A Controvérsia sobre a Vinculação de Advogados Públicos à OAB
A advocacia pública no Brasil desempenha um papel crucial na estrutura do Estado Democrático de Direito, atuando como guardiã da legalidade e defensora do interesse público. Seus membros, investidos em cargos por meio de concurso público, são responsáveis pela representação judicial e extrajudicial dos entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – além de exercerem funções de consultoria e assessoramento jurídico. A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 131 e 132, delineia o perfil dessas carreiras, reconhecendo-as como funções essenciais à Justiça. O artigo 131, por exemplo, estabelece que: "A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo." De forma análoga, o artigo 132 dispõe sobre os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, determinando que serão "organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas."
Paralelamente à estrutura da advocacia pública, existe a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade com um histórico significativo na defesa da sociedade, dos direitos humanos e da própria classe dos advogados. O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94) estabelece, em seu artigo 3º, que "O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)." Essa inscrição é, via de regra, um requisito indispensável para que o bacharel em Direito possa exercer a profissão, submetendo-o às normas ético-disciplinares e prerrogativas geridas pela Ordem.
A controvérsia surge justamente na intersecção desses dois universos: seria o advogado público, cujo vínculo com o Estado é regido por um estatuto próprio e cujo ingresso na carreira se dá por concurso, também obrigado a se inscrever e manter sua inscrição ativa na OAB para o exercício de suas funções institucionais? De um lado, argumenta-se pela unidade da advocacia, sustentando que o múnus é o mesmo, independentemente de o cliente ser o Estado ou um particular, e que a OAB é a casa de todos os advogados, garantindo prerrogativas e fiscalizando a conduta profissional de forma unificada. Nessa linha, a inscrição seria uma forma de fortalecer a própria classe e assegurar a independência técnica. Por outro lado, defende-se que a capacidade postulatória do advogado público decorre diretamente de sua investidura no cargo, após aprovação em concurso, e que seu regime jurídico específico, muitas vezes estabelecido por lei complementar, já contemplaria os deveres, direitos e mecanismos de controle disciplinar, tornando a vinculação à OAB uma duplicidade desnecessária ou até mesmo uma subordinação indevida de uma carreira de Estado a uma entidade de classe, ainda que sui generis.
Essa complexa questão, com implicações diretas para milhares de profissionais em todo o país, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do Recurso Extraordinário (RE) 609.517, oriundo de Rondônia. O julgamento deste recurso foi reconhecido como de repercussão geral (Tema 936), o que significa que a tese a ser fixada pela Corte Suprema servirá de parâmetro para a resolução de todos os casos semelhantes que tramitam nas diversas instâncias do Judiciário brasileiro. A discussão no STF, portanto, não se limita a um caso isolado, mas busca definir o alcance da exigência de inscrição na OAB para o exercício das atividades inerentes ao cargo de advogado público, ponderando os princípios constitucionais e as leis que regem tanto a advocacia pública quanto a Ordem dos Advogados do Brasil. A análise aprofundada dos argumentos, dos votos dos ministros e dos precedentes se faz essencial para compreender a dimensão dessa controvérsia.
O Recurso Extraordinário 609.517: Origem e Argumentos Centrais em Debate
O Recurso Extraordinário (RE) 609.517, que colocou em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) a obrigatoriedade da inscrição de advogados públicos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), teve sua gênese no estado de Rondônia. Conforme relatado pelo Ministro Cristiano Zanin, o caso originou-se de uma ação movida por um advogado da União lotado naquela unidade federativa. Este profissional buscou o reconhecimento judicial de seu direito de atuar em nome da União independentemente de sua inscrição nos quadros da seccional rondoniense da OAB. A demanda foi acolhida em primeira instância e, posteriormente, mantida pela Turma Recursal do Juizado Especial Federal da Seção Judiciária de Rondônia, que "reconheceu o direito do recorrido de atuar judicialmente em nome da União, independentemente da inscrição nos quadros da OAB seccional de Rondônia."
