.
O citado art. 68 refere-se às importâncias recebidas nos termos do art. 8º da Lei nº 3.381/1958.
Ora, essa Lei nº 3.381/1958, que criou o Fundo da Marinha Mercante e a Taxa de Renovação da Marinha, foi revogada pelo Decreto-Lei nº 1.142, de 30-12-1970, que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto-Lei nº 1.801, de 18-08-1980, o qual consolidou e alterou a legislação sobre o Adicional para Renovação da Marinha Mercante, bem como o Fundo da Marinha Mercante. Essa legislação nada dispôs sobre a exclusão do valor do FMM, derivado do AFRMM, auferido pelo beneficiário.
Em segundo lugar, a Lei nº 4.506/1964 versa exclusivamente sobre o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, razão pela qual, quando seu art. 68 dispõe que as importâncias recebidas do Fundo da Marinha Mercante, formado por parte da receita do AFRMM, “não integram a Receita Bruta Operacional” – expressão típica do Imposto de Renda –, só poderia estar se referindo à base de cálculo do IRPJ, e não à base de cálculo de outros tributos, como o PIS-PASEP/COFINS.
Em terceiro lugar, é absolutamente equivocada a afirmativa de que a Lei nº 14.789/2023 levou o Fisco a incluir, na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS-PASEP e COFINS, as subvenções recebidas desde 1º de janeiro de 2024.
Ocorreu exatamente o contrário.
A Lei nº 14.789/2023, que dispõe sobre o crédito fiscal de subvenção para investimento na implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, estendeu a dedução da base de cálculo, que antes se aplicava apenas ao IRPJ, para os demais tributos, conforme se verifica em seu art. 11, in verbis:
“Art.11. O valor do crédito fiscal não será computado na base de cálculo do IRPJ, da CSLL, da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).”
Essa lei geral de subvenções para implantação ou expansão de empreendimentos econômicos substituiu o benefício específico concedido aos destinatários do Fundo da Marinha Mercante, que antes se limitava à dedução do seu valor da base de cálculo do IRPJ, pelo crédito fiscal decorrente de subvenção econômica, o qual poderá ser utilizado na compensação com outros tributos administrados pela Receita Federal ou no ressarcimento em dinheiro (art. 9º).
Na verdade, o art. 11, antes transcrito, estendeu a dedução do valor do crédito fiscal da base de cálculo do IRPJ, da CSLL e do PIS-PASEP/COFINS.
A equivocada tese do juízo da 3ª Vara Federal do Amazonas poderá desencadear uma sucessão de demandas judiciais buscando exclusões que já estão previstas na vigente Lei nº 14.789/2023. Trata-se de situação semelhante à chamada "tese do século", inaugurada com a exclusão do valor do ICMS da base de cálculo da Cofins, que desencadeou uma onda de exclusões aparentemente interminável.
No caso sob análise, a Lei nº 14.789/2023 excluiu, de antemão, o valor da subvenção econômica da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda e sobre o consumo, decisão acertada do legislador.
De fato, não faria sentido outorgar um benefício fiscal que implicasse aumento da carga tributária de outros tributos. A falta dessa compreensão elementar continua gerando litígios judiciais desnecessários que, por vezes, acabam penalizando o contribuinte agraciado com um benefício fiscal. A título ilustrativo, cita-se a inclusão dos benefícios fiscais do ICMS e do drawback na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Dá-se com a mão direita e retira-se com a mão esquerda. Não é razoável! Não importa que sejam diferentes os entes políticos envolvidos. Um incentivo na modalidade de subvenção para investimento, independentemente do ente político outorgante, não pode implicar agravamento do tributo de titularidade de outro ente político.
Assinale-se, por derradeiro, que a outorga do crédito fiscal de subvenção para investimento, prevista na Lei nº 14.789/2023, assim como na legislação anterior, aplica-se exclusivamente às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real (art. 1º).
Nota
1 Cf. nosso Direito Financeiro e Tributário, 33ª ed. São Paulo: Dialética, 2023, p. 368-369.