Resumo: Este artigo analisa a inserção e a proteção jurídica das pessoas trans no mercado de trabalho brasileiro, com foco na legislação constitucional e trabalhista vigente. Embora haja avanços importantes no reconhecimento da identidade de gênero e na promoção de direitos, pessoas trans ainda enfrentam exclusão sistemática, marcada por altos índices de informalidade, evasão escolar e discriminação no ambiente profissional. A pesquisa examina os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, além da aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) à luz de uma interpretação ampliada que inclua a identidade de gênero como categoria protegida. Também são discutidos dados de exclusão profissional, jurisprudências relevantes e iniciativas pontuais, tanto públicas quanto privadas, voltadas à inclusão dessa população. Apesar dos avanços normativos e jurisprudenciais, observa-se a necessidade de políticas públicas mais eficazes e da adoção de ações afirmativas que enfrentem a transfobia institucional e promovam a inclusão real. O estudo conclui que a efetiva participação das pessoas trans no mercado de trabalho depende não apenas do aparato jurídico, mas também de transformações culturais e do compromisso intersetorial com a igualdade de oportunidades.
Palavras-chave: Identidade de gênero. Pessoas trans. Direito do Trabalho.
Sumário: 1. Introdução. 2. Compreendendo a identidade de pessoas transexuais. 2.1. Conceitos e terminologias. 2.2. Identidade de gênero e o reconhecimento social e jurídico. 3. Desafios para a inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho. 3.1. Estigmas e discriminação. 3.2. Barreiras de acesso e permanência no emprego. 3.3. Relatos e dados sobre a exclusão profissional. 4. Proteção constitucional inclusão laboral e desafios à efetivação dos direitos das pessoas trans. 4.1. Fundamentos constitucionais e direitos trabalhistas. 4.2. Aplicabilidade da legislação trabalhista. 4.2.1. Jurisprudência dos tribunais sobre a proteção de pessoas trans nas relações de trabalho. 4.3. Obstáculos persistentes e propostas para inclusão efetiva. 5. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, tem se debatido muito sobre a inclusão de pessoas transgêneras no mercado de trabalho. Este assunto tem se tornado relevante devido ao número crescente de demandas judiciais e propostas legislativas, que visam garantir a igualdade de acesso e a proteção contra a discriminação no ambiente laboral. Entretanto, mesmo com alguns avanços, a realidade das pessoas transgêneras estão bem distantes da ideal, pois, elas ainda são marginalizadas e muito discriminadas neste ambiente.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a legislação trabalhista brasileira com relação à proteção e inclusão das pessoas trans no mercado de trabalho. Deste modo pretende-se identificar as lacunas legais existentes em nosso ordenamento jurídico referente ao assunto. Tem-se como objetivos específico mapearas legislações trabalhistas existente, sobre a discriminação de gênero; identificar as barreiras legais e institucionais que afetam diretamente o ingresso das pessoas trans no mercado de trabalho; analisar a eficácia das políticas públicas e práticas privadas de inclusão; verificar jurisprudências e decisões judiciais favoráveis; observar as percepções dos empregadores sobre identidade de gênero, bem como analisar o impacto das ações afirmativas nas empresas brasileiras. O desenvolvimento deste trabalho justifica-se, pois, existe uma grande violação dos direitos humanos dos transexuais, tendo como principal característica o alto índice de desemprego e subemprego. Sendo esta situação desfavorável agravada pela inexistência de leis específicas que promovam a inclusão integral de pessoas trans no ambiente laboral e que coloquem em prática a Constituição Federal Brasileira. Através da análise crítica do sistema jurídico nacional e das práticas empresariais, este trabalho visa contribuir para que os empresários e estudantes possam se embasar-se teoricamente na criação de um ambiente de trabalho equilibrado, com base nos princípios constitucionais.
A pesquisa quanto aos objetivos se caracteriza como descritiva, uma vez que os dados analisados permitirão descrevera realidade das pessoas transgêneras no mercado de trabalho. Quanto aos procedimentos de investigação, a pesquisa será bibliográfica, pois será realizado a revisão literária de jurisprudência, leis, decisões judiciais, doutrinas trabalhistas e direitos humanos. Quantos aos procedimentos de coleta de dados, será realizada uma pesquisa qualitativa, pois busca realizar a análise aprofundada dos documentos.
