Capa da publicação Tema 1234: saúde, competências e honorários
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Honorários sucumbenciais na repartição de competências administrativas em temas de saúde (Tema 1234 do STF)

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05/03/2025 às 19:20
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A responsabilidade solidária na saúde pública implica no pagamento de honorários sucumbenciais? O artigo analisa a distinção entre solidariedade civil e sanitária, defendendo a aplicação do princípio da causalidade.

Resumo: Este artigo analisa a distinção entre a solidariedade no direito civil e na saúde pública, com foco na responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em ações que envolvem a prestação de serviços de saúde. A partir de uma revisão doutrinária e jurisprudencial, busca-se compreender o tema, a fim de instigar os tribunais a fixarem a verba sucumbencial de acordo com a repartição administrativa de competências, conforme o princípio da causalidade.

Palavras-chave: Administração Pública, Saúde, Solidariedade, Honorários Sucumbenciais; Princípio da Causalidade, Tema 1234/STF.

Sumário: Introdução; 1. Custeio de medicamentos após decisão do tema 1234/STF – panorama inicial; 2. Contextualização histórica e a diferença da solidariedade civil em tema de saúde; 3. Honorários sucumbenciais com base na repartição de competências administrativas de saúde; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

A solidariedade no direito brasileiro pode ter distintas interpretações a depender do contexto em que é aplicada. No campo civil, trata-se de um instituto que impõe a obrigação conjunta e integral dos devedores, permitindo ao credor exigir a totalidade da dívida de qualquer um deles.

No entanto, quando se analisa a prestação de serviços públicos essenciais, como a saúde, a solidariedade assume contornos diversos, especialmente em razão da necessidade de compatibilizá-la com o modelo federativo de repartição de competências.

O Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, tem reconhecido que os entes federativos possuem responsabilidade solidária pela prestação do direito fundamental à saúde.

Contudo, essa solidariedade não implica, necessariamente, em idêntica responsabilidade quanto ao pagamento de verbas sucumbenciais em ações judiciais. O julgamento do Tema 1234 do STF trouxe novas diretrizes para a definição de obrigações no custeio de medicamentos, demonstrando que a solidariedade material e financeira deve ser interpretada conforme a distribuição constitucional de competências administrativas.

A presente pesquisa tem por objetivo discutir a aplicação dos honorários advocatícios sucumbenciais em ações que envolvem a prestação de serviços de saúde. Defende-se que, embora os entes federativos sejam solidários no atendimento ao direito à saúde, a fixação da verba honorária deve obedecer ao princípio da causalidade, responsabilizando apenas o ente federativo que efetivamente tenha dado causa à demanda.

Além de abordar a distinção entre solidariedade civil e solidariedade em matéria de saúde, o artigo busca analisar como o Poder Judiciário tem tratado a questão dos honorários sucumbenciais nessas ações. Diante da escassez de jurisprudência consolidada sobre o tema, a reflexão aqui proposta pretende instigar os operadores jurídicos, principalmente os Procuradores Municipais e Estaduais, a adotarem uma abordagem mais coerente e alinhada com a repartição administrativa de competências, evitando que Municípios e Estados sejam indevidamente onerados em demandas cuja responsabilidade financeira recai sobre a União.

Não se pretende esgotar o tema, mas sim fomentar o debate e contribuir para a construção de um entendimento jurisprudencial que garanta maior segurança jurídica aos entes federativos, à advocacia e ao próprio cidadão que busca o cumprimento de seu direito à saúde.


1. CUSTEIO DE MEDICAMENTOS APÓS DECISÃO DO TEMA 1234/STF – PANORAMA INICIAL.

Em 19 de setembro de 2024, a publicação do Acórdão, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 1.366.243/SC1, decidiu o Tema de Repercussão Geral nº 1234, promovendo intensas alterações na condução da judicialização da saúde pública no país.

Observa-se que, tendo sido as novas formulações de competência decorrentes de acordo interinstitucional, entende-se que não há falar em usurpação da competência legislativa ou mesmo constitucional na espécie. O custeio de medicamentos, incorporados ou não, ficou assim definido:

“III – Custeio.

3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias.

3.1) Figurando somente a União no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do Estado ou Município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela via acima indicada em caso de eventual custo financeiro ser arcado pelos referidos entes.

