A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) foi atualizada em agosto de 2024, por meio da Portaria MTE nº 1.419. A nova redação introduz ajustes significativos relacionados à segurança e à saúde no trabalho, com ênfase no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).
A principal inovação é a obrigatoriedade da implementação do PGR pelas empresas, com o objetivo de assegurar uma gestão eficaz dos riscos ocupacionais. O PGR requer que as organizações adotem uma abordagem proativa e sistemática para identificar, avaliar e controlar os riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores, a fim de prevenir acidentes e doenças ocupacionais.
Entre as principais alterações, destacam-se:
Obrigatoriedade do PGR: Anteriormente, o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) era o mais utilizado. Com a atualização da NR-1, o PGR assume caráter mais abrangente, integrando a gestão dos diversos tipos de risco.
Avaliação de riscos: O PGR exige que as empresas realizem uma avaliação minuciosa dos riscos inerentes às suas atividades, abrangendo aspectos ambientais, físicos, químicos e ergonômicos.
Plano de ação: O programa deve conter medidas e planos de ação destinados à mitigação dos riscos identificados, os quais devem ser revistos periodicamente.
Participação da alta gestão: A alta direção das empresas passa a ter responsabilidade direta sobre o acompanhamento e a implementação eficaz do PGR, promovendo, assim, uma cultura organizacional voltada à segurança.
Controle e monitoramento: A manutenção de mecanismos contínuos de controle e monitoramento dos riscos torna-se obrigatória, assegurando a efetividade das medidas adotadas.
Essas alterações visam aprimorar a gestão da segurança no ambiente laboral, promovendo um controle mais eficaz dos riscos e contribuindo para a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.
1. Aspecto psicossocial
É essencial compreender o impacto positivo da “nova NR-1” na sociedade. A saúde mental — ou sua deterioração — repercute não apenas no ambiente laboral, como nos casos de empregados domésticos, trabalhadores da indústria, da imprensa e do comércio em geral, mas também nos lares, nas vias públicas e em outros espaços de convivência social.
A microfísica do poder, conceito desenvolvido por Michel Foucault para descrever a manifestação do poder nas relações cotidianas e práticas sociais, oferece um referencial teórico relevante para a análise da “nova NR-1”. Essa atualização, que institui o PGR como eixo estruturante da política de segurança e saúde no trabalho, especialmente no tocante à gestão dos riscos ocupacionais, pode ser interpretada à luz da teoria foucaultiana sob diversas perspectivas.
Segundo Foucault, a microfísica do poder descreve um poder não centralizado ou autoritário, mas exercido por meio de pequenas interações e dispositivos de controle, vigilância e normatização. Trata-se de um poder que, mais do que reprimir, produz comportamentos, organiza e disciplina os sujeitos.
Esse poder se manifesta nas práticas institucionais, nos procedimentos cotidianos e na forma como as normas moldam e condicionam condutas. Para Foucault, o exercício do poder não ocorre unicamente de forma vertical, mas também de maneira difusa e constante, por meio da interiorização de regras e mecanismos regulatórios que configuram comportamentos.
A exigência de implementação do PGR representa uma intensificação dos dispositivos de controle sobre as condições de segurança e saúde dos trabalhadores. Essa transformação normativa pode ser compreendida como expressão da microfísica do poder, ao evidenciar um movimento em direção à vigilância contínua e ao monitoramento sistemático dos riscos nos ambientes de trabalho.
A norma, ao estabelecer obrigações relacionadas ao gerenciamento e controle de riscos, induz à regulação comportamental dos trabalhadores, fomentando a construção de uma cultura organizacional na qual os indivíduos se tornam sujeitos ativos no controle da própria saúde e segurança. O trabalhador é convocado a internalizar a responsabilidade pela gestão dos riscos e pela adoção de condutas preventivas, tanto individuais quanto coletivas. O PGR, nesse contexto, visa à consolidação de práticas de autovigilância e autorregulação — características centrais da teoria foucaultiana.
A implementação do PGR pode ser compreendida como uma forma de vigilância que se dissemina por toda a estrutura organizacional. Todos os níveis hierárquicos da empresa — da alta gestão aos trabalhadores — assumem responsabilidades na identificação, avaliação e controle de riscos. Como instrumento de controle, o PGR constitui um exemplo concreto da microfísica do poder aplicada ao contexto corporativo. Ao exigir o cumprimento de normas de segurança e a adoção do PGR, a NR-1 estabelece padrões de conduta e medidas preventivas para evitar acidentes. O trabalhador, ao observar essas normas, internaliza comportamentos considerados seguros e saudáveis, o que configura uma forma de disciplinamento, conceito central na análise foucaultiana do poder.