A análise crítica dos resultados permitirá uma vez que identifiquem as falhas na lei em vigor, as dificuldades de implementação de políticas inclusivas e as oportunidades de melhoria no campo normativo e empresarial. Dessa forma, espera-se que a pesquisa contribua não apenas para o debate acadêmico, mas também para a formulação de propostas concretas voltadas para a equidade e a diversidade no mercado de trabalho, reforçando os recursos fundamentais e aumentando a igualdade e a justiça social.
2. COMPREENDENDO A IDENTIDADE DE PESSOAS TRANSSEXUAIS.
Reconhecer a identidade das pessoas transexuais é essencial para que haja o debate de forma aberta e justa sobre os desafios enfrentados por eles em suas vidas, bem como no mercado de trabalho. Antes de encarar o problema de desigualdade ou de violência, é fundamental que os indivíduos se familiarizem com os conceitos mais básicos do que é a identidade e a expressão de gênero, que nas estruturas formais ainda são confundidos, conforme demonstrado por Facchini (2006).
No português, tradicionalmente, o termo “gênero” é considerado sinônimo de “sexo” e concebido a partir de uma lógica biológica, na qual o masculino se associa ao sexo masculino e o feminino ao sexo feminino. Do ponto de vista gramatical, é um termo de classificação, isto é, uma categoria que se usa para classificar as palavras. Em biologia, é uma designação científica que engloba as espécies com características coincidentes. Porém, linguagem e biologia, isoladamente, não são suficientes para explicar plenamente as diferenças comportamentais e sociais entre os sexos(THEODORO, 2016). A sistemática discriminação social às mulheres incitou a introduzir reflexões mais profundas sobre o que é ser do sexo masculino ou feminino e, então, discutir as implicações psíquicas, sociais e históricas dos gêneros. Conforme Teresa de Lauretis (1987), no livro “Tecnologia do Gênero”, nos movimentos feministas da década de 1960 e 1970, o conceito de gênero, enquanto diferença sexual, se tornou motivo central de crítica aos sistemas de representação e das teorias da subjetividade. A autora propõe que nossa cultura cria categorias simbólicas de masculino e feminino e as hierarquiza como se fossem opostas e excludentes, produzindo um sistema de significação que atribui o sexo biológico a papéis sociais, em base à hierarquia e valores culturais. Seguindo a linha, Joan Scott (1995, p.72), em “Gênero: uma categoria útil da análise histórica”, considera que o gênero é uma construção social que ultrapassa uma breve descrição dos traços naturais, utilizada por consenso para classificar as diferenças. Portanto, a diferenciação entre masculino e feminino engloba um nível cultural, político e social quando consideramos propostas feministas.
Judith Butler (2015, p.1), baseada em contribuições semelhantes, afirma que “o gênero não pode ser separado dos contextos históricos e culturais em que é formado”. Trata-se de um conceito socialmente criado, isto é, o gênero é criado a partir de convenções e normas culturais e o sexo, por si só, não pode determinar as formas de comportamento do ser que é “homem” e do que é “mulher”. O convívio social se dá majoritariamente por meio de uma hierarquia binária entre o masculino e o feminino, o que contribuiu para que ao longo dos anos aumentasse a desigualdade de gênero. Essa construção estrutural das relações de gênero se tornou um dos temas mais recorrentemente debatidos pelos sociólogos, tanto do ponto de vista teórico quanto político, servindo como base para a mobilização por equidade de gênero. A estrutura de segurança atual do binarismo de gênero ainda manuseia determinadas características e expressões autoatribuídas como femininas e outras como masculinas. O modelo é sustentado por práticas regulares e normalizadoras que perpetuam uma interpretação limitante e biologizada. Assim, o desvio foi atribuído a qualquer manifestação que destoe do padrão. Para as finalidades deste trabalho, é importante destacar que a construção binária abordou discussões dos papeis do homem e da mulher no conjunto social. Deste modo, a explicação de categorias de gênero é registrada institucional e vivencialmente no processo histórico, fechando a possibilidade para as realidades extra categorização (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2015).