3.2) Na determinação judicial de fornecimento do medicamento, o magistrado deverá estabelecer que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto, proposto no processo de incorporação na Conitec (se for o caso, considerando o venire contra factum proprium/tu quo que e observado o índice de reajuste anual de preço de medicamentos definido pela CMED), ou valor já praticado pelo ente em compra pública, aquele que seja identificado como menor valor, tal como previsto na parte final do art. 9º na Recomendação 146, de 28.11.2023, do CNJ. Sob nenhuma hipótese, poderá haver pagamento judicial às pessoas físicas/jurídicas acima descritas em valor superior ao teto do PMVG, devendo ser operacionalizado pela serventia judicial junto ao fabricante ou distribuidor.

3.3) As ações que permanecerem na Justiça Estadual e cuidarem de medicamentos não incorporados, as quais impuserem condenações aos Estados e Municípios, serão ressarcidas pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES ou ao FMS). Figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do outro para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão.

3.3.1) O ressarcimento descrito no item 3.3 ocorrerá no percentual de 65% (sessenta e cinco por cento) dos desembolsos decorrentes de condenações oriundas de ações cujo valor da causa seja superior a 7 (sete) e inferior a 210 (duzentos e dez) salários mínimos, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias.

3.4) Para fins de ressarcimento interfederativo, quanto aos medicamentos para tratamento oncológico, as ações ajuizadas previamente a 10 de junho de 2024 serão ressarcidas pela União na proporção de 80% (oitenta por cento) do valor total pago por Estados e por Municípios, independentemente do trânsito em julgado da decisão, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias. O ressarcimento para os casos posteriores a 10 de junho de 2024 deverá ser pactuado na CIT, no mesmo prazo”.

Portanto, os critérios acima definidos deverão ser observados quanto ao cumprimento da obrigação de fazer.

Nesse sentido, o cumprimento da obrigação deve ocorrer nos seguintes moldes: a União deverá financiar e adquirir o(s) medicamento(s), devendo ajustar-se administrativamente com o Estado para que este promova a entrega do(s) fármaco(s) na Secretaria Regional de Saúde mais próxima da residência da parte necessitada, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.

Vale ressaltar que tal forma de cumprimento não exime totalmente o Município da obrigação de fazer, mas apenas estabelece a forma inicial de cumprimento da decisão, em conformidade com o que foi decidido no Tema 1234 pelo STF. Assim, havendo eventual descumprimento por parte da União, os demais entes federativos poderão ser intimados a cumprir a determinação da decisão, uma vez que persiste a solidariedade entre eles.

Segundo a doutrina de José Afonso da Silva (2024, p. 500-520), a competência comum implica que todos os entes federativos têm responsabilidade solidária na promoção de direitos fundamentais, como a saúde. Essa solidariedade exige a articulação de ações e políticas públicas integradas, evitando sobreposições e lacunas na prestação dos serviços de saúde.

O artigo 1962 da Constituição Federal de 1988 dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Essa previsão constitucional consagra o direito à saúde como um direito fundamental de natureza social, exigindo ações positivas do Estado para sua efetivação.

Conforme destaca Ingo Wolfgang Sarlet (2015, p. 800-820), o direito à saúde possui dupla dimensão: individual e coletiva. Na dimensão individual, assegura-se o acesso de cada pessoa aos serviços de saúde; na coletiva, impõe-se ao Estado o dever de implementar políticas públicas que promovam condições adequadas de saúde para toda a população.

No voto do Ministro Gilmar Mendes, proferido no julgamento da STA 1753 3 , restou consignado:

“Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde”.

Assim, a garantia judicial da prestação individual de saúde estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

O artigo 198, inciso I4, da Constituição Federal de 1988 estabelece como diretriz do SUS a descentralização, com direção única em cada esfera de governo. Essa diretriz busca aproximar a gestão dos serviços de saúde das realidades locais, promovendo maior eficiência e eficácia na prestação dos serviços, segundo o critério da subsidiariedade.

De acordo com a análise de Lenir Santos (2018, p. 30-60), a descentralização no SUS visa à autonomia dos municípios na gestão dos serviços de saúde, respeitando as peculiaridades regionais e garantindo a participação social nas decisões. Entretanto, essa autonomia deve ser harmonizada com a coordenação das esferas estadual e federal, assegurando a integralidade e a universalidade do sistema.

A Lei 8.080/90, que dispõe sobre o SUS, estabelece a divisão de atribuições na área da saúde entre os entes federados em seus artigos 15 a 18, fixando competências para a União (art. 16), os Estados (art. 17) e os Municípios (art. 18).

