Resumo: Este artigo analisa criticamente a flexibilização da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) no contexto brasileiro e seus efeitos sobre a segurança jurídica no ordenamento jurídico ambiental. Com o objetivo de avaliar se a simplificação do licenciamento ambiental compromete a previsibilidade normativa e a proteção ambiental, o trabalho adota uma abordagem qualitativa e bibliográfica, com base em doutrina, legislação e jurisprudência atualizada, especialmente decisões do STJ. Observa-se que a LAC, embora concebida para desburocratizar o processo de licenciamento e fomentar o desenvolvimento econômico, pode gerar lacunas na responsabilização por danos ambientais e dificultar a fiscalização adequada. Os resultados indicam que a ausência de avaliação prévia de impactos ambientais, característica da LAC, fragiliza a efetividade da tutela ambiental, promovendo insegurança jurídica tanto para empreendedores quanto para a coletividade. Conclui-se que é necessário estabelecer limites normativos claros para o uso da LAC, garantindo segurança jurídica e proteção ambiental equilibradas.
Palavras-chave: Licenciamento ambiental; LAC; segurança jurídica; Direito Ambiental; retrocesso ambiental.
A crescente demanda por celeridade nos processos administrativos levou o Estado brasileiro a adotar mecanismos de flexibilização no licenciamento ambiental, destacando-se a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). Implementada em diversos estados e com previsão na Resolução CONAMA nº 237/1997, além de ter sido referenciada em legislações setoriais como o Novo Marco do Saneamento, a LAC permite que determinadas atividades, de menor potencial poluidor, sejam licenciadas mediante simples declaração do empreendedor, acompanhada do cumprimento de requisitos e condicionantes previamente estabelecidos pelo órgão ambiental. Contudo, essa simplificação tem gerado controvérsias no meio jurídico e ambiental, especialmente no que tange à segurança jurídica e à efetividade da proteção ambiental. Este artigo tem como objetivo investigar de que forma a flexibilização proporcionada pela LAC compromete ou fortalece a segurança jurídica no contexto do Direito Ambiental brasileiro.
Autores como Fiorillo (2022) e Machado (2023) destacam que a segurança jurídica é um princípio essencial ao Estado de Direito e deve permear todas as fases do licenciamento ambiental. A LAC, por outro lado, segundo Mirra (2021), pode tensionar a lógica da precaução ao permitir que a análise técnica prévia, característica do licenciamento tradicional, seja substituída por declarações unilaterais e adesão a termos de compromisso, o que pode gerar insegurança quanto à regularidade e aos impactos ambientais do empreendimento. A literatura aponta, ainda, para uma crescente judicialização dos casos envolvendo LAC, reforçando a necessidade de cautela em sua aplicação e regulamentação.
A implementação da LAC tem ocorrido de forma heterogênea entre os estados, muitas vezes sem critérios técnicos suficientemente claros para definir as atividades elegíveis ou os mecanismos de controle. O STJ, em decisões como o REsp 1.894.252/SP, tem sinalizado a necessidade de garantir alguma forma de avaliação de impactos ou controle preventivo, mesmo nos casos de licenciamento simplificado. Ademais, observa-se um aumento de ações judiciais questionando a legalidade de licenças concedidas por meio da LAC, especialmente em situações onde se alega a ausência de estudo prévio de impacto ambiental (EIA/RIMA) para atividades de maior potencial, ou a fragilidade da fiscalização a posteriori.
A flexibilização do licenciamento, defendida por setores econômicos como forma de desburocratizar e agilizar investimentos, deve ser analisada à luz do princípio da precaução e da função socioambiental do próprio licenciamento. A LAC, ao dispensar ou simplificar excessivamente a avaliação técnica prévia, pode comprometer o controle social e técnico do processo, gerando insegurança tanto para o empreendedor – que pode ver seu empreendimento questionado judicialmente – quanto para o meio ambiente e a coletividade. Nesse sentido, a ausência de uma padronização nacional robusta e de limites normativos claros para a aplicação da LAC reforça a incerteza jurídica e pode favorecer retrocessos na proteção ambiental, ferindo o princípio da vedação ao retrocesso ecológico.
A análise da LAC revela um cenário ambíguo: ao mesmo tempo em que pode promover celeridade e desburocratização para atividades de baixo impacto, sua aplicação indiscriminada ou mal regulamentada compromete princípios fundamentais do Direito Ambiental, como a precaução, a prevenção e a própria segurança jurídica. A ausência de análise técnica prévia aprofundada em certos casos e a excessiva confiança na autodeclaração do empreendedor tornam a LAC um instrumento potencialmente frágil do ponto de vista da proteção ambiental efetiva. Diante disso, recomenda-se a contínua avaliação e, se necessário, a revisão normativa da LAC, com delimitação clara de suas hipóteses de aplicação, estabelecimento de critérios técnicos sólidos e mecanismos efetivos de controle e fiscalização, a fim de garantir a efetividade da proteção ambiental e a previsibilidade jurídica para todos os envolvidos.
Referências
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2023.
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Licenciamento ambiental e o princípio da precaução. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 106, p. 33-54, 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.894.252/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/03/2024.
BRASIL. Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011.
CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997.