Sumário: 1. Princípios Jurídicos. 2. Princípio da Pluralidade dos Juízos Sucessórios. 3. Jurisprudência. 4. Conclusões. 5. Bibliografia.
1. Princípios Jurídicos
O sistema jurídico brasileiro é animado por normas jurídicas, distribuídas generosamente entre regras e princípios. Desta maneira, inexiste “direito fora de um sistema e não há sistema sem princípios jurídicos: estes — fruto de interpretatio — constituem o sistema”.1 Em linguagem ordinária, o conceito de princípio pode desdobrar-se em sete diferentes formas de sentido que, na visão de Genaro Carrió se colocam em sete diferentes prismas, a saber:
“(I) Con las ideas de “parte o ingrediente importante de algo”, “propriedad fundamental”, “núcleo básico”, “característica central”;
(II) Con las ideas de “regla, guía, orientación o indicación generales”;
(III) Con las ideas de “fuente generadora”, “causa” u “origen”;
(IV) Con las ideas de “finalidad”, “objetivo”, “propósito” o “meta”;
(V) Con las ideas de “premisa”, “inalterable punto de partida para el razonamiento”, “axioma”, “verdad teórica postulada como evidente”, “esencia”, “propiedad definitoria”;
(VI) Con las ideas de “regla práctica de contenido evidente”; “verdad ética incuestionable”;
(VII) Con las ideas de “máxima”, “aforismo”, “proverbio”, “pieza de sabiduría práctica que nos viene del pasado y que trae consigo el valor de la experiencia acumulada y el prestigio de la tradición”.”2
Há no ordenamento jurídico brasileiro um sem-número de princípios jurídicos --- nacionais e internacionais ---, a serem observados na aplicação da lei e na prestação jurisdicional, como por exemplo, os princípios da soberania estatal e princípio da não-intervenção 3 de órgãos jurisdicionais brasileiros em assuntos de Estados Estrangeiros; sobre o primeiro princípio insta esclarecer que cada Estado-Nação deve respeitar a soberania (=considerada como capacidade de agir e decidir a vida interna conforme suas próprias normas jurídicas e valores sociais) dos outros integrantes da comunidade jurídica internacional, sob pena de sanções internacionais de natureza variada. Sobre o termo jurídico soberania, o internacionalista Ian Brownlie em sua conceituada literatura jurídica:
“Soberania. O termo "soberania" pode ser utilizado como sinónimo de independência, um elemento importante da qualidade de Estado já considerado. No entanto, uma origem comum de confusão reside no facto de a "soberania" poder ser utilizada para descrever a condição na qual um Estado não tenha exercido as suas próprias capacidades jurídicas de modo a criar direitos, poderes, privilégios e imunidades em relação a outros Estados. Neste sentido, um Estado que consentiu que outro Estado gerisse as suas relações externas, ou que concedeu vastos direitos extraterritoriais a outro Estado, não é "soberano". Se for atribuído este ou outro conteúdo semelhante à "soberania" e for utilizado o mesmo esquema de ideias como critério da qualidade de Estado, então os atributos da qualidade de Estado e da personalidade jurídica confundem-se novamente com a sua própria existência. Assim, a condição da Alemanha após 1945 implicou uma considerável diminuição da soberania alemã neste sentido continuando, todavia, a Alemanha a existir como Estado. Considerações deste tipo têm levado alguns juristas a rejeitar a soberania como critério. Uma abordagem alternativa é a do Tribunal Internacional de Justiça no caso Nacionais Norte-Americanos em Marrocos, onde a decisão descreveu Marrocos como um "Estado soberano", significando com isto que tinha mantido a sua personalidade jurídica básica apesar do protectorado francês. Porém, seria possível a um tribunal sustentar que um Estado que tenha concedido, pouco a pouco, a outrem uma grande percentagem dos seus poderes jurídicos deixara de ter, em consequência, uma existência distinta. Pode ser, obviamente, difícil distinguir, de Direito e de facto, a concessão de capacidades da existência de mandato ou representação”.4
Já quanto ao princípio da não-intervenção, significa que o Brasil não irá se imiscuir em assuntos domésticos de outros países, sendo a recíproca afirmativa verdadeira.