Dessa maneira, destaca-se a importância de compreender o gênero para além de um binarismo tradicional, mas sim pelas múltiplas expressões de masculinidades e feminilidades. A identidade de gênero, antes de tudo, é uma experiência subjetiva. Isso significa que se refere à maneira como a pessoa se percebe e se reconhece em determinado gênero, independentemente do sexo atribuído em seu nascimento. Tal identificação pode ocorrer em qualquer parte da vida e nem sempre coincide com a expectativa social de quem detém determinada anatomia genital. Desse modo, pode-se dizer que o gênero transcende a mera segmentação entre homem e mulher. Trata-se de mais do que frases gramaticais, mas envolve significações sociais que são uma das primeiras categorias a serem aprendidas a partir da estrutura social de distinção prontamente funcional(LANZ, 2016, p.12). Assumindo essa lógica, a identidade de gênero não é nada além do que a expressão da individualidade de uma pessoa a partir de como ela se reconhece e se expressa, alinhado ou não ao sexo ao qual ela foi biologicamente pré-determinada. Reconhecer essa complexidade é o primeiro passo para discutir de forma crítica os problemas que cercam as pessoas trans e suas vidas sociais.
2.1. Conceitos e Terminologias
Diante da explicação inicial a respeito do conceito de gênero, torna-se necessário diferenciar alguns dos termos importantes neste contexto. Como já proposto, a identidade de gênero está relacionada ao modo como o indivíduo se percebe dentro de cada possibilidade de existir, ou seja, o ser humano reconhece em si mesmo uma ampla margem de categorias que ultrapassam o binarismo clássico entre “homem” e “mulher”. Algumas das categorias que saem do plano dessa lógica binarista e são consideradas identidades de gênero transgêneras como: transexual, intersexo, genderqueer, crossdresser, travesti, transformista, andrógino e drag queen (LOPES, 2019). Em geral, o termo “trans” é usado tanto para identificar o transexual quanto para apontar as identidades de gênero que não se enquadram na classificação de nascença do sujeito, definindo, assim, as transgêneras e travestis como plurais. Enquanto a identidade de gênero é definida a partir da percepção de a própria pessoa acerca do que é — homem, mulher, ambos ou nenhum — a expressão de gênero está relacionada a mostrar para a sociedade o que a pessoa é, de acordo com a vestimenta, fala, gestos, corte de cabelo, ou outra coisa que possa ser visualmente reconhecida e transformada (BENTO, 2021). A identidade de gênero não deve ser confundida com a orientação sexual, é a atração afetivo-sexual que leva o indivíduo a se sentir atraído por alguém. Gomes (2012, p. 10) utiliza “cis” e “trans” para distinguir as identidades de gênero. Cisgênero é o termo para aquelas pessoas cujas identidades de gênero correspondem àquelas associadas ao nascimento. Por outro lado, transgênero ou trans é o termo usado para aquelas pessoas cujas identidades de gênero não coincidem com o sexo de nascimento.
Amara Moira Rodovalho (2017), em seu artigo “Cis pelo trans”, faz uma interessante reflexão sobre os termos em questão. A autora leva a comparação mais distante, ao recordar-nos de metáforas do que são as palavras cis e trans “como outras metáforas oriundas na área de conhecimentos e no mapa-múndi; Cisjordânia: do “nosso lado” do rio Jordão; Transamazônica: corta para além da Amazônia”. Também na química, trans e cis são utilizados para referir-se a posições relativas dos átomos numa molécula. Ou seja, a origem linguística desses termos remete à ideia de posição ou conformidade em relação a algo – nesse caso, o gênero atribuído. Sendo assim, a associação entre sexo e gênero não é automática e nem natural. A identidade de gênero, ou seja, a experiência de ser cis ou trans, está muito mais associada aos aspectos sociais, culturais e subjetivos do que à natureza, com elementos puramente biológicos. Como cita um dos primeiros parágrafos do texto que abre o prólogo de Problemas de Gênero (Judith Butler, 2015), a já clássica afirmação de Simone de Beauvoir (2009): “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, o gênero não é uma realidade biológica, mas um aspecto sociológico, construído ao longo da vida com base nas condições que a pessoa nasceu e do seu comportamento. Sendo assim, as pessoas cis e trans passam por um complexo processo de construção de identidade, dependente de fatores sociais, culturais e pessoais.
