Capa da publicação Débora do batom e o caso "Perdeu, Mané"
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Caso "Perdeu, Mané"

19/05/2025 às 07:36

Resumo:


  • Débora Rodrigues dos Santos, conhecida como a "mulher do batom", ficou famosa por pichar a estátua "A Justiça" em atos golpistas.

  • Após ser presa, Débora foi beneficiada com prisão domiciliar devido à boa conduta, cumprimento de parte da pena e ter filhos menores de doze anos.

  • Débora foi condenada a 14 anos de reclusão por crimes como dano qualificado, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e deterioração de bem especialmente protegido.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

"Débora do Batom" foi condenada a até 14 anos por associação criminosa e tentativa de golpe. A pena foi desproporcional ou seguiu critérios legais da dosimetria?

Débora Rodrigues dos Santos, conhecida como a "mulher do batom", ficou famosa durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 por pichar a estátua "A Justiça", em frente ao Supremo Tribunal Federal, com a frase "Perdeu, mané" – em direta alusão à frase dita pelo Ministro do STF Luís Roberto Barroso quando confrontado por um integrante da turba.

Presa, permaneceu detida por algum tempo, até ser beneficiada com prisão domiciliar.

Esta decisão de progressão para o regime domiciliar foi tomada com base na boa conduta carcerária de Débora, no cumprimento de parte da pena (mais de 25%, conforme critérios legais para progressão) e no fato de ter filhos menores de doze anos. Débora deverá cumprir a prisão domiciliar em sua cidade no interior de São Paulo, com uso de tornozeleira eletrônica.

Recentemente, o STF julgou o mérito da ação penal, e Débora foi condenada. A pena-base fixada pelo relator, Ministro Alexandre de Moraes, foi de quatorze anos de reclusão. O Ministro Cristiano Zanin divergiu parcialmente, aplicando a atenuante da confissão e considerando os bons antecedentes para fixar a pena total em onze anos.

Alguns passaram a esbravejar contra a condenação, tratando a ré como mártir e alcunhando as penas como ilegais ou desproporcionais. No entanto, mesmo oscilando entre quatorze e onze anos de reclusão, é preciso avaliar os crimes pelos quais Débora foi condenada:

  • artigo 163, parágrafo único, do Código Penal (dano qualificado),

  • artigo 288, parágrafo único, do Código Penal (associação criminosa armada),

  • artigo 359-L do Código Penal (abolição violenta do Estado Democrático de Direito),

  • artigo 359-M do Código Penal (golpe de Estado), e

  • artigo 62, inciso I, da Lei nº 9.605/1998 (deterioração de bem especialmente protegido).

Cumpre recordar que o Tema 182 do Supremo Tribunal Federal discute a adequação da valoração das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal na fundamentação da fixação da pena-base pelo juízo sentenciante.

A tese firmada é que essa questão tem natureza infraconstitucional e, portanto, não possui repercussão geral, ou seja, sua análise detalhada não cabe ao STF em sede de Recurso Extraordinário. A questão fica a cargo do Superior Tribunal de Justiça – que, nos processos ordinários, tem a última palavra em termos de atribuição de pena quando não há questão constitucional envolvida.

Por sua vez, a jurisprudência pacífica do STJ considera idôneo, na primeira fase da dosimetria, o aumento de 1/6 sobre o mínimo da pena cominada (ou 1/8 sobre o intervalo entre as penas mínima e máxima) para cada circunstância judicial valorada negativamente.

Se o ministro relator no STF tivesse seguido estritamente essa linha, considerando que valorou negativamente quatro circunstâncias judiciais, a pena poderia alcançar patamares ainda maiores. Por exemplo, no crime de golpe de Estado (artigo 359-M), cujas penas variam entre quatro e doze anos, a pena-base poderia ser estipulada, no mínimo, em seis anos e oito meses (4 anos + 4/6 de 4 anos), em vez dos cinco anos de reclusão atribuídos por Moraes para este delito específico.

Os tipos penais pelos quais Débora foi condenada, por si sós, preveem reprimendas robustas. Os artigos 359-M e 359-L, mesmo em seus mínimos legais, já sustentariam, ao menos, um regime inicial semiaberto. Em concurso material de crimes, então, facilmente se chega a penas que justificam o regime fechado. Isso, evidentemente, é produto da vontade do legislador e, igualmente, do presidente da República que sancionou as alterações no Código Penal que incluíram esses crimes contra o Estado Democrático de Direito – nesse particular, quem sancionou a lei que os tipificou foi Jair Messias Bolsonaro (Lei nº 14.197/2021).

Enfim, a condenação da autointitulada mártir do "Perdeu, mané" parece justa, escorreita e em consonância com os ditames legais vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. A frase na estátua foi a assinatura final de uma narrativa golpista construída ao longo de meses.

Escreveu o Ministro Moraes em seu voto: "A denunciada [...] concorreu para a prática dos crimes, somando sua conduta, em comunhão de esforços com os demais autores, objetivando a prática das figuras típicas imputadas".

Um dos equívocos mais comuns nas críticas ao julgamento é ignorar o conjunto de crimes imputados à ré. Débora não está sendo processada "apenas por pichar uma estátua". Se fosse somente por isso, a pena seria consideravelmente menor: o crime de deterioração de patrimônio tombado (Art. 62, I, Lei 9.605/98) tem pena máxima de três anos de detenção, e permitiria, inclusive, sanções alternativas à prisão, a depender das circunstâncias.

Na realidade, a pena de quatorze anos (proposta pelo relator) decorre do concurso material de cinco crimes, todos descritos como resultantes de uma "obra comum" e parte de uma empreitada criminosa coletiva.

Segundo o Ministro Moraes, "o desencadeamento violento da empreitada criminosa afasta a possibilidade de que a denunciada tenha ingressado na Praça dos Três Poderes de maneira incauta".

A conclusão não se baseia apenas no gesto com o batom, mas em um conjunto probatório que inclui laudos, imagens, mensagens e o depoimento da própria ré, que admitiu o ato de vandalismo – um vandalismo direcionado contra a Justiça, o Poder Judiciário e, fundamentalmente, contra a democracia brasileira.

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Referências

Redação MIGALHAS. Não é pelo batom: Pena de 14 anos a bolsonarista se funda em crimes graves. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/426845/nao-e-pelo-batom-pena-de-14-anos-a-debora-se-funda-em-crimes-graves Acesso em 18.5.2025.

DE LEMOS, Marcelo Augusto Rodrigues. Desmistificando as penas do 8/1: o caso Débora. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mai-17/desmistificando-as-penas-do-8-1-o-caso-debora/ Acesso em 18.5.2025.

MAIA, Flávia. Moraes concede prisão domiciliar à mulher que pichou estatura com batom no 8 de janeiro. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/moraes-concede-prisao-domiciliar-a-mulher-que-pichou-estatua-com-batom-no-8-de-janeiro Acesso em 18.5.2025.

_______________. STF condena mulher que pichou estátua maioria votou por pena de 14 anos. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-tem-maioria-para-condenar-mulher-que-pichou-estatua-mas-pena-esta-indefinida Acesso em 18.5.2025.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. Caso "Perdeu, Mané". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7992, 19 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113988. Acesso em: 5 dez. 2025.

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