Inconformada com essa decisão, a OAB, por meio de sua seccional de Rondônia, interpôs o Recurso Extraordinário ao STF, com fundamento no artigo 102, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal. A principal alegação da Ordem, conforme consta no relatório do ministro relator, era a de que a decisão da turma recursal teria incorrido em "ofensa aos artigos 131 e 133 da mesma carta [Constituição Federal]". O artigo 131 trata da Advocacia-Geral da União, e o artigo 133 dispõe que "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei." A OAB, tanto a seccional quanto o Conselho Federal (que atuou como assistente no processo), sustenta que o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) é claro ao definir, em seu artigo 3º, que "O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)." Para a entidade, essa regra não comporta exceções para os advogados públicos, pois a natureza da atividade advocatícia seria una, independentemente de quem seja o cliente – o Estado ou um particular. A Ordem argumenta que a inscrição garante a submissão de todos os advogados ao mesmo código de ética e disciplina, além de assegurar as prerrogativas inerentes à profissão, que são defendidas pela OAB. Durante a sustentação oral no STF, o Dr. Vicente Martins Prata Braga, representando o Conselho Federal da OAB, enfatizou: "Não podemos distinguir a advocacia em duas. A advocacia ela é una. (...) A Ordem dos Advogados do Brasil é a casa de toda a advocacia brasileira."
Por outro lado, a argumentação central do advogado público recorrido, e que encontrou respaldo nas instâncias ordinárias, reside na premissa de que sua capacidade postulatória para representar a União em juízo decorre diretamente de sua nomeação e posse no cargo público, após aprovação em concurso. Sustenta-se que o regime jurídico específico da carreira de advogado da União, estabelecido pela Lei Complementar nº 73/93, já define seus direitos, deveres, prerrogativas e o sistema correcional aplicável, tornando a inscrição na OAB uma exigência não prevista constitucionalmente para o desempenho de suas funções institucionais. A ideia é que a investidura no cargo público, por si só, confere a legitimidade para a atuação profissional, sem a necessidade de um ato adicional de inscrição em um conselho de classe, ainda que este possua a relevância da OAB.
A importância da matéria foi reconhecida pelo STF, que admitiu a repercussão geral da controvérsia, cadastrada sob o Tema 936. A questão a ser dirimida pela Corte foi assim delimitada: "Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, II, XIII e XX; 37, caput; e 131 da Constituição Federal, a constitucionalidade da exigência de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que advogados públicos exerçam suas funções, tendo em vista o regime jurídico específico a que estão submetidos." A definição dessa tese pelo STF tem o condão de pacificar o entendimento sobre o tema em todo o território nacional, afetando diretamente a rotina e os direitos de um contingente expressivo de profissionais da advocacia pública.
A Posição da Advocacia-Geral da União (AGU) e de Entidades da Advocacia Pública
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 609.517, a Advocacia-Geral da União (AGU), figurando como parte interessada (recorrida, juntamente com o advogado público autor da ação original), apresentou uma posição que, à primeira vista, poderia parecer contraintuitiva para alguns, mas que reflete um entendimento consolidado internamente e por diversas associações de classe: a defesa da obrigatoriedade da inscrição dos advogados públicos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o Dr. Lian Bispo dos Santos, Advogado da União, representando a AGU, argumentou enfaticamente que "assiste razão à parte recorrente [OAB]". Ele iniciou sua fala relembrando o status constitucional privilegiado da advocacia pública como função essencial à Justiça, conforme o artigo 131 da Constituição Federal. Contudo, divergiu da decisão da Turma Recursal que, segundo ele, "se equivoca ao dizer que há um abismo profissional entre advogados públicos e advogados privados, faz uma separação muito radical, de tal forma que estariam de lados totalmente opostos."
A AGU baseou sua argumentação na premissa de que, embora existam especificidades nas carreiras públicas, a essência da atividade advocatícia é a mesma, seja ela exercida no âmbito público ou privado. O Dr. Lian Bispo dos Santos citou um precedente do próprio STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.652, da relatoria do Ministro Maurício Corrêa, na qual a Corte teria aduzido que "seria absurdo instituir tratamentos diferenciados entre os advogados vinculados a entes estatais e os demais profissionais de advocacia, uma vez que no que diz respeito ao exercício da atividade de advogado, tendo em vista que não há diferenciação entre uns e outros, estão todos igualmente sujeitos à disciplina da profissão." Para a AGU, essa decisão pretérita reforça que a diferenciação reside primordialmente no beneficiário do serviço e no âmbito de atuação, mas não na natureza do múnus advocatício.
