3. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS COM BASE NA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DE SAÚDE.
Uma vez compreendida a necessidade de repartição de competências no cumprimento da obrigação de saúde, a questão ser dirimida, objeto do presente estudo, é verificar como devem ser fixados os honorários sucumbenciais nesses casos de solidariedade de responsabilidades.
O Código de Processo Civil dispõe sobre a verba honorária:
Art. 85 A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
[...]
Tem-se percebido que o Poder Judiciário ainda não se debruçou sobre o tema, por vezes fixando honorários sucumbenciais pro rata a todos os entes federativos, independentemente de quem deva arcar com a obrigação de fazer.
Exemplifica-se com as seguintes decisões proferidas no E. TJSC:
“O valor dos honorários advocatícios deve ser ajustado para R$ 1.000,00, pro rata, conforme precedentes desta Corte, a fim de não onerar demasiadamente os cofres públicos”
(TJSC, Apelação n. 5002403-92.2023.8.24.0069, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. 26-11-2024 – destacou-se).
“3. A circunstância de o medicamento não estar padronizado não afasta a responsabilidade do município pelo pagamento dos honorários advocatícios, eis que esta e. Corte de Justiça tem reconhecido a legitimidade de ente municipal, autorizando o direcionamento do cumprimento da obrigação apenas quanto ao fornecimento do medicamento, mantendo sua responsabilidade subsidiária, com a imposição da verba honorária "pro rata" aos entes estadual e municipal”
(TJSC, Apelação n. 0313074-13.2017.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Vera Lúcia Ferreira Copetti, Quarta Câmara de Direito Público, j. 01-02-2024 – destacou-se).
Dito de outro modo, mesmo que o Município seja parte em um processo e seja somente a União condenada a financiar e entregar o medicamento, ainda assim o Município acaba arcando com o pagamento dos honorários sucumbenciais.
Não parece ser uma solução adequada e justa, uma vez que a verba honorária sucumbencial deveria acompanhar estritamente o princípio da causalidade, ou seja, apenas àquele ente que era materialmente responsável administrativamente a arcar com determinado medicamento/procedimento deveria arcar integralmente com os honorários sucumbenciais ou, ao menos, em sua maior parte.
O Estado ou o Município não deveriam sofrer condenação de verba sucumbencial quando quem não fez a devida entrega/compra fosse a União, por exemplo – e vice-versa.
A condenação exclusiva da União ao pagamento dos honorários sucumbenciais estaria em consonância com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1234 da sistemática da repercussão geral, da qual extrai-se o seguinte excerto:
"III - Custeio
3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias." – destacou-se.
Ora, se a União deve arcar integralmente com o custeio, logicamente a verba honorária se enquadraria nesse conceito. E ainda que houvesse eventual condenação supletiva dos Estados, a União também teria que ressarcir esses custos, o que se denota, por praticidade, ser dispensável a condenação dos outros entes à verba sucumbencial.
O item seguinte não deixa dúvidas quanto a impossibilidade de condenação à verba sucumbencial:
“3.1) Figurando somente a União no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão do Estado ou Município para possibilitar o cumprimento efetivo da decisão, o que não importará em responsabilidade financeira nem em ônus de sucumbência, devendo ser realizado o ressarcimento pela via acima indicada em caso de eventual custo financeiro ser arcado pelos referidos entes” – destacou-se.
Depreende-se que na hipótese do magistrado tiver que, ele, promover a inclusão de outros entes federativos na lide, não haverá ônus de sucumbência sobre eles. Logicamente a mesma conclusão deve prevalecer nos casos que a própria parte já ingressar em litisconsórcio passivo de entes que eventualmente não sejam administrativamente responsáveis.
Inclusive, nesse viés, evidencia-se de Enunciado aprovado em evento que aconteceu nos dias 13 e 14/06/2024, pelo Conselho da Justiça Federal e Centro de Estudos Judiciários na Jornada de Direito da Saúde:
Enunciado 1: Na hipótese de responsabilidade solidária dos entes federativos em saúde pública, a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais recairá, em regra, apenas sobre o ente que possui competência administrativa na política de saúde objeto da lide por força do princípio da causalidade.
Diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Por essa razão, somente o ente federado a quem compete o cumprimento da ordem judicial deve ser condenado em honorários advocatícios sucumbenciais em favor da parte autora, por ter dado causa à demanda, devendo eximir dessa obrigação os demais entes que eventualmente participem do processo em litisconsórcio passivo.
A doutrina lembra que para efeito de condenação em honorários advocatícios, o critério da sucumbência não é único, devendo ser observado o princípio da causalidade.
Nesse sentido é o que dispõe o art. 87, do CPC e a Súmula 303, do STJ, mutatis mutandis:
Art. 87. Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários.
§ 1º A sentença deverá distribuir entre os litisconsortes, de forma expressa, a responsabilidade proporcional pelo pagamento das verbas previstas no caput.
§ 2º Se a distribuição de que trata o § 1º não for feita, os vencidos responderão solidariamente pelas despesas e pelos honorários.
Súmula 303 do STJ: "Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios."
