Conclusão
Ao promovermos a massificação da população, geramos um ambiente permeado por ressentimento, o que contribui para a coisificação do outro. Nesse contexto, formamos "bolhas imunológicas" em que o outro deixa de ser reconhecido como sujeito e passa a ser visto como um problema ou vírus, algo a ser combatido pelos nossos mecanismos de proteção. Essa lógica se manifesta claramente na tentativa de equiparar o casamento à união estável, medida que resultou na exclusão do cônjuge ou companheiro da lista de herdeiros necessários – consequências que recaem, de forma desproporcional, sobre as mulheres, historicamente vulnerabilizadas por diversas injustiças.
Esse fenômeno ilustra o paradoxo de uma sociedade que busca massificar a igualdade: ao tentar uniformizar relações tão distintas, inadvertidamente fomenta a própria desigualdade. A proposta de uma igualdade universal, ainda que inspirada em ideais democráticos e justos, revela-se incompatível com os mecanismos naturais de proteção e diferenciação inerentes à condição humana. Assim, a desigualdade surge como fruto dessa busca irracional e incessante por uniformidade, transformando a igualdade num ideal ilusório.
Nesse sentido, as perspectivas de Sloterdijk e Nietzsche convergem ao apontar a dificuldade de construir modelos de convivência que respeitem a diversidade sem impor uma igualdade absoluta que desconsidere as singularidades humanas. Embora a equiparação entre cônjuge e companheiro tenha sido inicialmente vista como um avanço na promoção dos direitos, ela evidenciou problemas ao desvalorizar o papel tradicional do casamento e do cônjuge, refletindo de maneira negativa no campo do direito, neste caso, retirando a certeza legal que um cônjuge teria acerca da sucessão dos bens do outro.
Referências
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Notas
Teixeira, Curso de Direito Constitucional, 1991, p. 3.
“A fantasia criada da igualdade de todos contraposta à enorme diferença em relação ao poder de fato de cada um, faz com que os homens passem a se comparar uns aos outros e a desprezar, nos outros, aquilo que não possuem, acusando de injustiça tal sentimento de frustração”. Luzes, Ressentimento e Justiça: articulações para uma ética do direito a partir de Nietzsche e Ricoeur, 2022, p. 48.
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Nietzsche, O Anticristo: maldição ao cristianismo; e Ditirambos de Dionísio, 2016b, p. 49.
idem, p. 49-50.
Sloterdijk, DU MUßT DEIN LEBEN ÄNDERN: über Anthropotechnik, 2009, 23. Tradução nossa.
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Lima, Exercícios e Admiração: Sloterdijk entre Nietzsche e Cioran, 2022, p. 7
Sloterdijk, Sphären I (Mikrosphärologie): Blasen, p. 343, trad. de Pitta, Do problema da espacialidade em Heidegger à estereologia de Sloterdijk, 2017, p. 155.
Amorim; Silva. Sloterdijk: o fim da massa enquanto sujeito e o renascimento da sociedade das hordas, 2016, p. 12.
Sloterdijk, O desprezo das massas: ensaio sobre lutas culturais na sociedade moderna, 2016, p. 93.
Nietzsche, Vontade de Potência, 2011, p. 116, aforisma 325.
Idem, p. 38-39.
REs 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida.
Gomes citando Berenice em Maria Berenice Dias analisa anteprojeto de reforma do Código Civil. 2024, p. 1
“O ARCC desconsidera, no entanto, que a ‘progressiva igualdade entre homens e mulheres na família’ é relativa, atingindo de forma mais intensa determinados grupos socioeconômicos,grupos estes especialmente privilegiados dentro da heterogênea sociedade brasileira.” Ferreira, A situação do cônjuge e do convivente na sucessão de acordo com o Anteprojeto de Reforma do Código Civil, 2024. p. 240
Idem.
Gomes, Maria Berenice Dias analisa anteprojeto de reforma do Código Civil. 2024, p. 1
Idem.
Nietzsche, Vontade de Potência, 2011, p. 116, aforisma 325.