Um ponto central na argumentação da AGU foi que o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) complementa o regime jurídico dos advogados públicos. Embora a Lei Orgânica da AGU (Lei Complementar nº 73/93) não preveja expressamente a necessidade de inscrição na Ordem, a instituição entende que essa obrigatoriedade é um "pré-requisito à atuação profissional do advogado público que irá, prestou o concurso público, ingressou nos quadros da Advocacia-Geral da União para advogar." O Dr. Lian Bispo dos Santos comparou a situação com a de um médico que, mesmo atuando em um hospital público após concurso, não deixa de estar submetido ao seu conselho de classe.
A AGU também destacou que a manutenção da inscrição na OAB é importante para a proteção da independência e autonomia técnica dos advogados públicos, especialmente em entes federativos menores ou com estruturas menos consolidadas, onde as garantias estatutárias podem não ser tão robustas quanto as oferecidas pela OAB. A Ordem, nesse sentido, funcionaria como um escudo adicional para as prerrogativas profissionais.
É relevante notar que essa posição da AGU encontra eco em diversas entidades representativas da advocacia pública. O Ministro André Mendonça, em seu voto divergente, mencionou que a obrigatoriedade da inscrição é defendida pela "Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ANAPE), pelo fórum que congrega toda a advocacia pública federal e pela Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM)". Ele citou um trecho de nota pública conjunta dessas associações: "A advocacia pública, portanto, é espécie do gênero advocacia, fato que se sobreeleva no sentimento de pertencimento que coincide com a história da própria Ordem dos Advogados do Brasil (...). Ademais, a dispensa de inscrição na Ordem dos Advogados Públicos na ordem lhes põe em risco de independência técnica e a liberdade do exercício das suas missões constitucionais, criando ainda injustificada distinção de regimes profissionais entre membros de uma mesma classe em ofensa ao princípio da isonomia."
Essa convergência entre a chefia da AGU e as associações de classe demonstra um amadurecimento interno na percepção da importância da vinculação à OAB, não apenas como um dever, mas como um instrumento de fortalecimento e unificação da advocacia brasileira em todas as suas vertentes.
O Voto do Relator, Ministro Cristiano Zanin: Fundamentos para a Não Obrigatoriedade
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 609.517, o Ministro Cristiano Zanin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou um voto que divergiu da posição defendida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Advocacia-Geral da União (AGU). O ministro propôs o desprovimento do recurso da OAB, entendendo pela inconstitucionalidade da exigência de inscrição do advogado público nos quadros da Ordem para o exercício das atividades inerentes ao cargo.
O cerne da argumentação do Ministro Zanin reside na interpretação dos artigos 131 e 132 da Constituição Federal, que tratam, respectivamente, da Advocacia-Geral da União e dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal. Para o relator, a capacidade postulatória do advogado da União "decorre dos artigos 131 e 132 da Constituição Federal." Ele destacou que a própria Constituição, ao disciplinar as funções essenciais à Justiça no Capítulo IV, distinguiu a advocacia pública, a advocacia privada e a Defensoria Pública, estabelecendo requisitos e regimes próprios para cada uma.