Ressalta-se que, para Lanz (2016), cisgênero e transgênero são termos que não pertencem necessariamente ao domínio das identidades de gênero, mas à categorização social, de modo que representam a forma como o indivíduo se situa em relação a demanda e estruturações sociais do gênero. Assim, compreender tais conceitos ressona respeito à diversidade, tão forte quanto a luta ao preconceito e a desinformação. Superada a introdução conceitual torna-se perceptível que as experiências com identidades de gênero são extremamente pessoais, embora se expressem em sociabilidade. Expressão de gênero é o modo em que determinado indivíduo, explicita externamente sua identidade de gênero. Trata-se de uma interação entre subjetividades interiores e realidades exteriores, onde o significado de tal se dá por onde o corpo transita.
2.2. Identidade de Gênero e o Reconhecimento Social e Jurídico
A identidade de gênero se torna uma questão estritamente social e jurídica. Ainda que no Brasil, o reconhecimento de identidades trans, sobretudo em nome e civilidade, seja um assunto recente e, apesar dos avanços legislativos, tem-se muitos empecilhos na prática. A questão é garantida por base constitucional, principalmente em sua premissa de dignidade humana, que, em um olhar formal, é a garantia à personalidade plena. Assegurando que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, garantido o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Desse modo, percebe-se que o Estado deve preservar o desenvolvimento individual de cada pessoa, impedindo qualquer tipo de intromissão indevida de terceiros. A própria Carta Magna em seu artigo 5º, inciso XLI reza que será punida “toda forma de preconceito que atente contra direitos e liberdades fundamentais”(BRASIL, 1988). A identidade de uma pessoa é formada intimamente com sua dignidade. No âmbito civil, os direitos da personalidade refletem, em muitos casos, a proteção à própria identidade de gênero. Para Alexandre dos Santos Cunha(2002, p. 261): “os direitos fundamentais, oriundos do princípio da dignidade da pessoa humana, devem ser assegurados e protegidos pelo Estado e constituem manifestações da específica autonomia privada do indivíduo”. Renan Lotufo (2003, p. 88) complementa ao dizer que: “mesmo com todas as normas expressas em nível nacional e internacional, a população de pessoas trans é a que mais sofre com a falta de equiparação”. Isso pode ser visualizado, por exemplo, quando a Organização Mundial da Saúde classificou a transexualidade como doença mental, o que perdurou até 7 anos atrás. Durante muito tempo, o Código Civil – 2002, ignorava o direito de pessoas trans ao estatuto legal do seu gênero(BARIFOUSE, 2018). Foram muitas as normas surgidas nos últimos anos que asseguram tal direito, como o Decreto nº 8.727/2016. Que regula o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal(BRASIL, 2016).
Um passo importante foi dado em 2018, por meio de decisão do STF, que reconheceu a possibilidade de pessoas trans retificarem seu nome e gênero no registro civil sem necessidade de cirurgia ou autorização judicial, uma grande vitória para a promoção da apreciação à autonomia individual e da amplitude dos direitos fundamentais(BRASIL, 2018). No mesmo ano, o TSE concedeu interpretação progressista ao afirmar que as cotas partidárias dizem respeito ao gênero e não ao sexo, promovendo maior inclusão política e respeito à identidade de gênero. Contudo, muito ainda falta para que a identidade de pessoas trans seja socialmente reconhecida e respeitada. Pessoas trans são frequentemente desrespeitadas, constrangidas e humilhadas em espaços públicos e privados; isso dificulta o acesso a serviços essenciais e ao pleno exercício da saúde, educação e trabalho. Por isso, compreender a realidade das pessoas trans é parte da luta por transformações sociais mais justas. O respeito à identidade de gênero não é um mero formalismo, mas sim um respeito à dignidade, ao direito de existência e à autenticidade. Somente com essa aceitação formalizada em todos os ambientes, poderá de fato ser combatida a sua situação de marginalização social.
3. DESAFIOS PARA A INCLUSÃO DE PESSOAS TRANS NO MERCADO DE TRABALHO
A colocação de pessoas trans no mercado de trabalho formal é um dos desafios mais importantes da população LBGTQIA+ no Brasil. Apesar da legislação e das políticas públicas que promovem a igualdade de oportunidades, os desafios da população trans revelam uma verdadeira exclusão estrutural que não se limita apenas à falta de oportunidades formais. Esse desafio é baseado em estigma social, discriminação histórica e na falta de políticas eficazes de inclusão e sustentabilidade.
