5. Contrato de trabalho intermitente: legalização da precarização
A introdução do contrato de trabalho intermitente no Brasil, por meio da Lei nº 13.467/2017, insere-se em um movimento mais amplo de flexibilização das legislações trabalhistas em diversos países, frequentemente justificado pela necessidade de adaptação às novas dinâmicas econômicas e de fomento à empregabilidade. No entanto, uma análise crítica dessa modalidade contratual revela que seus potenciais benefícios para os empregadores, em termos de redução de custos e maior adaptabilidade da mão de obra, ocorrem em detrimento da segurança e dos direitos dos trabalhadores, aprofundando um quadro de precarização laboral.
Os defensores do contrato intermitente argumentam que ele possibilita a formalização de trabalhadores que antes atuavam na informalidade (os "bicos"), além de atender às necessidades de setores com demanda flutuante, como turismo, eventos e comércio em datas comemorativas. Alegam, ainda, que oferece ao trabalhador a liberdade de aceitar ou não a convocação e de manter múltiplos vínculos empregatícios. Contudo, essa "liberdade" é frequentemente questionada quando se considera a assimetria de poder na relação capital-trabalho e a premente necessidade de renda do trabalhador, que pode se ver compelido a aceitar convocações desfavoráveis ou a permanecer em um estado de "disponibilidade ansiosa" (CARELLI, 2017).
A realidade observada desde a implementação da Reforma Trabalhista sugere que o contrato intermitente tem sido utilizado não apenas para suprir demandas esporádicas, mas também como forma de substituir postos de trabalho permanentes e com direitos mais consolidados, visando à redução de encargos trabalhistas pelas empresas. Dados de órgãos como o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) e estudos acadêmicos necessitam ser continuamente analisados para mensurar a real extensão e os impactos dessa modalidade.
A precarização manifesta-se na instabilidade da renda, na imprevisibilidade da jornada, na dificuldade de acesso a benefícios previdenciários e na fragilização da organização sindical. Como aponta Pochmann (2019), a disseminação de formas atípicas de contratação, como a intermitente, contribui para a constituição de um "subproletariado moderno", com direitos mitigados e inserção laboral frágil.
As perspectivas futuras exigem um monitoramento rigoroso da aplicação do contrato intermitente e uma discussão aprofundada sobre seus limites e possíveis correções. A fiscalização do trabalho tem um papel crucial em coibir abusos e garantir que essa modalidade não seja utilizada para fraudar a legislação trabalhista ou para submeter trabalhadores a condições análogas à informalidade, porém com roupagem legal.
Ademais, é fundamental que o debate sobre a modernização das relações de trabalho não perca de vista a centralidade do trabalho decente, conceito preconizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que pressupõe emprego produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. Nesse sentido, questiona-se se o contrato intermitente, na sua atual configuração, é compatível com os princípios do trabalho decente e com os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1º, III e IV, CF/88).
Alternativas que busquem conciliar a necessidade de flexibilidade das empresas com a segurança dos trabalhadores devem ser exploradas, como a melhoria dos mecanismos de proteção social para trabalhadores em regimes atípicos e o fortalecimento da negociação coletiva para regular as condições específicas de aplicação do contrato intermitente em cada setor, estabelecendo, por exemplo, garantias mínimas de horas ou remuneração.
Considerações finais
O contrato de trabalho intermitente, introduzido no Brasil pela Reforma Trabalhista de 2017, representa uma das mais significativas e controversas alterações na legislação laboral das últimas décadas. Concebido sob a promessa de flexibilizar as relações de trabalho, formalizar ocupações esporádicas e gerar empregos, essa modalidade contratual tem sido objeto de intenso debate jurídico e social, especialmente no que tange ao seu potencial de aprofundar a precarização do trabalho.
Ao longo deste artigo, buscou-se analisar as características do contrato intermitente e seus reflexos sobre as condições de vida e de trabalho dos empregados submetidos a esse regime. Verificou-se que a principal marca dessa modalidade é a alternância entre períodos de atividade e inatividade, com remuneração restrita às horas efetivamente laboradas. Essa configuração intrínseca acarreta uma série de consequências negativas para o trabalhador, destacando-se a insegurança de renda, a imprevisibilidade da jornada, a dificuldade de planejamento financeiro e pessoal, e a fragilização do acesso a direitos trabalhistas e previdenciários.
A ausência de uma garantia mínima de convocação ou de remuneração mensal transfere ao trabalhador os riscos da flutuação da demanda do empregador, subvertendo a lógica protetiva do Direito do Trabalho, que historicamente buscou equilibrar a relação assimétrica entre capital e trabalho. Embora a lei preveja o pagamento de verbas proporcionais como férias e décimo terceiro salário, a intermitência da prestação de serviços e, consequentemente, da remuneração, pode tornar irrisórios os valores recebidos e dificultar o gozo efetivo desses direitos.
Ademais, a pulverização dos vínculos e a instabilidade contratual tendem a enfraquecer a organização coletiva dos trabalhadores e a minar seu poder de barganha, dificultando a defesa de seus interesses e a melhoria de suas condições laborais. Os impactos na saúde do trabalhador, decorrentes do estresse e da ansiedade gerados pela incerteza constante, também não podem ser negligenciados.
Conclui-se, portanto, que o contrato de trabalho intermitente, na forma como foi legislado e vem sendo implementado, configura-se como um significativo vetor de precarização das relações de trabalho no Brasil. Embora possa, em situações muito específicas, representar uma alternativa de formalização, seu uso indiscriminado e a ausência de mecanismos robustos de proteção ao trabalhador intermitente tendem a consolidar um modelo de emprego que nega garantias mínimas e aprofunda a vulnerabilidade social.
Para reverter esse quadro, são necessárias não apenas uma fiscalização mais rigorosa e uma interpretação judicial que prime pela proteção ao trabalhador, mas também uma revisão legislativa que estabeleça limites mais claros à sua aplicação e garanta um patamar mínimo de segurança e dignidade para aqueles que se encontram sob essa modalidade contratual. O desafio reside em encontrar um equilíbrio entre a necessária modernização das relações de trabalho e a preservação dos direitos e da dignidade da pessoa que trabalha, fundamentos essenciais de uma sociedade justa e solidária.
Referências
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WORK RELATIONS THROUGH INTERMITTENT CONTRACTS – Precarization of Work Relations Through Intermittent Contracts
Abstract: This article analyzes the precariousness of labor relations in contemporary Brazil, with a specific focus on the intermittent employment contract modality, introduced by Law No. 13,467/2017, known as the Labor Reform. The main objective is to investigate how this form of hiring, characterized by alternating periods of service provision and inactivity, impacts workers' stability, rights, and quality of life. The methodology employed is based on a bibliographic review of legal doctrines, scientific articles, relevant legislation, and socioeconomic data. The concept of work precariousness and its manifestations are discussed, contrasting arguments favorable to the flexibilization of labor laws with the consequences observed in practice, such as income insecurity, difficulty in financial and personal planning, weakening of union representation, and compromised access to labor and social security benefits. It is concluded that, although the intermittent contract may represent an alternative for market insertion for some, its intrinsic structure and the way it has been applied tend to deepen labor precariousness, transferring the risks of economic activity to the worker and eroding historically conquered guarantees.
Keywords: Intermittent Contract. Precarious Work. Labor Reform. Labor Rights. Labor Flexibilization.