Um ponto crucial no voto do Ministro Zanin foi a ênfase na Lei Complementar nº 73/93, que institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União. Ele ressaltou que o artigo 131 da Constituição exige expressamente lei complementar para dispor sobre a organização e funcionamento da AGU, enquanto não há tal exigência para a advocacia privada, regida pelo Estatuto da OAB, que é uma lei ordinária. O ministro observou que a Lei Complementar 73/93 "não prevê a necessidade de inscrição na OAB para o exercício das atividades dos seus integrantes". Além disso, o artigo 28, inciso I, da referida lei complementar veda aos membros da AGU o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
Para reforçar sua tese, o Ministro Zanin invocou o precedente firmado pelo STF no julgamento do Tema 1.074 da Repercussão Geral (RE 1.240.999), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 2021. Naquela ocasião, o Plenário decidiu pela inconstitucionalidade da exigência de inscrição do defensor público nos quadros da OAB. O Ministro Zanin argumentou que o mesmo raciocínio deveria ser aplicado aos advogados da União:
"Entendeu [o Plenário] que a capacidade postulatória do defensor público decorre do seu ingresso na carreira mediante o concurso público. Então, a partir do momento que ele passa no concurso público, ele é investido no cargo, ele passa a ter a capacidade postulatória, independentemente de qualquer inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (...). Entendo que o mesmo raciocínio que o plenário fez para chegar à conclusão de que o defensor público não precisa estar inscrito na ordem dos advogados para exercer as suas funções, também se aplica à advocacia da União."
O relator também expressou dificuldade em conciliar a ideia de que o advogado da União estaria sujeito a um órgão correcional específico de sua carreira e, ao mesmo tempo, ao órgão correcional da OAB, caso a inscrição fosse obrigatória para o exercício da função pública. Ele considerou que isso seria como "puxar metade de uma situação específica e deixar uma outra parte de lado."
Apesar de entender pela não obrigatoriedade, o Ministro Zanin não viu óbice para que o advogado da União, voluntariamente, optasse por se inscrever na OAB. Essa inscrição, contudo, não seria um requisito para o exercício da função pública, mas uma escolha individual.
Com base nesses fundamentos, o Ministro Cristiano Zanin votou por negar provimento ao recurso extraordinário da OAB e propôs a seguinte tese de repercussão geral (que, após debates, foi ajustada para conter apenas o primeiro item):
"É inconstitucional, por violar o artigo 131 da Constituição, a exigência de inscrição do advogado público nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício de atividades inerentes ao cargo público."
Art. 131. da CF. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Inicialmente, a tese proposta também continha um segundo item que tratava da possibilidade de inscrição voluntária, individualmente ou mediante ato administrativo entre o órgão estatal e a OAB, observadas as incompatibilidades legais. No entanto, após sugestões de outros ministros, como Gilmar Mendes e Flávio Dino, o relator concordou em suprimir este segundo item, concentrando a tese na declaração de inconstitucionalidade da exigência. A supressão do item 2, contudo, não eliminou a compreensão de que a inscrição voluntária permaneceria possível, apenas não seria matéria da tese vinculante sobre a obrigatoriedade.
Divergências e Debates no Plenário do STF: Perspectivas dos Ministros
O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 609.517 no Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcado por intensos debates e divergências entre os ministros, refletindo a complexidade da questão sobre a obrigatoriedade da inscrição de advogados públicos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Enquanto o relator, Ministro Cristiano Zanin, e um grupo de ministros defenderam a inconstitucionalidade da exigência, outros apresentaram votos divergentes, ressaltando a unidade da advocacia e a importância da OAB.
Ministros que Acompanharam o Relator:
O Ministro Alexandre de Moraes, que relatou o precedente sobre a não obrigatoriedade de inscrição para defensores públicos (Tema 1.074), acompanhou integralmente o Ministro Zanin. Ele reforçou que a Constituição estabelece a advocacia pública em seção separada da advocacia privada e que a Lei Complementar nº 73/93, que rege a Advocacia-Geral da União (AGU), não impõe tal inscrição. O ministro alertou para o risco de submeter uma instituição de Estado, como a AGU, à supervisão de uma entidade como a OAB, que também possui interesses privados. Ele ponderou:
"Eventualmente, se a OAB (...) fosse contrária a um determinado advogado-geral da União, estabelecesse um procedimento disciplinar e cassasse a OAB desse advogado-geral da União, imediatamente ele perderia o cargo."
Embora o Ministro André Mendonça tenha aparteado que a parte correcional já é garantida à AGU, o Ministro Alexandre de Moraes manteve sua preocupação com a subordinação.
