Resumo: O artigo analisa os princípios da especialidade subjetiva e objetiva aplicados ao registro de imóveis, fundamentais para garantir a segurança jurídica, a publicidade e a autenticidade dos atos registrais. O registrador, como delegado do poder público, deve atuar com base na legalidade e nos princípios que regem sua função. A especialidade objetiva refere-se à exata descrição e individualização do imóvel, conforme exigências do artigo 176 da Lei 6.015/1973, enquanto a especialidade subjetiva trata da correta qualificação dos sujeitos envolvidos no ato, como nome, estado civil, CPF, profissão, e, no caso de pessoas jurídicas, CNPJ e sede. O respeito a esses princípios evita erros e assegura a validade do registro. O descumprimento de tais requisitos compromete a precisão e a eficácia jurídica do sistema registral.
Palavras-chave: Registro de Imóveis – Especialidade Objetiva – Especialidade Subjetiva – Segurança Jurídica – Lei 6.015/1973
O notário e o registrador são colaboradores do poder público, e o desempenho de suas funções é de fundamental importância para a vida em sociedade. O registro, na qualidade de ato praticado pelo registrador, é a atividade cuja finalidade precípua é de constituir ou declarar o direito real, através da inscrição do título respectivo, dotando as relações jurídicas de segurança e de publicidade para terceiros. Nos termos da Lei 8.935/1994:
“Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.”
O registrador é o profissional do direito, titular do serviço registral, dotado de fé pública, cuja fiscalização incumbe ao poder judiciário, nos termos do artigo 37 da Lei 8.935/1994:
“Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos arts. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.”
A sua atividade detém caráter privado, ocorrendo após delegação do poder público. Para a consecução de suas funções, o registrador pauta sua atuação na lei, visto ser a ela atrelado, e em determinados princípios.
Os princípios de regência norteiam o registrador na prática dos seus atos, decisões e ações, e têm como objetivo prover o alicerce para a sua prática profissional. É através deles que podemos compreender a dimensão jurídica e de validade da atividade registral. Sobre a importância dos princípios, elucida Miguel Reale:
“Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.” 1
Dentre os princípios de regência, o da especialidade é um dos que se destaca. A preocupação do registrador observá-lo durante a sua prática profissional contribui para trazer a segurança jurídica necessária para os seus atos. Em especial, quando são voltados para o registro de imóveis, que têm maior representatividade e expressão.
No contexto do registro de imóveis, o princípio da especialidade diz respeito à individualização, a caracterização dos imóveis e das pessoas envolvidas no ato de registro, estabelecendo a necessidade de o documento submetido a registro estar totalmente descrito e caracterizado, de modo a não deixar nenhuma dúvida acerca de seu conteúdo.
O objeto e os sujeitos envolvidos no ato que se busca levar a registro devem estar perfeitamente descritos, de maneira a se permitir a exata localização do bem no mundo físico e, as pessoas que figurarem no ato, devem, da mesma maneira, ser perfeitamente identificadas. Em virtude da distinção entre a identificação precisa dos sujeitos e do objeto, o princípio da especialidade se subdivide em princípio da especialidade objetiva, quando voltados a identificação do bem, e em princípio da especialidade subjetiva, quando voltados a identificação das pessoas.2
O princípio da especialidade objetiva, conforme visto acima, busca assegurar que o imóvel seja descrito de maneira precisa, a fim de não abrir margens para erros na sua identificação. Para atingir a essa finalidade, a Lei de Registros Públicos, Lei 6.015/1973, especifica em seu artigo 176 quais os componentes obrigatórios para a correta individualização dos imóveis:
“Art. 176. - O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167. e não atribuídos ao Livro nº 3.
§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas: [...]
II - são requisitos da matrícula:[...]
3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:
a - se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área;
b - se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver. [...]”
Conforme é possível se depreender do dispositivo em epígrafe, o imóvel deve ser identificado em sua matrícula de acordo com suas características e confrontações e, sendo urbano, sua localização, área, logradouro, numeração correspondente e de designação se houver.
No imóvel rural, por outro lado, além das características e confrontações, deve constar o código do imóvel, dos dados constantes da Emissão do Certificado de Cadastro do Imóvel Rural – CCIR e de sua denominação. Caso a caracterização do imóvel constante do título apresentado para registro no Cartório de Imóveis não coincida com aquela que consta da matrícula deverá o oficial recusar o ingresso do referido título no cadastro imobiliário.
Assim como ocorre com os imóveis, os sujeitos envolvidos no ato ou negócio jurídico que se busca levar a registro devem ser pormenorizados. A qualificação dos participantes deve estar perfeitamente descrita, não somente na matrícula, mas, da mesma forma, nos títulos apresentados no cartório.
Os requisitos que devem ser respeitados pelo registrador no momento da apreciação do título levado a registro, são de observância obrigatória e estão previstos também no artigo 176, II da Lei de Registros Públicos, Lei 6.015/1973:
“Art. 176. [...]
§ 1º [...]
II -:[...]
4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário , bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação;
b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda ;[...]”
Assim, em obediência à norma, na discriminação dos sujeitos que constarem do título que se busca o registro, deve constar o nome, o domicílio e nacionalidade do proprietário. Para pessoas físicas deve haver, além das informações acima mencionadas, o estado civil, profissão, CPF, RG e filiação na falta do registro. Para pessoas jurídicas, as informações adicionais são os dados de sede social e CNPJ.
Importante destacar que o estado civil, fundamental de identificação do sujeito do ato de registro e pessoa física, engloba a especificação do regime de bens, nome do cônjuge e da data do casamento.
A obediência aos requisitos acima destacados assegura a personalização dos sujeitos envolvidos no ato ou no negócio jurídico, minimizando os riscos de erros potencialmente capazes de acarretar a perda ou a diminuição da segurança jurídica necessária para o ato.
Conforme demonstrado, o princípio da especialidade encerra papel fundamental ao estabelecer o norte a ser seguido pelo registrador no momento da apreciação do título, antes da formalização do registro do ato ou do negócio jurídico. E o seu desrespeito, seja na especialidade objetiva ou subjetiva, desconfigura a certeza e a precisão do Registro Imobiliário.
Referências
BRASIL. Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236. da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios). Diário Oficial da União, Brasília, 21 nov 1994. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm> Acesso em 03 out 2024.
BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez 1973. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm> Acesso em 03 out 2024.
OLIVEIRA, Lilian Maria Gomes. O princípio da especialidade subjetiva e os regimes de bens no cartório de registro de imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4130, 22 out. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/30380/o-principio-da-especialidade-subjetiva-e-os-regimes-de-bens-no-cartorio-de-registro-de-imoveis> . Acesso em: 03 outt. 2024.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 750. p.
Notas
1 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p 60.
2 OLIVEIRA, Lilian Maria Gomes. O princípio da especialidade subjetiva e os regimes de bens no cartório de registro de imóveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4130, 22 out. 2014.