Ante a natureza do presente artigo e por questões óbvias, não será aprofundada a discussão sobre a soberania internacional, remetendo os interessados para a ampla literatura internacional especializada.5
Importantíssima a observância de tais princípios jurídicos, dentre tais a soberania estatal6, vedando aos juízes apreciarem questões de natureza política, pois consoante Ronald Dworkin, os "juízes devem tomar suas decisões sobre o 'commom law com base em princípios, não em política: devem apresentar argumentos que digam que as partes realmente teriam direitos e deveres legais 'novos' que eles aplicaram na época que essas partes agiram, ou em algum outro momento pertinente do passado. Um juiz pragmático rejeitaria essa proposição. Hércules, porém, rejeita o pragmatismo".7
Consoante Caio Mário da Silva Pereira, “a adoção de uma norma de direito estrangeiro não é mera concessão do Estado, ou um favor emanado de sua soberania, mas a consequência natural da comunidade de direito, de tal forma que a aplicação da lei estrangeira resulta como imposição de um dever internacional”.8
2. Princípio da Pluralidade dos Juízos Sucessórios.
Ocorrida a morte de uma pessoa natural, há necessidade de realizar-se inventário e partilha de bens e direitos, acaso a pessoa extinta pela morte os tenha deixado quando em vida, ainda que potencialmente ou sob efeito de condição. Consoante ensinamento de Pontes de Miranda, o “direito dos herdeiros legítimos nasce conforme a lei do dia da morte do decujo. Essa lei é que diz quais são eles e quanto cada deles herda. Das suas regras jurídicas é que se tiram o conceito e os pressupostos de capacidade, de indignidade e de representação sucessoral”; ademais, complementa-se o raciocínio acima reproduzido, com a afirmativa de que as regras de competência jurisdicional também hão de ser observadas, a fim de que a soberania estatal não venha a ser ferida.9
Dentro desse raciocínio, dispõe o artigo 23 do Código de Processo Civil, Lei 13105/2015:
“Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II - em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional;
III - em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional.”
Como visto, o Capítulo I do Título II do CPC/2015, em especial o inciso II do artigo 23 que trata dos limites da jurisdição nacional, preceitua ser de competência exclusiva da autoridade brasileira, com exclusão de qualquer outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder ao inventário de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional; isso implica um raciocínio reverso: autoridade judiciária brasileira não possui competência para decidir sobre bens situados no exterior.
Nesse passo, percebe-se com relativa facilidade que a justiça brasileira não detém competência para apreciar questões relativas aos bens situados no exterior, em especial no que diz respeito a inventário e partilha, sendo que a sucessão de bens localizados no exterior deve observar as leis locais onde cada bem se encontre. Essa é uma questão inquestionável pois “sendo o falecido brasileiro ou estrangeiro, e tendo o óbito ocorrido no estrangeiro, mas deixando bens no Brasil, o foro competente é sempre o da justiça brasileira. Por interpretação inversa, se o falecido deixar bens fora do Brasil, o foro competente para o processamento do inventário e partilha, quanto a esses bens, escapará à jurisdição brasileira, competindo ao país onde se situem”.10
Sobre a temática estampada no inciso II do artigo 23 do Código de Processo Civil, os processualistas Renato Montans de Sá e Cassio Scarpinella Bueno ensinam que:
“O art. 23. prevê os casos em que a jurisdição brasileira é competente com exclusão de qualquer outra. Assim, a eventual sentença estrangeira não poderá produzir seus efeitos no território nacional, pois não há como homologá-la. São os casos de: a) imóveis situados no Brasil - não se pode permitir que uma sentença estrangeira possa atingir bens de raiz situados em nosso território sob pena de ofender a soberania nacional. A demanda pode ser tanto de natureza real como pessoal; b) inventário e partilha de bens situados no Brasil, bem como testamento particular - mesmo que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido no exterior; c) divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável em que haja bens no Brasil - mesmo que o titular desses bens seja estrangeiro ou tenha domicílio fora do Brasil.”
SÁ, Renato Montans de. Manual de Direito Processual Civil. 4ª Edição. São Paulo/SP : Saraiva Educação, 2019, p. 232.
