"O Habeas Corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio beneficiário, tenha ou não capacidade postulatória."(1)
Provavelmente, o leitor mais atento deve estar se perguntando, porque impetrante e não advogado ou bacharel. A resposta é bem simples, porque o Habeas Corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, em seu próprio favor ou em favor de outrem, como prescreve o artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988: "são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;". Pelo que se observa do texto, não está explicitamente demonstrado se podem, os cidadãos, peticionar só para si, ou também o podem para outros. A nós nos parece que podem tanto para si como para outros, pois se assim não fosse, o legislador, teria-lhe acrescentado sem dúvida o vocábulo pessoal, assim como o fez na letra "b" do mesmo artigo e inciso. E também nos termos do artigo 654 "caput", do Código de Processo Penal.
No mesmo sentido temos a lição do Mestre FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO (2) "O Habeas Corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio beneficiário, tenha ou não capacidade postulatória. Se o paciente for analfabeto, alguém poderá assiná-lo a seu rogo. Se o impetrante for um advogado, ou mesmo outra pessoa sem capacidade postulacional, não haverá necessidade de o paciente lhe outorgar procuração. O Ministério Público pode impetrá-lo. Em suma: pode o Habeas Corpus ser impetrado pelo maior e pelo menor, pelo nacional ou estrangeiro".
Continua TOURINHO FILHO: "O Juiz não pode impetrá-lo, a menos que ele seja o paciente." Discordamos do Eminente Mestre, até mesmo seguindo o velho adágio de que "o juiz tudo pode", e por outro lado, o juiz fora de sua jurisdição e um cidadão comum judex extra territorium est privatus (3) sem sombra de dúvida, o juiz também pode impetrar. Evidentemente, não impetraria contra um ato seu, pois não teria lógica, mas a favor de outro, contra outra autoridade, poderia e pode, até porquê não há lei que o impeça, pelo contrário, o artigo 5º. inc. XXXIV, da Constituição Federal, lhe dá esse poder "são a todos assegurados" não está aí excluída a figura do juiz. Da mesma forma, entendemos ser, sem razão a obrigatoriedade do juiz recorrer de ofício, por ter agido, em seu livre arbítrio, dentro da lei. Caberia aqui, a que outro recorresse, se achasse que a decisão do juiz foi equivocada ou em desacordo com a lei. Agora ele mesmo recorrer contra seu próprio ato, é sem dúvida, um tanto cômico. Sobre esse procedimento nos reportamos mais adiante.
Convém salientar, todavia, que essa "proibição", tolhe o juiz na sua igualdade de direitos conforme está escrito na Constituição Federal e a permanecer dessa forma, torna-se necessário modificar a letra da lei e demonstrar que a todos são assegurados... MENOS AO JUIZ. Entendemos que dessa forma o judiciário corre o sério risco de descambar para um elitismo, que sem dúvida viria, em prejuízo de uma verdadeira ciência do direito. E termina que o juiz, pelo fato de ser juiz se vê diminuído em seu nobre mister de fazer justiça. E, no caso de ser impetrante de também pedir justiça.
Por outro lado, ainda que a lei determine, ou pelo menos assim o entendam os juizes em sua grande maioria, o cidadão tem o direito de saber o que lhe convém. Somos favoráveis a que o cidadão possa exercer seu direito de defender-se, não só pelo Habeas Corpus mas por qualquer outro meio, que aos técnicos sejam permitidos, sem a necessidade da "habilitação", para nós, bastante arcaica.
Aliás, damos outra interpretação ao artigo 263 do Código de Processo Penal, que prescreve: "se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo o tempo, nomear outro de sua confiança, ou a SI MESMO DEFENDER-SE, caso tenha HABILITAÇÃO" (grifamos). O que vem a ser habilitação? Em nosso entendimento habilitação é um substantivo feminino derivado do verbo transitivo habilitar que por sua vez designa o adjetivo hábil. Este, significa, aquele que tem aptidão ou capacidade para alguma coisa; aquele, tornar hábil, apto, capaz; aqueloutro, significa que tem habilidade para alguma coisa, que está apto para fazer algo que tenha habilidade. Assim, quer-nos parecer que, se tal pessoa tem capacidade, ou, habilidade para a si mesmo defender-se, deve-se dar-lhe a oportunidade de usar seus conhecimentos como melhor lhe aprouver.
Desconhecemos que algum julgamento feito nesses moldes tenha sido anulado, pelo fato do próprio acusado defender-se. Efetivamente, muitos se desconstituiram, mas por razões outras, que não são evidentemente a de defender-se a si próprio.
De outra face, há que se ver o prescrito no artigo 5º, inc. XXXIV, da Constituição Federal, em que: "são a todos assegurados... o direito de... defesa... contra ilegalidade ou abuso de poder". Esse é o texto da Lei Maior. E deve ser obedecido. Acreditamos, que os pensamentos a respeito das interpretações da lei precisam, o mais rapidamente possível, mudar, sob pena de se perder o "bonde da história" na ciência jurídica dos tempos modernos. Precisamos, sem menosprezar, esquecer um pouco do direito romano, e olhar mais à frente, estudar outros povos outras formas de aplicar a lei, visando sempre a organização social e sua convivência em grupos etnicamente diversos.