O Ministro Gilmar Mendes também acompanhou o relator, focando no primeiro ponto da tese proposta (a não obrigatoriedade). Ele relembrou sua experiência como Advogado-Geral da União, mencionando que
"em momentos bastante tensos (...) havia ameaça por conta de interesses contrariados à atuação da própria AGU, ameaça de processo contra o próprio advogado-geral da União na Ordem dos Advogados do Brasil."
Para ele, fixar a obrigatoriedade não seria correto do ponto de vista institucional, e a solução do relator, permitindo a inscrição voluntária, seria a mais adequada.
O Presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, embora manifestando apreço pela OAB, alinhou-se à jurisprudência firmada para outras categorias da advocacia pública, como a Defensoria Pública, e aderiu à posição do Ministro Zanin, também com a ressalva de que pararia na primeira proposição da tese (a inconstitucionalidade da exigência).
O Ministro Flávio Dino acompanhou o relator com a observação do Ministro Gilmar Mendes (supressão do item 2 da tese). Ele levantou a questão da natureza sui generis da OAB, que ora se apresenta com face pública, ora privada, e argumentou que, se a face privada prevalece em questões como a não submissão ao Tribunal de Contas da União (TCU), deveria prevalecer também no sentido da voluntariedade da associação. Além disso, considerou o precedente do Tema 1.074 (defensores públicos) como um "empecilho intransponível" para uma decisão diferente, por não ver distinção material substancial entre a atuação dos defensores e dos advogados públicos.
Ministros Divergentes:
O Ministro Edson Fachin, que havia pedido destaque do caso no plenário virtual, abriu a divergência. Ele votou pelo provimento do recurso da OAB, defendendo a constitucionalidade da exigência de inscrição. Para o ministro, "a função essencial à justiça da advocacia não pode estar dividida entre duas categorias distintas, pois em essência a profissão de advogado é uma única profissão." Ele argumentou que os advogados públicos, ao exercerem múnus público, não deixam de integrar a carreira da advocacia e devem se sujeitar cumulativamente ao regime jurídico de seu cargo e às normas da OAB.
O Ministro André Mendonça, que atuou por 21 anos na AGU, também divergiu do relator. Ele sustentou que os artigos 131, 132 e 133 da Constituição formam um "plexo normativo único" tratando do mesmo gênero de profissionais: o advogado. Para ele, a inscrição na OAB unifica toda a advocacia e garante a inviolabilidade das manifestações dos advogados públicos, conforme o artigo 133. Citou o consenso interno na advocacia pública federal, estadual e municipal em favor da inscrição, conforme manifestações de suas associações.
O Ministro Nunes Marques acompanhou a divergência inaugurada pelo Ministro Fachin e seguida pelo Ministro André Mendonça. Ele relembrou sua trajetória na advocacia e na OAB, destacando a importância histórica da Ordem. Argumentou que o enfraquecimento da OAB, com a saída de diversas categorias de advogados públicos, seria prejudicial. Questionou como ficaria a regulamentação da advocacia pública sem o detalhamento de direitos e deveres previsto no Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94), e mencionou a importância da Ordem na composição de listas para o quinto constitucional e na defesa de prerrogativas, especialmente para procuradores municipais em estruturas menos consolidadas.
O Ministro Luiz Fux apresentou um voto com uma posição intermediária, dando parcial provimento ao recurso. Ele considerou que a inscrição seria obrigatória em duas situações: quando o concurso público para a carreira de advogado público exige como requisito a inscrição prévia na OAB; e nas hipóteses em que as carreiras públicas admitem o exercício concomitante da advocacia privada. Nos casos em que há impedimento para a advocacia privada após a posse, cessaria a necessidade de manter a inscrição e o pagamento de anuidades.
O julgamento foi suspenso após o pedido de vista do Ministro Dias Toffoli. A Ministra Carmen Lúcia indicou que aguardaria o voto-vista para se manifestar.
Os debates também tangenciaram a natureza jurídica da OAB, qualificada como "autarquia sui generis", uma expressão que, como lembrou a Ministra Carmen Lúcia, remonta a votos do Ministro Carlos Velloso e reflete a posição peculiar da entidade no ordenamento jurídico brasileiro, com prerrogativas constitucionais únicas, mas também com exclusões de certas exigências aplicáveis a outras autarquias.