“A primeira referência é às ações relativas a imóveis situados no Brasil (inciso I). O inciso II inclui, em matéria de sucessão hereditária, a confirmação de testamento particular (novidade em relação ao CPC de 1973), além (e coerentemente com o inciso I) do inventário e da partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. O inciso III, por seu turno, reserva expressamente a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira para, em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, realizar a partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. A previsão parece se harmonizar com o entendimento jurisprudencial, formado sob a vigência do CPC de 1973, de que não ofende o ordenamento brasileiro a possibilidade de as partes acordarem entre si sobre o destino dos imóveis situados no Brasil ainda que perante o juízo estrangeiro. O que era - e continua a ser - vedado é que o juízo estrangeiro determine a partilha dos bens imóveis situados no Brasil ou disponha sobre ela.”
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil. Parte Geral do Código de Processo Civil. 9ª Edição. São Paulo/SP : Editora Saraiva, 2018, p. 435-436.
De acordo com a inteligência legal, pode-se concluir que eventual apreciação de inventário e partilha de bens situados no Brasil por autoridade judiciária estrangeira assim como a análise de inventário de bens situados no exterior por juízes brasileiros são atos que maculam a soberania que cada país tem sobre os bens que são localizados em seu território, o que impede a incursão sobre a temática, isto é, obstam o processamento de inventário e partilha, ainda que de natureza extrajudicial.
Ademais, “a transmissão do conjunto de bens deve ser governada por uma lei única, pois pela lei se transmite uma universalidade, um patrimônio, ou seja, o conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos pertencentes a uma pessoa”, daí a necessidade de que tais questões estejam concentradas no país onde tais bens se localizam.11
Em suma, se determinados bens --- móveis ou imóveis --- estiverem ou se encontrarem na sujeição de outro Estado-Nação, a contrario sensu do que dispõe o artigo 23 do Código de Processo Civil, o magistrado brasileiro não poderá apreciar demanda que os tenha como objeto de inventário e partilha, por necessitar respeitar a soberania estatal alheia, pois o “princípio é o de estarem sujeitos à jurisdição do Estado todos os que se acham no seu território, porque aí é que estão os seus poderes de praticar, ou de omitir atos, e os seus bens. Onde o ser humano se encontra, é de onde partem todas as suas pretensões e a que afluem as pretensões dos outros. Isso, in potentia. Concretamente, em ato, a admissão em juízo depende de que se congreguem os pressupostos que a lei positiva exige. Essa, às vezes, não exerce toda a jurisdição que interestatalmente ou supra-estatalmente lhe toca; outras, exorbita dos princípios delimitadores da competência jurisdicional interestatal. Na técnica legislativa dos Estados do tipo século XIX e começo do século XX, a tendência é para alargar a jurisdição sobre os nacionais e diminuí-la quanto aos estrangeiros”, como ensina magistralmente Pontes de Miranda. 12
Duas observações importantes: eventual descumprimento da inteligência do inciso II do artigo 23 do Código de Processo Civil arranhará o princípio da soberania, ato que não se confunde com pedido ou execução de cooperação internacional e menos ainda autoriza a invocação da proteção legal mais favorável aos nacionais quando a lei do país lhe for mais benéfica.
3. Jurisprudência
Após realizada consulta sobre o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, foram localizados os seguintes julgados, todos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça:
"Partilhados os bens deixados em herança no estrangeiro segundo a lei sucessória da situação, descabe à Justiça brasileira computá-los na cota hereditária a ser partilhada no país, em detrimento do princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, consagrado pelo art. 89, II, do CPC"
STF, 1ª Turma, RE 99230/RS, Relator: Ministro Rafael Mayer, Julgamento: 22/5/1984, DJU 29/6/1984, p. 10751, RTJ 110/750.
