Introdução
A igualdade é, sem dúvidas, o princípio mais fundamental para a construção do Direito contemporâneo. Durante toda a história ocidental, é demonstrado como a sua inexistência acarretou nas mais diversas mazelas do ponto de vista humanístico. Assim, na revolução francesa, junto à liberdade e à fraternidade, a igualdade foi colocada como o objetivo para todo Estado moderno. Assim, sendo o texto constitucional “o conjunto de princípios e normas que regulam a própria existência do Estado Moderno, na sua estrutura e no seu funcionamento, o modo de exercício e os limites de sua soberania, seus fins e interesses fundamentais”,1 coube à constituição brasileira enunciar o princípio da igualdade como vital, logo em seu preâmbulo, bem como na seção que trata dos direitos fundamentais.
No entanto, a proposta de promover a igualdade universal suscita questionamentos fundamentais: seria, de fato, possível implementar uma igualdade plena em um contexto de profundas diferenças individuais e coletivas? A discussão transcende o campo jurídico, adentrando debates filosóficos e sociopolíticos. Assim, o presente artigo articula duas perspectivas teóricas, a partir das contribuições de Nietzsche e Sloterdijk.
Nietzsche ao realizar análise genealógica sobre os fundamentos da moral no ocidente, percebe que o sentimento de ressentimento emerge, como força motriz por trás da exigência de uma lei que vise a igualdade absoluta, configurando um mecanismo de vingança que nivela as diferenças naturais entre os indivíduos.2 Paralelamente, a proposta esferológica de Sloterdijk que postula a formação de “bolhas”, sistemas imunitários sociais, “um saber prévio que todo organismo tem para se proteger dos perigos vitais do espaço em que habita”.3
Assim, o artigo propõe a integração das perspectivas filosóficas ao ambiente jurídico, para avaliar a viabilidade e as implicações éticas da igualdade como princípio normativo. Ainda, trazendo um exemplo prático de como a busca por igualar o casamento à união estável, acabou trazendo implicações injustas, pois, ao igualar o casamento à união estável, o casamento acabou perdendo importância o que implicou neste caso, na remoção do cônjuge como herdeiro necessário, aumentando a vulnerabilidade das mulheres, porém, trazendo a tão aclamada “igualdade”.
1. A igualdade como objetivo da reforma
A reforma do Código Civil não é uma proposta para um “Novo Código Civil”, na verdade, é um anteprojeto para uma reforma interpretativa, visto que muitas das modificações foram feitas visando adequar o texto legal ao mandamento constitucional de igualdade. A busca pela igualdade, do ponto de vista legal, é necessária, visto que o “projeto do Código Civil de 2002 já tramitava quando da promulgação da Constituição Federal, sendo esperado que as atualizações feitas por emenda pudessem deixar escapar, como ocorreu em vários dispositivos, discriminações não mais aceitas, desde 1988”.4
O texto acima não é o único a declarar que a igualdade é o norte para esta reforma. Temos por exemplo, Maria Berenice Dias, que integrou a Comissão de Juristas responsável pela revisão do Código Civil e ressaltou que muitas das propostas buscam incorporar na legislação questões já tratadas pela Justiça, visando à igualdade de direitos. Entre essas propostas estão o reconhecimento da filiação socioafetiva, a possibilidade de multiparentalidade e a regulamentação da reprodução assistida.5
A igualdade está positivada logo no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, demonstrando sua importância para a formação do Estado brasileiro.