A NR-1 também aborda dimensões relacionadas à saúde mental no ambiente laboral. Foucault possivelmente interpretaria as políticas de segurança e gestão de riscos como formas de influência sobre a subjetividade dos trabalhadores, que passam a ser controlados não apenas em seus corpos, mas também em suas mentes. As normas instituídas moldam a percepção que os indivíduos constroem sobre sua própria segurança, saúde e bem-estar. Um dos conceitos centrais da microfísica do poder é a autodisciplina, pela qual os sujeitos passam a se responsabilizar por suas ações dentro de um sistema normativo. Com a implementação do PGR, as empresas estimulam que os trabalhadores desenvolvam consciência e responsabilidade frente aos riscos a que estão expostos, internalizando práticas de prevenção como forma de assegurar tanto a própria integridade quanto o cumprimento das exigências legais.
A forma como o PGR regulamenta e controla a segurança no trabalho revela uma dinâmica de poder que se estende por toda a organização, na qual a autovigilância e a autorregulação se tornam elementos estruturantes da gestão de riscos. Esse processo traduz uma lógica de disciplina e controle internos, aspectos fundamentais da teoria foucaultiana do poder.
Nesse contexto, a autovigilância não deve ser entendida, necessariamente, sob uma perspectiva negativa. Foucault, ao explorar o conceito de autovigilância no âmbito da microfísica do poder, frequentemente a associa ao processo de autorregulação, que pode, em certa medida, conferir autonomia aos indivíduos, permitindo-lhes assumir a responsabilidade por sua própria segurança e saúde.
No caso específico da NR-1 e do PGR, a autovigilância configura-se como uma estratégia voltada à proteção do trabalhador. Ao ser incumbido de identificar, avaliar e controlar os riscos presentes no ambiente laboral, o trabalhador não apenas cumpre normas impostas externamente, mas também adota condutas proativas voltadas à preservação de seu próprio bem-estar e do coletivo. Essa perspectiva pode, de fato, gerar benefícios concretos, como a redução de acidentes e doenças ocupacionais, além de fomentar uma cultura organizacional orientada pela segurança.
A noção de que a autovigilância não é intrinsecamente negativa ganha relevância ao se considerar seu potencial como instrumento de empoderamento. A responsabilização compartilhada pela segurança — entre empregadores e empregados — promove um ambiente de colaboração e consciência coletiva, no qual todos os envolvidos exercem papel ativo na prevenção de danos à saúde e à integridade física. Trata-se, portanto, de uma prática preventiva dotada de efeitos positivos.
Sob essa ótica, a autovigilância deixa de representar uma manifestação de poder opressivo ou coercitivo e passa a ser interpretada como ferramenta de promoção do cuidado. Ao favorecer a construção de espaços mais seguros e saudáveis, estimula também um sentimento de agência e autonomia entre os trabalhadores. Nesse contexto, a autovigilância revela-se um elemento positivo, por impulsionar comportamentos responsáveis e seguros, ao mesmo tempo que amplia o controle do indivíduo sobre seu próprio ambiente e sobre a gestão de sua saúde, o que se traduz em benefícios tanto para o trabalhador quanto para a organização.
2. Aspecto psicoindividual
A nova NR-1 pode, de fato, ser instrumentalizada como meio de opressão e perseguição. Porém, o problema não reside na norma em si, mas, novamente, na própria espécie humana.
A chamada “lógica do controle” refere-se à dinâmica pela qual empregadores, gestores ou lideranças institucionais estabelecem regras e normas com a finalidade de subjugar ou manipular os mais vulneráveis — e não de protegê-los. Esse mecanismo pode se manifestar de maneira sutil, ao transformar regras e políticas que deveriam promover o bem-estar dos trabalhadores em ferramentas de dominação ou coerção.
Embora a NR-1 tenha sido reformulada com o objetivo de resguardar a saúde mental e física dos trabalhadores, sua interpretação e aplicação podem variar conforme a mentalidade dos gestores e a cultura organizacional vigente. Em vez de ser utilizada para fomentar o bem-estar, pode tornar-se fundamento para punições desproporcionais, consolidando um ambiente de vigilância permanente.
A exigência de cumprimento rigoroso das normas pode ser percebida como forma de controle sobre a vida e o comportamento dos trabalhadores, gerando ansiedade, medo e insegurança. Ao prever a gestão dos riscos psicossociais, a NR-1 pode ser distorcida por algumas organizações para instaurar um regime de supervigilância psicológica, em que qualquer conduta considerada desviante das normas é rotulada como “problema de saúde mental” — entendido como desajuste às convenções sociais ou jurídicas — e tratado de forma coercitiva, potencializando cenários de perseguição.
