Conclusão
Em conclusão, toda atmosfera criada desde o ano de 2021 pelos diversos ataques às urnas e outros pronunciamentos feitos pelos agora réus, passando pelos acampamentos em frente aos quartéis, elaboração e discussão de uma minuta do golpe e os graves episódios de violência que precederam o oito de janeiro, incluídos frustrados planos de assassinatos, documentados no acórdão, mostram o objetivo de ruptura do Estado Democrático de Direito.
Sem toda essa preparação não haveria a tentativa de golpe do oito de janeiro!
Notas
No princípio da especialidade se identifica uma relação de gênero e espécie; entre o tipo penal mais amplo e o tipo penal específico, este, por apreender a conduta do agente de forma mais perfeita em suas particularidades, prevalece em relação àquele. Exemplo de manual é o conflito entre os crimes de peculato (art. 312. do CP) e o de apropriação indébita (art. 168. do CP) praticado por funcionário público. Por ser o primeiro especial em relação ao segundo, já que o peculato é uma apropriação indébita praticada por funcionário público, esta é a norma aplicável. Fala-se então: lex specialis derrogat legi generalis, porque a lei especial contém todos os elementos da lei geral e mais elementos específicos que a especializa. (Mota, Ivan Martins, apud Silva Franco, Alberto, in Código Penal e sua Interpretação, RT, São Paulo,2007).
Pelo princípio da subsidiariedade, se uma conduta se ajusta a dois tipos penais, porém um deles, o de menor gravidade, por ser elemento constitutivo, circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena de outro, é subsidiário em relação a este outro, então é absorvido. Lex primaria derogat legi subsidiariae. No princípio da subsidiariedade, os crimes em concurso aparente não estão numa relação de espécie a gênero, mas numa relação de mais grave, menos grave, de forma que o de maior gravidade absorve o menor. (ibidem).
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É importante observar a distinção entre bem jurídico e objeto da ação. O bem jurídico é o bem ideal que se incorpora no concreto objeto de ataque, enquanto o objeto da ação é o objeto real atingido diretamente pelo atuar do agente. Por exemplo, no crime de homicídio, o bem jurídico protegido é a vida humana, enquanto o objeto da ação é a pessoa cuja vida individual é agredida. (cf. Roxi, Claus, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Thomson-Civitas, 2ª ed. Madrid, 2006, p.63). O bem jurídico é um ente (dado ou valor social) material ou imaterial extraído do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual, considerado como essencial à coexistência e desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido. Objeto da ação é o objeto real atingido diretamente pelo atuar do agente e pode ser considerado corpóreo u incorpóreo. (Regis Prado, Luiz, Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral e Parte Especial, 14ª ed., RT, São Paulo, 2015, p. 225).
Isso não significa, no entanto, que não possa haver continência entre os referidos crimes. Tudo dependerá das circunstâncias e motivação dos fatos no caso concreto.
Note-se que no crime do art. 359-L a tentativa deve ser dirigida para a abolição (eliminação) do Estado Democrático de Direito. É golpe contra as Instituições representativas do povo.
A expressão “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, constante da parte final do tipo do art. 359-L, pode induzir a crença de que se exige um resultado. Essa leitura, a meu ver, seria contraria ao significado do verbo tentar, com que o legislador pretendeu antecipar a proteção ao bem jurídico a estágio inicial.
Os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de estado, não punem resultados materiais; punem a simples tentativa por meio de violência ou grave ameaça. São espécie do chamado tipo de empreendimento, no qual a causa de diminuição da pena, inerente à tentativa, desaparece e não se aplica a eximente da desistência voluntária (cfr. Roxin, Claus, Derecho Penal, Parte General, 2ª ed., Tomo I, trad. Diego Luzón Pena, Tompson Civitas, Madrid, 1997, p. 336; (Munhoz Conde, Francisco y Garcia Aran, Mercedes, Derecho Penal, Parte General, Sétima edicion, Tiran Lo Blanch, Valencia, 2007, p. 410).).
Essa questão foi superficialmente referida no acórdão. Em aparte ao voto do Min. André Mendonça, o Min. Relator afirmou que se tratava de dois crimes autônomos com desígnios distintos. Só o Ministro Luís Roberto Barroso absolveu o réu da imputação do crime do art. 359-L, entendendo-o absorvido pelo crime do art. 359-M do Código Penal. O Ministro André Mendonça o absolveu da imputação do crime do art. 359-M, entendendo-o absorvido pelo crime do art. 359-L do Código Penal.
O voto do Min. Gilmar Mendes bem ilustra esse aspecto: “... Matheus Lima de Carvalho Lázaro, por sua vez, foi preso na praça dos três Poderes na posse de um canivete e de um aparelho celular, no qual foram localizadas mensagens enviadas pelo denunciado de seguinte teor: “tem que quebrar tudo, pra ter reforma, pra ter guerra... Guerra... A gente tem que fazer isso aí pro exército entrar” (p.13).
[205] pessoas foram condenadas pelos dois crimes em concurso material de infrações penais, além dos demais crimes, a penas igual ou superior a 14 (quatorze) anos de reclusão.
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Essa compreensão assenta no fato de que, no regime presidencialista brasileiro o chefe de governo é também chefe de Estado e chefe das forças armadas, ao contrário do que ocorre no regime parlamentarista de governo. De modo que, um atentado ao governo da Nação afeta naturalmente os poderes da República, restringindo suas atividades e/ou paralisando-os.
A cronologia dos fatos, a divisão os grupos pelo papel que cada um desempenhou: o núcleo dos instigadores e autores intelectuais; o núcleo dos financiadores; o núcleo das autoridades que se omitiram; e o núcleo dos executores materiais dos delitos (cf. voto Min. Barroso, p. 4), bem qualifica o sentido social dos acontecimentos.
Bastaria pensar o que teria acontecido caso as forças de segurança não tivessem se mobilizado, juntamente com a sociedade civil que condenou o ataque. É iniludível que, se não houvesse resistência, os golpistas teriam tomado o poder, especialmente se as forças armadas tivessem sido convocadas.
O STF, por sua Primeira Turma, em acórdão publicado em 11/04/2025, recebeu a denúncia contra Alexandre Ramagem Rodrigues, Almir Garnier Santos, Anderson Gustavo Torres, Augusto Heleno Ribeiro, Mauro Cesar Barbosa Cid, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto quanto aos crimes de organização criminosa armada (art. 2º, caput e §§2º e 4º, II, da Lei n. 12.850/2013), tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), bem como deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei 9.605/98), na forma do art. 29, caput, do CP; e contra o Jair Messias Bolsonaro Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP), golpe de Estado (art. 359-M do CP), dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP), bem como deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei 9.605/98), na forma do art. 29, caput, do CP.