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Assim, é fácil notar que a igualdade é o grande norte para todo o sistema jurídico brasileiro, bem como, o grande motivo para uma reforma no Código Civil. No entanto, igualdade seria de fato possível? Se sim, queremos mesmo ser iguais? É fácil ver alguém defendendo a igualdade, porém pouco convencional que alguém reaja contra a esse critério megalomaníaco. Apenas para introduzir o debate, citamos Machado;
Essa atitude teórica idealista, ou melhor, esse suicídio teórico, é um refúgio que proporciona ao jurista o conforto psicológico de viver num mundo ideal, coerente e sem contradições, satisfeito com o rigor lógico-matemático das normas abstratas, absorto numa atuação supostamente ‘neutra’, em que a igualdade passa a ser um valor suficientemente traduzido pela retórica vazia do discurso normativo.6
2. O ressentimento como formador da busca pela igualdade
Segundo Nietzsche, a igualdade exaltada pelos socialistas e anarquistas, bem como nos valores judaico-cristãos, representa uma forma de vingança contra aqueles que se destacam e manifestam sua força. A astúcia dos fracos se manifesta na interdição da força, pois o discurso da igualdade, comparado por Nietzsche à trama da tarântula sobre a presa, disfarça como princípio de justiça aquilo que, na realidade, é uma vontade de potência que se nega, denominada por ele de “vontade de igualdade”,7 na moral universalizante, que impõe uma equivalência artificial entre os homens. Assim, a maior astúcia do homem fraco foi transformar sua debilidade em virtude, promovendo a transvaloração dos valores: subverte-se a moral nobre, afirmativa e potente, em uma moral marcada pela reatividade e incapacidade de autoafirmação. A docilidade e a aversão ao poder passam a ser vistas como virtudes.
A essa crítica, somam-se os elementos característicos da moral do ressentimento. O ressentido precisa de inimigos para se sentir superior; por isso, atribui a culpa pelo próprio sofrimento àqueles que manifestam vitalidade, “Encontrar culpados pelo sofrimento naqueles que expressam sua própria vitalidade é o objetivo da moral do ressentimento”.8 Essa postura, revela um mecanismo pelo qual o indivíduo, incapaz de afirmar seus próprios valores, projeta a bondade na condenação do outro. Assim, a reivindicação por justiça e direitos serve, na verdade, para apontar a maldade e interditar a potência alheia, refletindo a necessidade de se identificar um culpado – “alguém deve ser culpado por ele se encontrar mal...”.9
Essa dinâmica é observada na forma como a justiça é concebida na moral do ressentimento. A justiça transforma-se em expressão de afetos reativos e passivos, instrumentalizada por indivíduos que esperam a reparação de expectativas frustradas por estatutos de direitos universais. Nesse cenário, o discurso da justiça incorpora a culpa e a distribuição prévia de responsabilidades, permitindo que o indivíduo se exima da construção ativa da moral e do direito. Assim, a justiça torna-se uma prática especulativa, afastada da realidade dos conflitos sociais, e legitima-se pelo simples fato da dor existir.
A passividade caracteriza a ação moral do ressentimento. Contudo, passividade não significa ausência de ação, mas sim um modo peculiar de agir que se tornou dominante na civilização ocidental.10 O fraco, incapaz de suportar a existência do forte, anseia por uma justiça que, por se sentir ferido, lhe conceda a felicidade em vez de buscá-la por meio da afirmação de valores. Dessa forma, a moral do ressentimento apaga os sujeitos do discurso: em vez de afirmarem a vontade, os indivíduos se limitam a denunciar a injustiça e a apelar por uma “igualdade universal”.11 A justiça, nessa perspectiva, antecede e independe da vida, legitimando-se pelo simples fato da dor existir. A justiça torna-se, então, uma realização impessoal e irresponsável, gerando uma sociedade incapaz de compreender o bem comum, sem espaço para confiança, colaboração, gratidão e senso comunitário.12 Em contraposição à passividade, à ação ativa entre os homens possibilita o reconhecimento mútuo e a construção de acordos recíprocos, característicos daqueles que sabem amar e manter relações de amizade. No entanto, o ressentido, ao se considerar credor de direitos garantidos por princípios universais, não formula pedidos nem articula desejos, limitando-se a exigir reparação. Dessa forma, o direito moderno revela uma sociedade de ressentidos, incapazes de reverenciar a força e que se reduzem a esperar a tutela de uma justiça impessoal.13
Em uma lógica cíclica, o ressentimento cria ainda mais ressentimento, que se manifesta na intolerância. O ressentimento legitimou o extermínio de civilizações inteiras, ao passo que legitima até hoje uma busca pela igualdade, que de mesmo modo, viabiliza o extermínio de espíritos desiguais. A principal contribuição de Nietzsche no campo da filologia, foi justamente mostrar um lado do povo grego que era pouco conhecido. A Grécia não é somente o belo, o racional, a busca do justo meio aristotélico, no mundo grego existia o culto a Dionísio, o culto à baixa materialidade, à vida intensa, ao hedonismo e à boemia. Na Grécia existiam Sócrates e Diógenes. Este espírito dionisíaco não sobreviveu à idade média, mas Nietzsche volta a demonstrar sua necessidade. O diferente existe, não somos todos iguais, a lei faz na verdade injustiça quando visa criar a igualdade.