Assim, ainda que a responsabilidade dos entes federativos seja solidária para os cuidados da saúde (art. 23, II, da CF/885), a responsabilidade material e financeira pela aquisição e dispensação de medicamentos ou tratamentos deve ser garantida mediante políticas públicas (arts. 196. e 198, I, da CF/88), cabendo ao Poder Judiciário auxiliar nessa repartição de competências, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 1234.


2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E A DIFERENÇA DA SOLIDARIEDADE CIVIL EM TEMA DE SAÚDE

A matéria da solidariedade dos entes federativos já foi discutida nos anos de 2019 pelo Supremo Tribunal Federal, que fez a distinção entre solidariedade civil e solidariedade na saúde (ou solidariedade de responsabilidades).

Antes, cumpre noticiar que a Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 175 foi uma decisão do STF que estabeleceu parâmetros para orientar o Poder Judiciário na judicialização da saúde no Brasil, julgada em 2009.

Nesse julgado, entre outros temas, estabeleceu-se que as três esferas de governo são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos ou tratamentos de saúde.

É sabido que o artigo 196 da Constituição Federal estabelece o direito subjetivo à saúde, com responsabilidade solidária de todos os entes federativos. No tocante à solidariedade, o instituto também é tratado nos arts. 2646 e 2757 do Código Civil.

Entretanto, a questão da solidariedade evoluiu e foi dirimida na decisão da Suspensão de Tutela Provisória (STP) 127 MC8, na qual o Ministro Dias Toffoli discorreu sobre a competência da União e do Estado-membro no tratamento de alta complexidade. O ente municipal, responsável pelo atendimento básico de saúde, não pode assumir a obrigação de custeio de uma demanda de grande valor e complexidade, cabendo essa responsabilidade às esferas competentes:

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Nesse passo, tenho que se pode vislumbrar a Federação como um círculo, cujo feixe de raios, partindo do ente central, a União, direciona-se ao Distrito Federal e aos estados; deste, a seu turno, partem os raios que atingem os municípios, ocupantes da extremidade da figura. Nesse círculo, em matéria de saúde, quanto mais se caminha em direção ao ente central do Sistema (direção centrípeta), maior a responsabilização técnico-financeira identificada, ao passo em que, quanto mais se dirige aos entes da linha de superfície do raio federativo, maior a obrigação de execução das políticas de saúde. Embora, portanto, a responsabilidade seja uma, no sentido de que todos tem o dever inafastável de garantir saúde a seus cidadãos, a divisão de responsabilidades no SUS segue uma gradação ascendente: centrípeta na ampliação das responsabilidades técnicas e de financiamento; e centrífuga na atribuição de execução das ações e serviços de saúde. Importa ressaltar que foi exatamente dando concretização a esses comandos constitucionais, que o legislador editou a Lei nº 8080/90, densificando, especialmente em seus arts. 16. a 19, a divisão de atribuições entre os entes políticos em matéria de saúde, a qual foi ainda mais evidenciada após a edição da lei nº 12.401/11.

(STP 127 MC/SC – Ministro Dias Toffoli – DJ 16/05/2019 – destacou-se).

E continuou:

De fato, até a STA nº 175, os precedentes desta Corte (caracterizados por decisões monocráticas) não traçavam qualquer consideração sobre o sentido de solidariedade, limitando-se a dispor acerca da possibilidade de inclusão de quaisquer dos entes no polo passivo da demanda judicial e, por assim fazer, fez transparecer a adoção, por esta Corte, do instituto “solidariedade” tal qual previsto no Código Civil. Com o julgamento daquela suspensão de tutela antecipada, contudo, não obstante tenha este Supremo Tribunal mantido a nomenclatura “solidária”, a responsabilidade entre os entes federados em matéria de saúde foi apreciada sob perspectiva mais alargada, ao contemplar a possibilidade de distinção de atribuições, consagrada na expressão do Ministro Gilmar Mendes como “subsidiariedade” de responsabilidades.

(STP 127 MC/SC – Ministro Dias Toffoli – DJ 16/05/2019 – destacou-se).

Em conclusão, a solidariedade entre pessoas físicas ou jurídicas não se equipara à solidariedade entre os entes políticos.

