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Nietzsche e a desigualdade essencial: uma crítica à reforma do Código Civil

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09/04/2025 às 07:59

Resumo:


  • A busca pela igualdade é um princípio fundamental no Direito contemporâneo, sendo enunciada na Constituição Federal de 1988 como um dos valores supremos da sociedade brasileira.

  • Nietzsche critica a busca pela igualdade como um ressentimento dos fracos contra os fortes, enquanto Sloterdijk propõe a formação de "bolhas" sociais como mecanismos imunitários para proteger as diferenças individuais.

  • A equiparação feita pelo ARCC entre cônjuge e companheiros na sucessão, embora em busca da igualdade de gênero, pode gerar injustiças ao desvalorizar o papel tradicional do casamento e do cônjuge, refletindo negativamente no campo do direito sucessório.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Conclusão

Ao promovermos a massificação da população, geramos um ambiente permeado por ressentimento, o que contribui para a coisificação do outro. Nesse contexto, formamos "bolhas imunológicas" em que o outro deixa de ser reconhecido como sujeito e passa a ser visto como um problema ou vírus, algo a ser combatido pelos nossos mecanismos de proteção. Essa lógica se manifesta claramente na tentativa de equiparar o casamento à união estável, medida que resultou na exclusão do cônjuge ou companheiro da lista de herdeiros necessários – consequências que recaem, de forma desproporcional, sobre as mulheres, historicamente vulnerabilizadas por diversas injustiças.

Esse fenômeno ilustra o paradoxo de uma sociedade que busca massificar a igualdade: ao tentar uniformizar relações tão distintas, inadvertidamente fomenta a própria desigualdade. A proposta de uma igualdade universal, ainda que inspirada em ideais democráticos e justos, revela-se incompatível com os mecanismos naturais de proteção e diferenciação inerentes à condição humana. Assim, a desigualdade surge como fruto dessa busca irracional e incessante por uniformidade, transformando a igualdade num ideal ilusório.

Nesse sentido, as perspectivas de Sloterdijk e Nietzsche convergem ao apontar a dificuldade de construir modelos de convivência que respeitem a diversidade sem impor uma igualdade absoluta que desconsidere as singularidades humanas. Embora a equiparação entre cônjuge e companheiro tenha sido inicialmente vista como um avanço na promoção dos direitos, ela evidenciou problemas ao desvalorizar o papel tradicional do casamento e do cônjuge, refletindo de maneira negativa no campo do direito, neste caso, retirando a certeza legal que um cônjuge teria acerca da sucessão dos bens do outro.


Referências

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Notas

  1. Teixeira, Curso de Direito Constitucional, 1991, p. 3.

  2. “A fantasia criada da igualdade de todos contraposta à enorme diferença em relação ao poder de fato de cada um, faz com que os homens passem a se comparar uns aos outros e a desprezar, nos outros, aquilo que não possuem, acusando de injustiça tal sentimento de frustração”. Luzes, Ressentimento e Justiça: articulações para uma ética do direito a partir de Nietzsche e Ricoeur, 2022, p. 48.

  3. Lima, Exercícios e admiração: Sloterdijk entre Nietzsche e Cioran, 2022, p. 14.

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  7. Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, 2018, p. 95-96

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  11. Luzes, Ressentimento e Justiça: Articulações para uma ética do direito a partir de Nietzsche e Ricoeur, 2022, p. 31

  12. Nietzsche, O Anticristo: maldição ao cristianismo; e Ditirambos de Dionísio, 2016b, p. 49.

  13. idem, p. 49-50.

  14. Sloterdijk, DU MUßT DEIN LEBEN ÄNDERN: über Anthropotechnik, 2009, 23. Tradução nossa.

  15. Amorim; Silva. Sloterdijk: o fim da massa enquanto sujeito e o renascimento da sociedade das hordas, 2016, p. 8

  16. Sloterdijk, Sphären I (Mikrosphärologie): Blasen,, p. 343-344, trad. de Pitta, em, Do problema da espacialidade em Heidegger à estereologia de Sloterdijk, 2017, p. 147.

  17. Lima, Exercícios e Admiração: Sloterdijk entre Nietzsche e Cioran, 2022, p. 7

  18. Sloterdijk, Sphären I (Mikrosphärologie): Blasen, p. 343, trad. de Pitta, Do problema da espacialidade em Heidegger à estereologia de Sloterdijk, 2017, p. 155.

  19. Amorim; Silva. Sloterdijk: o fim da massa enquanto sujeito e o renascimento da sociedade das hordas, 2016, p. 12.

  20. Sloterdijk, O desprezo das massas: ensaio sobre lutas culturais na sociedade moderna, 2016, p. 93.

  21. Nietzsche, Vontade de Potência, 2011, p. 116, aforisma 325.

  22. Idem, p. 38-39.

  23. REs 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida.

  24. Gomes citando Berenice em Maria Berenice Dias analisa anteprojeto de reforma do Código Civil. 2024, p. 1

  25. “O ARCC desconsidera, no entanto, que a ‘progressiva igualdade entre homens e mulheres na família’ é relativa, atingindo de forma mais intensa determinados grupos socioeconômicos,grupos estes especialmente privilegiados dentro da heterogênea sociedade brasileira.” Ferreira, A situação do cônjuge e do convivente na sucessão de acordo com o Anteprojeto de Reforma do Código Civil, 2024. p. 240

  26. Idem.

  27. Gomes, Maria Berenice Dias analisa anteprojeto de reforma do Código Civil. 2024, p. 1

  28. Idem.

  29. Nietzsche, Vontade de Potência, 2011, p. 116, aforisma 325.

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Sobre o autor
Odair Fernando Duarte Junior

Formando em Direito pelo Mackenzie. Possui interesse em Direito Penal, filosofia e teologia. Dedica seus estudos a um grupo de pesquisa em criminologia e politica criminal, bem como no estudo da filosofia da religião.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE JUNIOR, Odair Fernando. Nietzsche e a desigualdade essencial: uma crítica à reforma do Código Civil . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7952, 9 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113485. Acesso em: 16 mai. 2025.

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