3. O projeto megalomaníaco
A proposta moderna de transformar a massa em sujeito homogêneo esbarra em limites epistemológicos e existenciais. Para Sloterdijk, os indivíduos se organizam em “bolhas” – que funcionam como ambientes de proteção e identidade, constituindo uma espécie de “imunologia social” que resguarda as diferenças intrínsecas a cada grupo, “(...) os processos de exercícios físicos e mentais, com que os homens das mais diversas culturas tentaram otimizar o seu estado imunológico social frente aos vagos riscos da vida e à angústia das certezas da morte”.14
Nesse sentido, a esferologia não se limita a uma mera metáfora arquitetônica, mas representa uma compreensão de que os seres humanos, na sua existência, constroem limites afetivos e existenciais que os protegem de forças externas e das tentativas de homogeneização. Essa “imunologia” das esferas propõe que cada grupo ou indivíduo possui mecanismos naturais – análogos ao sistema imunológico – que visam manter a integridade e a especificidade do seu Ser.
A proposta esferológica de Sloterdijk parte do pressuposto de que o ser humano, embora seja um animal social, não é apto a conviver de forma harmoniosa em grandes grupos. Segundo Sloterdijk, o processo de moralização dos costumes afasta o homem de sua condição puramente animal, domesticando-o por meio de um mecanismo multifacetado que, invariavelmente, impõe dor e sofrimento. Dessa maneira, o cultivo da interioridade, da (má) consciência e da racionalidade se torna inseparável da busca existencial por uma resposta à pergunta primordial: “por que sofro?”. Em sociedades marcadas pela heterogeneidade extrema, o convívio forçado com indivíduos tão distintos do próprio Eu origina sentimentos de alienação e o surgimento do ressentimento. O ódio ao outro se configura como o primeiro passo para a construção de uma identidade defensiva, intensificando-se até a ponto de tornar o outro irrelevante. Emergindo também a criação de “bolhas” protetivas – sistemas imunitários sociais, “esferas imunológicas que protegiam os corpos humanos da pressão da Natureza e do desconhecido: todos eram transparentes entre si e coopertencentes”.15 – assegurando a manutenção de um espaço íntimo e exclusivo para os indivíduos e seus grupos, como pensar a coexistência própria de forma suficiente, enquanto coabitação e intimidade, se ela tiver que se fundar sempre em “um alegado impulso essencial à solidão”.16
Os sistemas imunitários, concebidos de forma ampliada, podem ser entendidos como mecanismos orgânicos que atuam para impedir o que ameaça a sobrevivência do organismo. Cada ser estabelece, em seu ambiente, uma forma de transcendência, pois o meio se torna o campo de batalha onde as formas de vida buscam superar os perigos que as circundam. Influenciado por Heidegger, Sloterdijk denomina essa capacidade de enfrentamento como uma imersão “no aberto (das Offene) essa capacidade de luta e de combate dos organismos, pois trata-se de uma atuação no ‘ar livre’, ‘no mundo’”.17
Assim, o ser humano, “largado” no mundo, destituído de um ambiente natural, devido ao seu Ser excêntrico, necessita constituir o seu próprio habitat. Sendo necessário que o mundo aberto, esbarre no mundo menor, circundante de um Dasein particular, habitando em meio a outros mundos. As esferas são “polissêmicos universos da amplitude existencial”.18
Em síntese, a proposta esferológica de Sloterdijk demonstra que a convivência em grandes grupos demanda a criação de barreiras de proteção – as “bolhas” imunitárias. Essa visão convida a repensar os limites da socialidade humana, evidenciando que a busca por uma convivência harmoniosa não implica a eliminação das diferenças, mas sim o reconhecimento e a proteção das singularidades que nos definem. A problemática da igualdade, nesse contexto, é a imposição de uma lógica universalizadora que busca nivelar as diferenças naturais entre os indivíduos. O projeto de transformar a massa em sujeito homogêneo desconsidera a complexidade dos mecanismos de defesa e diferenciação presentes nas esferas, o que pode levar à anulação das especificidades que constituem a riqueza cultural.