De acordo com a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), os dados levantados em 2020 revelaram que apenas 13,9% das mulheres trans e travestis possuem empregos formais. Essa porcentagem é significativamente baixa quando comparada aos 59,4% dos homens trans que estão empregados de forma formal(ZAK, 2023).
A pesquisa chama atenção para a desigualdade de gênero e a discriminação enfrentada pelas mulheres trans e travestis no mercado de trabalho. Os números mostram a urgência de políticas públicas e ações efetivas para combater a exclusão e a marginalização desse grupo na sociedade.
3.1. Estigmas e Discriminação
As pessoas transgênero enfrentam, desde muito cedo, um processo contínuo de exclusão social que afeta diretamente sua trajetória educacional, familiar e, sobretudo, profissional. A discriminação enfrentada por essa população não é pontual, mas estrutural, refletindo-se de maneira profunda nas oportunidades de inserção e permanência no mercado de trabalho formal. Esse cenário está diretamente relacionado aos estigmas atribuídos às identidades de gênero não normativas, os quais são construídos socialmente a partir de padrões binários de gênero que excluem qualquer forma de vivência que fuja da norma cis-heteronormativa.
O estigma, nesse contexto, deve ser compreendido como um mecanismo social que vai além da rejeição individual: ele opera de forma sistêmica e institucionalizada. Erving Goffman (1988), um dos teóricos clássicos sobre o tema, define o estigma como um atributo que desqualifica socialmente o indivíduo, fazendo com que ele seja visto como inferior ou desviante. No caso das pessoas trans, o estigma de gênero as exclui das dinâmicas convencionais de convívio e pertencimento nos espaços tidos como “respeitáveis” ou “formais”, como é o caso do ambiente corporativo.
No mundo do trabalho, a discriminação contra pessoas trans manifesta-se tanto nos processos seletivos quanto nas relações profissionais cotidianas. Barreiras invisíveis, mas eficazes, frequentemente impedem que essas pessoas sejam contratadas, promovidas ou respeitadas em seus ambientes de trabalho. Muitas vezes, enfrentam piadas, constrangimentos, deslegitimação de suas identidades e até assédio moral. Segundo um estudo recente, a exclusão de pessoas trans do mercado de trabalho formal é uma consequência direta da transfobia institucionalizada, que atua nos procedimentos de recrutamento e seleção, nas relações de poder social e nas políticas internas das organizações (SILVA & OLIVEIRA, 2023).
Essa exclusão não decorre de uma suposta falta de qualificação, mas sim de uma rede de preconceitos morais e culturais profundamente enraizados. Em muitos casos, mesmo pessoas trans com formação superior ou técnica são preteridas em seleções por apresentarem expressões de gênero não normativas. O preconceito, nesse sentido, funciona como um filtro simbólico que opera antes mesmo da análise objetiva do currículo ou da competência profissional.
Pesquisas demonstram que a população trans no Brasil enfrenta extrema vulnerabilidade no mercado de trabalho, sendo constantemente marginalizada e excluída das oportunidades formais de emprego. Segundo o Dossiê de Mortes e Violências Contra LGBTI+ no Brasil – 2021, publicado pela ANTRA em parceria com a ABGLT, 90% das travestis e mulheres transexuais utilizam a prostituição como meio de sobrevivência, em razão da transfobia estrutural que dificulta o acesso ao trabalho formal, à educação e à saúde. Tal dado revela o quanto a exclusão social está profundamente enraizada, empurrando essa população para situações de extrema precariedade e invisibilidade institucional (ANTRA; ABGLT, 2022).
É preciso compreender, portanto, que a discriminação contra pessoas trans no trabalho não se limita a atos individuais de preconceito, mas está profundamente enraizada em práticas institucionais que validam e reproduzem a exclusão. Combater esse cenário exige não apenas políticas afirmativas pontuais, mas uma transformação estrutural nas formas como o trabalho é concebido, acessado e experienciado. A superação do estigma passa, necessariamente, pelo reconhecimento da identidade de gênero como uma dimensão legítima da existência humana, cuja diversidade deve ser respeitada e acolhida em todos os espaços sociais, no mundo do trabalho.
3.2. Barreiras de Acesso e Permanência no Emprego
As pessoas trans enfrentam desafios significativos tanto para ingressar quanto para permanecer no mercado de trabalho formal. Essas barreiras não se limitam à discriminação direta, mas incluem obstáculos estruturais que dificultam a inclusão e a estabilidade profissional.
