Implicações da Decisão do STF para a Advocacia Pública e a OAB
Embora o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 609.517 tenha sido suspenso por um pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, o placar provisório e os debates travados no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) já sinalizam importantes reflexões e potenciais implicações para a advocacia pública e para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), caso a tese majoritária pela não obrigatoriedade da inscrição venha a se consolidar.
Para a Advocacia Pública:
Uma das principais consequências da eventual confirmação da tese do relator, Ministro Cristiano Zanin, seria a consolidação da autonomia das carreiras da advocacia pública em relação à OAB no que tange ao requisito de inscrição para o exercício funcional. Se a capacidade postulatória decorre diretamente da investidura no cargo público, como argumentado, isso reforça o status dessas carreiras como eminentemente estatais, regidas por seus estatutos próprios e leis complementares específicas.
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Autonomia e Regime Disciplinar: A não obrigatoriedade da inscrição poderia significar que os advogados públicos estariam submetidos exclusivamente aos regimes disciplinares de suas respectivas instituições (Advocacia-Geral da União, Procuradorias Estaduais e Municipais), sem a necessidade de responder também perante os tribunais de ética da OAB por atos praticados no exercício de suas funções públicas. Isso poderia simplificar processos disciplinares, mas também levanta o debate sobre qual órgão teria a primazia ou a competência exclusiva para apurar e punir eventuais desvios.
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Independência Técnica: Um ponto de divergência nos votos foi justamente o impacto na independência técnica. Enquanto alguns ministros e a própria AGU argumentaram que a OAB oferece um respaldo adicional para essa independência, especialmente em contextos de maior vulnerabilidade ou pressão política, outros entenderam que a autonomia da carreira, garantida pela Constituição e por leis específicas, já seria suficiente. A decisão final do STF poderá influenciar a percepção e a efetividade dessa independência.
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Advocacia Pública Municipal: A situação dos advogados públicos municipais, especialmente em municípios menores e com estruturas menos consolidadas, foi uma preocupação levantada. Para estes, a OAB muitas vezes representa um importante suporte. Se a inscrição se tornar facultativa, como argumentou o Ministro Nunes Marques ao citar o estudo sobre doação de órgãos, a "inércia" ou a falta de obrigatoriedade poderia levar a um menor número de inscrições voluntárias, deixando esses profissionais potencialmente mais desguarnecidos. Por outro lado, o Ministro Flávio Dino contrapôs que a faculdade de se inscrever ainda permitiria a busca por essa proteção.
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Quinto Constitucional e Participação na OAB: A participação de advogados públicos em listas sêxtuplas elaboradas pela OAB para o preenchimento de vagas nos tribunais pelo quinto constitucional é outra área de impacto. Se a inscrição não for obrigatória, questiona-se se apenas os inscritos voluntariamente poderiam concorrer ou se a própria natureza da vaga (destinada a "advogados") precisaria ser reinterpretada para incluir advogados públicos não inscritos. A participação em comissões e na vida política da OAB também poderia ser afetada.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):
A decisão do STF também trará reflexos significativos para a OAB.
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Representatividade e Receitas: A eventual desobrigatoriedade da inscrição para um contingente expressivo de advogados públicos (federais, estaduais e, potencialmente, municipais) pode impactar a representatividade numérica da OAB e, consequentemente, suas receitas provenientes de anuidades. Embora a inscrição voluntária permaneça uma possibilidade, é provável que haja uma redução no número total de inscritos dessa categoria.
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Unidade da Advocacia: A OAB historicamente defende a unidade da advocacia, argumentando que todos os que exercem o múnus advocatício devem estar sob sua égide. Uma decisão pela não obrigatoriedade para advogados públicos pode ser vista como uma relativização dessa unidade, aproximando o regime dos advogados públicos ao dos defensores públicos, para os quais a inscrição já não é exigida.
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Fiscalização Ético-Disciplinar: Se a OAB deixar de ter a competência primária ou concorrente para fiscalizar a conduta ético-disciplinar dos advogados públicos no exercício de suas funções, seu papel nesse campo se restringiria aos advogados privados e àqueles públicos que optarem pela inscrição voluntária e atuarem fora de suas atribuições institucionais (se permitido por seus regimes).
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Papel Institucional: A OAB tem um papel histórico e constitucional relevante, incluindo a legitimidade para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade. A discussão sobre a natureza sui generis da entidade e sua relação com as carreiras de Estado pode levar a uma reavaliação ou reafirmação de seu papel e alcance, especialmente no que tange à sua interação com os poderes públicos e seus agentes.
Independentemente do resultado final, o julgamento do RE 609.517 já se configura como um marco na definição dos contornos da advocacia pública no Brasil e de sua relação com a OAB, com potencial para redefinir aspectos importantes da organização e do exercício profissional em ambas as esferas.