Assim, políticas que visem impor igualdade de forma indiscriminada podem, paradoxalmente, fragilizar as barreiras protetivas que asseguram a identidade e a diversidade dos sujeitos. A crítica se intensifica quando se observa que a busca por uma igualdade absoluta tende a tratar os desiguais como se fossem iguais, negando a relevância de atributos singulares que possibilitam a emergência de capacidades excepcionais. Tal abordagem contribui para a formação de uma sociedade que, ao eliminar as diferenças, pode gerar novos mecanismos de exclusão e marginalização.
A multidão, ela mesma, é que psicopoliticamente não pôde pensar por si mesma, antes se arrebata e glorifica os seus representantes bajuladores e megalopatas. O projeto moderno fracassou, pois seu material humano, a massa, se mostrou fenomenologicamente como algo fora do domínio político clássico.19
Querer se massificar dentro de uma grande igualdade, passa a ser portanto “viver a desigualdade de outra forma”.20 Para além disso, dentro de um ideal massificado de igualdade, há a criação de pequenos grupos egoístas e individualistas, que estes novos iguais vão procurar-se.
Somente os indivíduos sentem-se responsáveis. As coletividades foram criadas para realizar aquilo que o indivíduo não tinha coragem de fazer. É que todas as comunidades, sociedades, etc., são cem vezes mais sinceras e mais instrutivas quanto à natureza humana que o indivíduo, fraco demais para ter a coragem de seus desejos...21
No conceito de massa estão incluídas as características que per se tendem a uma retenção do reconhecimento. Reconhecimento recusado chama-se desprezo (...) e incluo a adulação como um desprezo invertido”.22
4. A equiparação feita pelo ARCC entre cônjuge e companheiros: ambos não recebem
O anteprojeto de reforma ao Código Civil (ARCC), altera em seu art. 1829, a ordem de vocação hereditária atualmente em vigor.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes;
II - aos ascendentes;
III - ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente;
IV - aos colaterais até o quarto grau.
Inicialmente, destaca-se que o art. 1.829, inciso III, passaria a mencionar “cônjuge ou convivente sobrevivente”. Assim, o RCC adota a decisão do STF que equiparou o companheiro ao cônjuge para fins sucessórios, considerando inconstitucional qualquer tratamento distinto, visto como discriminatório.
Com a aprovação do ARCC, o cônjuge ou convivente deixaria de concorrer com descendentes (herdeiros de primeira classe) ou ascendentes (herdeiros de segunda classe) e passaria a ser classificado como herdeiro de terceira classe, sendo chamado à sucessão somente na ausência dos demais herdeiros.
No Código Civil de 2002, cônjuges e companheiros possuíam tratamento distinto no direito sucessório. O art. 1845. diz que “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”, isto é, o cônjuge era herdeiro necessário, enquanto o companheiro não. Com o tempo, a jurisprudência começou a mudar essa interpretação, chegando a declarar enfim a institucionalidade do artigo,23 o que na visão da maioria dos doutrinadores teve como principal fundamento “o princípio da igualdade, que preconiza a ausência de discriminação, uma vez que tal discriminação seria inconstitucional”.24 A reforma do Código Civil busca incorporar essa equiparação, eliminando a distinção normativa.