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E INTERNACIONAL PRIVADO. INVENTÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. BENS SITUADOS NO EXTERIOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LOCAL. LIMITES DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA. DIREITO MATERIAL. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DO DIREITO ALIENÍGENA. ANTECIPAÇÃO DA MEAÇÃO. ART. 651. DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em decidir sobre: i) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; ii) a competência para processar inventário de falecido residente no Brasil, mas que possuía bens no exterior; iii) a possibilidade de compensação de legítimas; e iv) a inviabilidade de antecipação da meação. 2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. 3. É de competência exclusiva da autoridade brasileira, com exclusão de qualquer outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder ao inventário de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional (art. 23, II, do CPC/2015). 4. A lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) elegeu o domicílio como relevante regra de conexão para solver conflitos decorrentes de situações jurídicas relacionadas a mais de um sistema legal (conflitos de leis interespaciais), porquanto consistente na própria sede jurídica do indivíduo. Em que pese a prevalência da lei do domicílio do indivíduo para regular as suas relações jurídicas pessoais, conforme preceitua a LINDB, esta regra de conexão não é absoluta. 5. Especificamente à lei regente da sucessão, pode-se assentar, de igual modo, que o art. 10. da LINDB, ao estabelecer a lei do domicílio do autor da herança para regê-la, não assume caráter absoluto. A conformação do direito internacional privado exige a ponderação de outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação, prevalecer sobre a lei de domicílio do de cujus. 6. O entendimento que tem prevalecido nesta Corte Superior é o de que a lei brasileira não tem aplicação em relação à sucessão dos bens no exterior, inclusive para fins de eventual compensação de legítimas. Precedentes. 7. A justiça brasileira não é competente para apreciar questões relativas aos bens situados no exterior, consistentes, na espécie, em participações societárias do de cujus em duas offshores sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, nem sequer para se computar para efeitos de equalização das legítimas, pois a sucessão de bens localizados no exterior deve observar as leis locais. 8. Antecipação da meação. A manutenção de argumento que, por si só, sustenta o acórdão recorrido torna inviável o conhecimento do recurso especial, atraindo a aplicação do enunciado n. 283. da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.”
STJ, 3ª Turma, REsp 2.080.842/SP, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/8/2024, DJe de 29/8/2024.
“Processo civil. Recurso especial. Inventário e partilha. Despacho com conteúdo decisório. Nulidade. Ausência de prejuízo. Preclusão pro judicato. Competência. Situação do bem. - O despacho com conteúdo decisório e potencial de causar prejuízo é passível de recurso. - A nulidade deve ser reconhecida somente quando demonstrado efetivo prejuízo. - É vedado que o juiz decida novamente questões já resolvidas no curso do processo. - O inventário e a partilha devem ser processados no lugar da situação dos bens deixados pelo falecido, não podendo o juízo brasileiro determinar a liberação de quantia depositada em instituição financeira estrangeira. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.”
STJ, 3ª Turma, REsp 510084/SP, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 4/8/2005, DJ de 5/9/2005, p. 398.
“RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. OFENSA AO ART. 535, I, DO CPC/73. NÃO CONFIGURADA. APRECIAÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES DA DEMANDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. OFENSA AO ART. 89, II, DO CPC/73. OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Não existe afronta ao art. 535. do CPC/73 quando o acórdão recorrido se pronuncia, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo. 2. O inventário e a partilha devem ser processados no lugar da situação dos bens deixados pelo falecido (REsp n. 510.084/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/8/2005, DJ de 5/9/2005). 3. Recurso especial provido.”
STJ, 4ª Turma, REsp 1.447.246/RJ, Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 18/4/2023, DJe de 2/5/2023.
“Processual Civil. Inventário. Requerimento para expedição de carta rogatória com o objetivo de obter informações a respeito de eventuais depósitos bancários na Suíça. Inviabilidade. - Adotado no ordenamento jurídico pátrio o princípio da pluralidade de juízos sucessórios, inviável se cuidar, em inventário aqui realizado, de eventuais depósitos bancários existentes no estrangeiro.”
STJ, 3ª Turma, REsp 397.769/SP, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 25/11/2002, DJ de 19/12/2002, p. 362.