Em determinados contextos organizacionais, a exigência constante de alinhamento às normas sociais e culturais transforma a submissão em um “valor organizacional” de natureza política e simbólica. O comportamento dos trabalhadores passa a ser rigidamente regulado, e as normas, em vez de protegerem, impõem-se de modo opressivo, ignorando a individualidade — orgânica, psíquica e cultural — e as necessidades específicas de cada sujeito.
A manipulação das normas pode ocorrer também em nível psicológico, convertendo um instrumento de proteção em mecanismo de restrição. Tal inversão pode resultar no chamado “efeito bumerangue”: tentativas de assegurar direitos acabam, paradoxalmente, por gerar mais opressão do que liberdade. Nesses ambientes, emerge uma dinâmica patológica marcada pela tríade “adulação, subserviência e tirania”, frequentemente exacerbada em organizações onde normas e regras são mobilizadas para instituir e manter estruturas de poder assimétricas e autoritárias.
Por exemplo, se uma empresa ou organização passa a exigir que seus trabalhadores sigam um código de conduta extremamente rígido sobre saúde mental ou comportamento emocional, ela pode, na prática, estar submetendo os indivíduos a uma forma de controle psicológico. Ao mesmo tempo, a falta de flexibilidade e empatia por parte da liderança pode gerar ambientes de trabalho tóxicos, onde as pessoas se veem forçadas a se conformar para não serem vistas como problemáticas, resultando em autossabotagem ou submissão excessiva. Isso se encaixa perfeitamente na “lógica do controle”.
Pela lógica, a Nova NR1 tem o escopo de beneficiar os trabalhadores, em diferentes hierarquias, e evitar que sejam prejudicados, física, mental e psiquicamente, pelos empregadores ou empregadoras. Mas surge uma questão: e quando há terceirização, quem será responsável pela saúde do trabalhador?
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o poder público não é responsável direto por dívidas trabalhistas de empresas terceirizadas. A responsabilidade do poder público só pode ser comprovada se houver negligência na fiscalização do contrato. A negligência ocorre quando a administração não toma providências após ser notificada de que a empresa terceirizada está descumprindo suas obrigações.
Neste aspecto, errou feio o STF! Estamos no século XXI, em plena automação, robotização e uso da Inteligência Artificial. Muito antes de ser notificada, a Inteligência Artificial pode atuar na fiscalização, antecipando problemas antes que o poder público sequer seja formalmente alertado. Trata-se de eficiência administrativa, como previsto na Emenda Constitucional nº 19 de 1998. Se o Judiciário já utiliza a IA para agilizar processos, por que não empregá-la também para fiscalizar eficientemente?
E, novamente, quando há terceirização, quem será responsável pela saúde do trabalhador? Provavelmente ficará o trabalhador esperando que sua dignidade seja “prontamente” (eficientemente) restabelecida. Mundo cão!
Para a concretização da finalidade da “nova NR-1”, é necessário reconhecer que a responsabilidade pela saúde psicossocial no ambiente de trabalho recai sobre a organização — ou seja, a empresa ou o empregador — conforme estabelece a Portaria MTE nº 1.419/2024.
No entanto, surge um ponto relevante quanto à aplicabilidade dessa portaria, especialmente no contexto de pequenos negócios, como o caso de um lojista com menos de cinco funcionários. Embora a norma atribua à organização a obrigação de zelar pela saúde psicossocial dos trabalhadores, a efetivação dessa responsabilidade pode se mostrar desafiadora para empresas de pequeno porte.
Empreendimentos com poucos colaboradores enfrentam limitações práticas e financeiras que dificultam a contratação de profissionais especializados em comportamento humano ou saúde psicossocial. Apesar disso, é importante destacar que a nova norma não exige a contratação de um especialista em tempo integral. Isso abre espaço para alternativas mais viáveis.
Uma solução possível para esses empregadores seria a contratação de consultorias externas ou serviços de assessoria especializada, de forma pontual ou periódica. Esses profissionais ou empresas poderiam apoiar a implementação de práticas adequadas de gestão de riscos psicossociais, sem a necessidade de manter um especialista exclusivo na equipe.
Além disso, pequenos empresários podem recorrer a parcerias com sindicatos, associações comerciais ou até mesmo com organizações governamentais. Essas instituições frequentemente oferecem programas de apoio, orientação técnica e capacitação — muitas vezes a custos reduzidos ou gratuitamente — o que facilita o cumprimento das normas e a melhoria efetiva das condições de trabalho.