Em síntese, o companheiro passou a ser herdeiro necessário, porém, no ARRC, o rol dos herdeiros necessários seria reduzido a descendentes e ascendentes, permitindo que, se não contemplado em testamento que disponha sobre a totalidade dos bens, o cônjuge ou convivente seja excluído da sucessão.
Na justificativa do anteprojeto, a mudança se fundamenta na busca pela igualdade de gênero, no ingresso da mulher no mercado de trabalho e na crescente formação de famílias recompostas. Contudo, critica-se que a progressiva igualdade alcançada é relativa e beneficia, sobretudo, grupos socioeconômicos privilegiados.25 Ou seja, a igualdade aqui acabou por tirar a herança a que muitas mulheres teriam direito, deixando-as agora reféns de seus maridos a mencionarem no testamento.
Assim, embora que seja verdade que “sob a perspectiva do planejamento sucessório, é interessante não ter o cônjuge ou convivente concorrendo com descendentes e ascendentes, bem como não o ter entre os herdeiros necessários”,26 o código deixou de considerar que essa lógica não reflete a realidade na qual, majoritariamente, são as mulheres as responsáveis pelos cuidados familiares – situação que muitas vezes exige renúncia ou redução da atividade laboral, isto é, essas mudanças liberais ainda não refletem a realidade brasileira.
A busca por uma homogeneização dos direitos, embora motivada por ideais democráticos, pode inadvertidamente apagar diferenças essenciais entre os indivíduos, gerando injustiças. Obviamente, essa mudança “representa uma vulnerabilização do cônjuge, que antes tinha uma posição de destaque no Código Civil atual”.27 Como dito antes, a mesma indica que a mudança é decorrente de outra mudança, equiparar cônjuges e companheiros, e logo após, a mesma indica as consequências disso “Considero essa alteração preocupante, pois tende a gerar muitas injustiças”.28
Nietzsche provavelmente criticaria a equiparação entre casamento e união estável por valorizar a singularidade, a expressão da vontade de poder, defendendo que cada relação deve manifestar suas particularidades e forças vitais de maneira única. Para Nietzsche, reduzir o casamento a uma igualdade normativa com a união estável poderia significar um nivelamento que ignora as diferenças essenciais que definem o caráter e a intensidade dos vínculos humanos. Essa igualdade imposta pelo ordenamento jurídico pode representar um sintoma do ressentimento contra as instituições tradicionais – um esforço para "nivelar" o que é naturalmente desigual, como se todas as relações pudessem ou devessem ser tratadas da mesma forma. Assim, ele possivelmente argumentaria que o casamento, não pode ser equiparado mecanicamente a uma união estável sem perder sua profundidade e significado intrínseco, logo, quando feito este nivelamento, o casamento perde força na sociedade, e consequentemente no direito. A culpa dessa busca pela igualdade é sempre um modo de amar ao próximo, mas odiar seu semelhante mais próximo, “O ‘altruísmo’ é inteiramente um resultado da inteligência do homem privado: as sociedades não são ‘altruístas’ umas para com as outras... O mandamento do amor ao próximo não foi ainda ampliado por ninguém em mandamento de amor ao vizinho”.29
Em síntese, ao aplicar o mesmo tratamento jurídico a figuras que, em uniões formais e informais, apresentam realidades e expectativas distintas, o ordenamento jurídico compromete a diferenciação necessária. Equipar o casamento à união estável prejudica aqueles que, durante a vida conjugal, construíram uma relação de dependência econômica e afetiva consolidada, fazendo o direito destes se confundirem com o daqueles que compraram um cachorro juntos ou aparecem às vezes em fotos de família no fim do ano.