Assim, de modo a conciliar os mandamentos constitucionais e legais, bem como realmente efetivar a tutela ao cidadão de modo mais justo e célere, foram lavrados os Enunciados nº. 8, da I Jornada de Direito da Saúde (CNJ), em maio/2014 e o nº. 60, da II Jornada de Direito da Saúde (FONAJUS)9, assim dispostos:

Enunciado 8 – Nas condenações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas, quando possível, as regras administrativas de repartição de competência entre os gestores.

Enunciado 60 – Saúde Pública - A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.

A fim de evitar o pagamento em duplicidade por parte dos entes solidários, o art. 7º, inciso XIII, da Lei nº. 8.080/90 traçou o princípio da organização dos serviços públicos, entendida como a repartição de competências administrativas:

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198. da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: [...];

XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.

Esse princípio restou consagrado pelo STF em tese fixada em sede de repercussão geral no RE 855.178, conforme Tema 793 10 bem como nos embargos de declaração julgados posteriormente, in verbis:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

Tese: O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente”

(RE 855178 RG - Julgamento: 05/03/2015 - DJe 16/03/2015)

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

4. Embargos de declaração desprovidos.

Tese: Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”

(RE 855.178 ED - Julgamento: 23/5/2019 - DJe 16/04/2020, Relator Ministro Luiz Fux, Redator para o acórdão Ministro Edson Fachin, – destacou-se).

Assim, até aquele momento, tinha sido definido a responsabilidade de cada ente federativo de acordo com a distribuição de recursos ao SUS, atribuindo-se assim a responsabilidade de cada ente, ou seja, à medida que o custo do medicamento não padronizado ou padronizado fosse elevado.

A solidariedade atribuída a todos os entes (art. 23, II, da CF) não poderia significar possibilidade absoluta de atropelo, por ordens judiciais, da estrutura fixada essencialmente a partir da lógica hierarquizada e sistematizada das ações e serviços públicos de saúde (art. 198, caput e I, da CF), materializada pela divisão de atribuição feita pela Lei 8.080/1990, que instituiu o Sistema Único de Saúde.

A interpretação do Tema 793 considerou a existência de solidariedade entre todos os entes em caso de competência comum, mas se deveria, também, observar o direcionamento necessário da demanda judicial ao ente responsável pela prestação específica pretendida, permitindo-se que o cumprimento fosse direto e, eventual ressarcimento, eficaz.

Acredita-se que essa resolução buscou salvaguardar o acesso à justiça pelo cidadão, que não tem condições de saber qual a competência administrativa de cada ente político para propor a ação judicial, razão da solidariedade. Entretanto, os órgãos do Poder Judiciário teriam essa obrigação e deveriam dar o devido direcionamento das ordens, conforme as competências administrativas, observando-se a política pública e evitando-se o dispêndio de recursos públicos em duplicidade.

“A solidariedade tem tido importante papel no acesso à justiça sanitária, sobretudo pela população mais vulnerável. Isso porque chama atenção a assiduidade com que a preliminar de ilegitimidade passiva costumava encabeçar a manifestação defensiva dos três entes, simultaneamente, mesmo após o Tema 793, demonstrando uma tendência à dificuldade de acesso aos recursos sanitários, mesmo pela via judicial. Eventual alteração de competência, nesses casos, ou mesmo a dificuldade do cidadão hipossuficiente em saber qual órgão buscar para essa assistência, resultaria em demora especialmente grave quando se trata de risco à vida e à integridade física. Mister particular cautela, portanto, para que a incerteza em identificar o responsável, o que repercute na via judicial a ser movimentada, não leve o pleito a recair “na inde finição e no vazio, com grandes chances de grave comprometimento à saúde dos acometidos, até que restasse definida a competência” (VILLAS-BÔAS, 2024).

Logo, embora a competência seja comum e a responsabilidade na área da saúde seja solidária, é lícito, legítimo, razoável e recomendável que o juiz observe as regras de repartição de competências para direcionar a ordem em face do melhor ente político para cumprir a ordem, conforme decisão vinculante do E. STF.

Por fim, mais uma vez o STF foi instado a se manifestar sobre a matéria, tendo a situação jurídica discutida no Tema 1234, conforme já discorrido no capítulo anterior.

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Sobre o autor
Rafael Schreiber

Procurador do Município de Joinville (SC), MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, Especialista em Direito Público pela LFG, formado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB com habilitação em Direito Internacional. Advogado OAB/SC 21.750.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHREIBER, Rafael. Honorários sucumbenciais na repartição de competências administrativas em temas de saúde (Tema 1234 do STF). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7917, 5 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113106. Acesso em: 18 mar. 2025.

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