2.1. Adulação, subserviência e tirania
Retornando ao aspecto psicoindividual, é possível observar que "adulação (ou bajulação), subserviência e tirania" estão presentes nas relações humanas e podem ser compreendidas à luz dos três componentes da personalidade humana propostos por Freud: id, ego e superego.
Id: é a parte mais primitiva e instintiva da personalidade. Presente desde o nascimento, é responsável pelos impulsos e desejos básicos, como a busca por prazer e a satisfação imediata das necessidades. Opera com base no princípio do prazer, buscando gratificação instantânea e evitando desconforto ou dor, sem considerar as consequências. É inteiramente inconsciente. Exemplo: se uma pessoa sente fome, o id a impulsiona a buscar comida imediatamente, sem se importar com o momento ou contexto.
Ego: é o componente que lida com a realidade e atua como mediador entre os desejos impulsivos do id e as exigências do mundo externo. Responsável por decisões racionais, o ego busca satisfazer as necessidades do id de maneira realista e socialmente aceitável. Opera com base no princípio da realidade. Exemplo: ao sentir fome, o ego avalia o contexto e decide ir até a cozinha preparar algo, em vez de agir impulsivamente.
Superego: representa os valores morais, as normas sociais e os ideais internalizados desde a infância, especialmente a partir da influência dos pais e da sociedade. Funciona como uma consciência moral, regulando o comportamento e julgando as ações do ego conforme padrões éticos e sociais. Atua com base no princípio da moralidade. Exemplo: o superego pode provocar sentimentos de culpa se a pessoa agir de maneira egoísta ou desrespeitar normas morais, como se tivesse cometido uma falta.
Em resumo:
O id, impulsivo e sem restrições, busca a gratificação imediata;
O ego tenta equilibrar os desejos do id com a realidade externa, adotando estratégias mais racionais e socialmente viáveis;
O superego, por sua vez, age como uma voz crítica e normativa, pressionando o ego a seguir padrões éticos e sociais.
Essa dinâmica entre id, ego e superego influencia profundamente as formas de relacionamento, podendo contribuir para comportamentos como adulação, subserviência ou tirania, conforme o equilíbrio (ou desequilíbrio) entre essas três instâncias da psique.
Feitas tais considerações, a tríade “adulação (ou bajulação), subserviência e tirania” pode ser analisada à luz das estruturas psíquicas do id, ego e superego:
O Tirano: movido principalmente pelo id, o tirano busca poder, dominação e satisfação própria. Ele rejeita ou ignora as normas impostas pelo superego — ou seja, desconsidera a moral, as regras sociais e os limites éticos. Seu ego não atua como mediador equilibrado, mas sim como instrumento do id, encontrando justificativas racionais para seus impulsos. São os ditadores, chefes autoritários, agressores domésticos e indivíduos que impõem sua vontade pela força, recusando-se a aceitar qualquer regra externa. Seu comportamento é motivado pela necessidade de evitar a sensação de impotência, e ele impõe seu domínio para manter o controle. Frequentemente, trata-se de alguém que, na infância, sofreu repressão excessiva e, na vida adulta, reage com agressividade para nunca mais ser controlado. Nessa configuração, “autoridade” é vivida como “ameaça”.
O Bajulador: anula-se em favor do superego, aceitando normas sem questionamento e submetendo-se à vontade alheia. Ele reprime seus desejos e vontades por medo da punição ou da rejeição social. Seu ego é frágil e incapaz de equilibrar os impulsos do id com as exigências do superego. Esse padrão é visível em funcionários que toleram abusos do chefe, pessoas que se anulam para agradar os outros e vítimas de abuso que não conseguem reagir. Geralmente, o bajulador foi uma criança criada sob constantes punições, e aprendeu que obedecer sem resistência era o caminho mais seguro para evitar sofrimento.
O Subserviente: o ego é instável e oscila entre o id e o superego. Às vezes, alinha-se ao superego, obedecendo e buscando aprovação; outras vezes, cede ao id, manipulando situações para benefício próprio. O subserviente busca segurança e vantagens sem se expor a riscos diretos. Trata-se de uma estratégia para estar sempre ao lado "vencedor", evitando o comprometimento. Exemplo disso são funcionários que bajulam o chefe, mas falam mal dele pelas costas; pessoas que fazem favores esperando algo em troca; ou indivíduos que mudam de opinião conforme o ambiente e as conveniências. Em muitos casos, essa personalidade se forma em contextos de autoridade instável durante a infância, quando a criança não sabia se deveria obedecer ou se rebelar. Aprendeu, assim, que o oportunismo era mais seguro do que a submissão total ou a dominação aberta.