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. AÇÃO DE SONEGADOS PROMOVIDA PELOS NETOS DA AUTORA DA HERANÇA (E ALEGADAMENTE HERDEIROS POR REPRESENTAÇÃO DE SEU PAI, PRÉ-MORTO) EM FACE DA FILHA SOBREVIVENTE DA DE CUJUS, REPUTADA HERDEIRA ÚNICA POR TESTAMENTO CERRADO E CONJUNTIVO FEITO EM 1943, EM MEIO A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, NA ALEMANHA, DESTINADA A SOBREPARTILHAR BEM IMÓVEL SITUADO NAQUELE PAÍS (OU O PRODUTO DE SUA VENDA). 1. LEI DO DOMICÍLIO DO AUTOR DA HERANÇA PARA REGULAR A CORRELATA SUCESSÃO. REGRA QUE COMPORTA EXCEÇÃO. EXISTÊNCIA DE BENS EM ESTADOS DIFERENTES. 2. JURISDIÇÃO BRASILEIRA. NÃO INSTAURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DELIBERAR SOBRE BEM SITUADO NO EXTERIOR. ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DOS JUÍZOS SUCESSÓRIOS. 3. EXISTÊNCIA DE IMÓVEL SITUADO NA ALEMANHA, BEM COMO REALIZAÇÃO DE TESTAMENTO NESSE PAÍS. CIRCUNSTÂNCIAS PREVALENTES A DEFINIR A LEX REI SITAE COMO A REGENTE DA SUCESSÃO RELATIVA AO ALUDIDO BEM. APLICAÇÃO. 4. PRETENSÃO DE SOBREPARTILHAR O IMÓVEL SITO NA ALEMANHA OU O PRODUTO DE SUA VENDA. INADMISSIBILIDADE. RECONHECIMENTO, PELA LEI E PELO PODER JUDICIÁRIO ALEMÃO, DA CONDIÇÃO DE HERDEIRA ÚNICA DO BEM. INCORPORAÇÃO AO SEU PATRIMÔNIO JURÍDICO POR DIREITO PRÓPRIO. LEI DO DOMICILIO DO DE CUJUS. INAPLICABILIDADE ANTES E DEPOIS DO ENCERRAMENTO DA SUCESSÃO RELACIONADA AO IMÓVEL SITUADO NO EXTERIOR. 5. IMPUTAÇÃO DE MÁ-FÉ DA INVENTARIANTE. INSUBSISTÊNCIA. 6. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. A lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) elegeu o domicílio como relevante regra de conexão para solver conflitos decorrentes de situações jurídicas relacionadas a mais de um sistema legal (conflitos de leis interespaciais), porquanto consistente na própria sede jurídica do indivíduo. Em que pese a prevalência da lei do domicílio do indivíduo para regular as suas relações jurídicas pessoais, conforme preceitua a LINDB, esta regra de conexão não é absoluta. 1.2. Especificamente à lei regente da sucessão, pode-se assentar, de igual modo, que o art. 10. da LINDB, ao estabelecer a lei do domicílio do autor da herança para regê-la, não assume caráter absoluto. A conformação do direito internacional privado exige a ponderação de outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação, prevalecer sobre a lei de domicílio do de cujus. Na espécie, destacam-se a situação da coisa e a própria vontade da autora da herança ao outorgar testamento, elegendo, quanto ao bem sito no exterior, reflexamente a lei de regência. 2. O art. 10, caput, da LINDB deve ser analisado e interpretado sistematicamente, em conjunto, portanto, com as demais normas internas que regulam o tema, em especial o art. 8º, caput, e § 1º do art. 12, ambos da LINDB e o art. 89. do CPC. E, o fazendo, verifica-se que, na hipótese de haver bens imóveis a inventariar situados, simultaneamente, aqui e no exterior, o Brasil adota o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios. 2.1. Inserem-se, inarredavelmente, no espectro de relações afetas aos bens imóveis aquelas destinadas a sua transmissão/alienação, seja por ato entre vivos, seja causa mortis, cabendo, portanto, à lei do país em que situados regê-las (art. 8º, caput, LINDB). 2.2. A Jurisdição brasileira, com exclusão de qualquer outra, deve conhecer e julgar as ações relativas aos imóveis situados no país, assim como proceder ao inventário e partilha de bens situados no Brasil, independente do domicílio ou da nacionalidade do autor da herança (Art. 89. CPC e § 2º do art. 12. da LINDB) 3. A existência de imóvel situado na Alemanha, bem como a realização de testamento nesse país são circunstâncias prevalentes a definir a lex rei sitae como a regente da sucessão relativa ao aludido bem (e somente a ele, ressalta-se), afastando-se, assim, a lei brasileira, de domicílio da autora da herança. Será, portanto, herdeiro do aludido imóvel quem a lei alemã disser que o é. E, segundo a decisão exarada pela Justiça alemã, em que se reconheceu a validade e eficácia do testamento efetuado pelo casal em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, a demandada é a única herdeira do imóvel situado naquele país (ante a verificação das circunstâncias ali referidas - morte dos testadores e de um dos filhos). 