Um dos principais entraves é a dificuldade na retificação de nome e gênero em documentos oficiais. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha reconhecido, em 2018, o direito de pessoas trans alterarem seu nome e gênero no registro civil sem a necessidade de cirurgia ou autorização judicial, na prática, muitos ainda enfrentam burocracias e custos que inviabilizam esse processo. A ausência de documentos atualizados expõe essas pessoas a constrangimentos e discriminações durante processos seletivos e no ambiente de trabalho.
Além disso, a evasão escolar é um fator crítico. Muitos indivíduos trans abandonam a escola precocemente devido ao bullying, à falta de apoio e à exclusão social. Essa realidade compromete suas qualificações profissionais e limita as oportunidades de emprego. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA, 2024), menos de 0,3% da população trans está presente no ensino superior, refletindo a ausência de políticas educacionais inclusivas e ambientes acadêmicos acolhedores.
A discriminação no ambiente de trabalho também é uma constante. Estudos indicam que pessoas trans são frequentemente vítimas de piadas, constrangimentos e assédio moral, o que contribui para a alta rotatividade e dificuldade de permanência nos empregos. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Pará revelou que a transfobia institucionalizada atua nos procedimentos de recrutamento e seleção, nas relações de poder social e nas políticas internas das organizações, dificultando a inserção e a permanência de pessoas trans no mercado formal(MATOS; BAIA, 2025).
Apesar de avanços legais e sociais, como a implementação de cotas para pessoas trans em algumas universidades públicas e concursos públicos, ainda há um longo caminho a ser percorrido para garantir a inclusão plena dessa população no mercado de trabalho. É fundamental que empresas e instituições adotem políticas afirmativas, promovam ambientes inclusivos e ofereçam suporte contínuo para que pessoas trans possam não apenas acessar, mas também permanecer e progredir em suas carreiras profissionais.
3.3. Relatos e Dados sobre a Exclusão Profissional
A exclusão profissional enfrentada por pessoas trans no Brasil é uma realidade alarmante e persistente. Conforme informado no tópico 3.1, pesquisas realizadas pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais em 2022, indicam que aproximadamente 90% das travestis e mulheres transexuais tem como principal meio de subsistência à prostituição, devido à falta de oportunidades no mercado formal de trabalho.
Essa marginalização não se limita ao acesso ao emprego, estendendo-se também à permanência e ascensão profissional. Mesmo quando conseguem ingressar no mercado formal, muitas pessoas trans enfrentam microagressões, desrespeito à identidade de gênero, uso inadequado do nome social e dificuldades de progressão na carreira. Beauregarde (2018) destaca que os recursos humanos e a gestão das empresas possuem papel principal para garantir que isto ocorra de forma tranquila para o trabalhador trans.
Além disso, a evasão escolar é um fator crítico que contribui para a exclusão profissional. Muitas pessoas trans abandonam a escola precocemente devido ao bullying, à falta de apoio e à exclusão social, comprometendo suas qualificações profissionais e limitando as oportunidades de emprego. Jesus (2012) constata que pode haver uma exclusão estrutural, que se constitui desde o acesso dificultado ou impedido a direitos, ao mercado de trabalho e até mesmo ao uso de banheiros, sobretudo, a que se somam ameaças, agressões e homicídios em razão dos estigmas sobre suas identidades de gênero.
A ausência de políticas públicas eficazes para a inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho agrava ainda mais essa situação. Embora existam iniciativas pontuais, como programas de capacitação e inclusão, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir a equidade e o respeito aos direitos dessa população. Estudos apontam que o poder público implementou poucas políticas públicas que pudessem mudar essa exclusão das pessoas trans no mercado de trabalho. Atualmente, tais ações se resumem a ações isoladas em alguns concursos de órgãos públicos e a cotas em vestibulares de algumas universidades federais que não atuam diretamente na empregabilidade, mas ajudam na formação profissional, na possibilidade de melhorar as chances de atuar no mercado de trabalho(SAMY, 2024).
Portanto, é fundamental que o Estado e a sociedade civil desenvolvam e implementem políticas públicas inclusivas que promovam a igualdade de oportunidades e combatam a discriminação no ambiente de trabalho, assegurando que pessoas trans possam exercer plenamente seus direitos e potencialidades.