Em pesquisa jurisprudencial, pouco se encontrou, ainda, acerca do tema. Cita-se decisões proferidas em primeiro grau, no TJCE:
“Por fim, deve ser ressaltado enunciado da I Jornada de Direito da Saúde. O evento aconteceu nos dias 13 e 14 de junho de 2024, na sede do CJF, em Brasília (DF). Enunciado 1: Na hipótese de responsabilidade solidária dos entes federativos em saúde pública, a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais recairá, em regra, apenas sobre o ente que possui competência administrativa na política de saúde objeto da lide por força do princípio da causalidade. Justificativa: O STF (Tema 793 – Repercussão Geral) decidiu que “os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis para com as demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Por essa razão, somente o ente federado a quem compete o cumprimento da ordem judicial deve ser condenado em honorários advocatícios sucumbenciais em favor da parte autora, por ter dado causa à demanda, devendo eximir dessa obrigação os demais entes que eventualmente participem do processo em litisconsórcio passivo. Isso porque, para efeito de condenação em honorários advocatícios, o critério da sucumbência não é único, devendo ser observado o princípio da causalidade. Nesse sentido a Súmula 303 do STJ, bem como, o CPC no art.87, determinando que “[...] concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários.” Entender de forma diferente, condenando todos os entes solidariamente em honorários, seria impor um ônus excessivo e desproporcional para os entes que não detêm competência administrativa”
(Autos n. 3000307-39.2024.8.06.009111).
Ainda:
“Com relação aos honorários, por força do princípio da causalidade e considerando que a competência administrativa pelo fornecimento dos insumos objeto do presente feito, nos termos enunciado aprovado na 1ª Jornada de Direito da Saúde da Justiça Federal, CONDENO O MUNICÍPIO DE FORTALEZA em honorários advocatícios ao Fundo de Apoio e Aparelhamento da Defensoria Pública do Estado do Ceará - FAADEP, em valor de 10%(dez por cento) sobre o valor da causa, observando os valores que este juízo tem fixado em casos análogos”
(Autos n. 0274797-78.2024.8.06.000112).
O TJMG caminha no mesmo sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. INTERESSE DE AGIR. PRESENÇA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. RE 855178/SE (TEMA 793). REPERCUSSÃO GERAL.PACIENTE PORTADOR DE GLAUCOMA CONGENITO. CIRURGIA DE MÉDIA / ALTA COMPLEXIDADE. RESPONSABILIDADE PRIMÁRIA DO ESTADO.
[...].
3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 793, reiterou a solidariedade dos entes federativos, cabendo ao administrado escolher contra quem demandar, isolada ou conjuntamente. A competência administrativa para o fornecimento de procedimentos de média e alta complexidade é do Estado e não do ente municipal, que é responsável pelo nível de atenção básica à saúde.
4. Sendo a hipótese de tratamento de média alta complexidade, a atribuição deve ser do Estado, em primeiro lugar, e subsidiária, em relação ao Município.
5. Diante da responsabilidade primária do Estado de Minas Gerais, razoável somente este seja responsável pelo pagamento dos honorários sucumbenciais, uma vez que o Município de Ubá, como responsável secundário, somente responderá pela obrigação em caso de omissão do ente principal.
(TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.24.187447-8/002, Relator(a): Des.(a) Richardson Xavier Brant (JD Convocado) , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/10/2024, publicação da súmula em 04/10/2024 – destacou-se).
“3. As cirurgias de alta complexidade são de responsabilidade primária do Estado de Minas Gerais, sendo os Municípios solidários na garantia de cumprimento do dever de prestação do serviço. 4. Diante da responsabilidade primária do Estado de Minas Gerais, razoável somente este seja responsável pelo pagamento dos honorários sucumbenciais, uma vez que o Município de Betim, como responsável secundário, somente responderá pela obrigação em caso de omissão do ente principal”
(TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.321328-7/001, Relator(a): Des.(a) Richardson Xavier Brant (JD Convocado) , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/10/2024, publicação da súmula em 04/10/2024 – destacou-se).
Por fim, encontrou-se sentença na Justiça Federal do TRF4 seguindo o entendimento firmado pelo STF no Tema 1234:
“Portanto, a União arcará com honorários sucumbenciais, considerando os percentuais mínimos definidos no §3º do art. 85. do CPC e tendo como norte o valor da causa.
A condenação exclusiva da União ao pagamento dos honorários sucumbenciais está em consonância com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1234 da sistemática da repercussão geral, da qual extraio o seguinte excerto:
"III - Custeio
3) As ações de fornecimento de medicamentos incorporados ou não incorporados, que se inserirem na competência da Justiça Federal, serão custeadas integralmente pela União, cabendo, em caso de haver condenação supletiva dos Estados e do Distrito Federal, o ressarcimento integral pela União, via repasses Fundo a Fundo (FNS ao FES), na situação de ocorrer redirecionamento pela impossibilidade de cumprimento por aquela, a ser implementado mediante ato do Ministério da Saúde, previamente pactuado em instância tripartite, no prazo de até 90 dias." (destacado)”
(Autos n. 5024359-02.2023.4.04.7201/SC).
Portanto, denota-se que os julgados citados já começaram a aplicar o Enunciado 1, do CJF e o próprio Tema 1234/STF, respeitando o princípio da causalidade em matéria de saúde.