3.1. Esta decisão não tem qualquer repercussão na sucessão aberta - e concluída - no Brasil, relacionada ao patrimônio aqui situado. De igual modo, a jurisdição brasileira, porque também não instaurada, não pode proceder a qualquer deliberação quanto à extensão do que, na Alemanha, restou decidido sobre o imóvel lá situado. 4. O imóvel situado na Alemanha (ou posteriormente, o seu produto), de acordo com a lei de regência da correspondente sucessão, passou a integrar o patrimônio jurídico da única herdeira. A lei brasileira, de domicílio da autora da herança, não tem aplicação em relação à sucessão do referido bem, antes de sua consecução, e, muito menos, depois que o imóvel passou a compor a esfera jurídica da única herdeira. Assim, a providência judicial do juízo sucessório brasileiro de inventariar e sobrepartilhar o imóvel ou o produto de sua venda afigurar-se-ia inexistente, porquanto remanesceria não instaurada, de igual modo, a jurisdição nacional. E, por consectário, a pretensão de posterior compensação revela-se de todo descabida, porquanto significaria, em última análise, a aplicação indevida e indireta da própria lei brasileira. 5. O decreto expedido pelo Governo alemão, que viabilizara a restituição de bens confiscados aos proprietários que comprovassem a correspondente titularidade, é fato ocorrido muito tempo depois do encerramento da sucessão aberta no Brasil e que, por óbvio, refugiu, a toda evidência, da vontade e do domínio da inventariante. Desde 1983, a ré, em conjunto com os autores, envidou esforços para obter a restituição do bem. E, sendo direito próprio, já que o bem passou a integrar seu patrimônio jurídico, absolutamente descabido exigir qualquer iniciativa da ré em sobrepartilhar tal bem, ou o produto de sua venda. Do que ressai absolutamente infundada qualquer imputação de má-fé à pessoa da inventariante. 6. Recurso especial improvido.”
STJ, 3ª Turma, REsp 1.362.400/SP, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 28/4/2015, DJe de 5/6/2015.
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 2. PRETENSÃO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ESTRANGEIRA. DESCABIMENTO. PARTILHA DE NUMERÁRIO PORVENTURA CONSTANTE NA CONTA BANCÁRIA DE TITULARIDADE DO DE CUJUS QUE DEVE SER REGIDA PELA LEI DO PAÍS EM QUE SITUADO (LEX REI SITAE). PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. NÃO EVIDENCIADO O INTERESSE PÚBLICO IMPRESCINDÍVEL AO DEFERIMENTO DA MEDIDA. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo se falar em negativa de prestação jurisdicional. 2. A pretensão de expedição de carta rogatória a país diverso não merece agasalho pelo Poder Judiciário, se não se evidenciar a existência de motivo de ordem pública, que seja útil ao processo, devendo ser rechaçada quando requerida visando a satisfação de interesses meramente pessoais, como na hipótese. Precedente. 3. Tendo em vista que a sucessão de bens do de cujus situados no estrangeiro regula-se pela lei do país alienígena, nos termos do art. 23, II, do CPC/2015 (art. 89, II, do CPC/1973), o qual preconiza o princípio da territorialidade, mostra-se descabida a solicitação de informações a instituição financeira situada no estrangeiro (Suíça no presente caso), uma vez que os valores lá constantes de titularidade do autor da herança, à data de abertura da sucessão, não serão submetidos ao inventário em curso no Brasil, devendo ser processada naquele país a sua transmissão a quem de direito. 4. Agravo interno desprovido.”
STJ, 3ª Turma, AgIntAREsp 1.297.819/SP, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/10/2018, DJe de 19/10/2018.