Capa da publicação Pessoas trans e trabalho: inclusão além da lei
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A inserção e a proteção jurídica de pessoas trans no mercado de trabalho brasileiro.

Análise à luz do Direito do Trabalho

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5. CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve como finalidade central analisar a inserção e a proteção jurídica de pessoas trans no mercado de trabalho brasileiro, com ênfase na atuação do Direito do Trabalho como instrumento de promoção da igualdade e de combate à discriminação estrutural. Através de uma abordagem interdisciplinar, que perpassou conceitos de identidade de gênero, garantias constitucionais, legislação infraconstitucional e práticas institucionais, tornou-se evidente que, embora existam avanços significativos no plano normativo e jurisprudencial, a efetivação dos direitos das pessoas trans ainda está longe de se concretizar plenamente na realidade brasileira.

Verificou-se que a identidade de gênero, por ser uma dimensão essencial da personalidade humana, deve ser amplamente protegida pelo ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988 estabelece como fundamentos do Estado a dignidade da pessoa humana e a igualdade, fundamentos que, embora não mencionem expressamente a identidade de gênero, são suficientes para incluir a proteção das pessoas trans no escopo dos direitos fundamentais. Nesse sentido, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (como a ADI 4275) e o reconhecimento do nome social na administração pública representam conquistas relevantes no reconhecimento jurídico das identidades trans.

Contudo, a análise realizada revelou que a simples existência de normas ou decisões judiciais não é suficiente para garantir a inclusão plena dessas pessoas no mercado de trabalho. Persistem diversas barreiras que se manifestam desde a fase de contratação, passando pelas condições de permanência e ascensão profissional, até práticas recorrentes de assédio, invisibilização e exclusão simbólica nos espaços institucionais. As estatísticas são claras: grande parte da população trans continua sendo empurrada para o mercado informal, especialmente a prostituição, como única forma de subsistência — uma realidade que evidencia não só a ausência de políticas públicas efetivas, mas também a resistência cultural à diversidade de gênero.

Ademais, verificou-se que a legislação trabalhista brasileira, especialmente a Consolidação das Leis do Trabalho, ainda carece de dispositivos específicos que contemplem expressamente a proteção da identidade de gênero. Embora a jurisprudência tenha avançado na interpretação ampliada dos princípios constitucionais, como a dignidade e a igualdade, é necessária uma revisão normativa mais clara e objetiva, de modo a garantir segurança jurídica e efetividade na proteção das pessoas trans no ambiente de trabalho. Essa ausência de normatização detalhada, somada à lentidão na implementação de políticas afirmativas por parte do Estado e da iniciativa privada, mantém essa população em situação de vulnerabilidade.

Diante desse cenário, torna-se imprescindível pensar em soluções estruturais que ultrapassem os limites da legislação simbólica. É necessário que políticas públicas intersetoriais sejam desenvolvidas com foco na educação, capacitação profissional e sensibilização de empregadores e gestores de recursos humanos. Iniciativas como cotas para pessoas trans em concursos públicos, metas de inclusão nas empresas privadas e programas de formação continuada sobre diversidade e direitos humanos são ferramentas essenciais para promover ambientes laborais mais justos, acolhedores e diversos.

Além disso, a transformação cultural é um dos grandes desafios contemporâneos. O combate à transfobia institucionalizada requer uma ação coletiva, que envolva o poder público, o setor privado, as instituições educacionais e a sociedade civil. O respeito à identidade de gênero, à livre expressão e ao nome social não pode ser tratado como um favor ou um diferencial, mas sim como um direito inalienável. Somente quando as pessoas trans forem reconhecidas como sujeitos plenos de direitos, com acesso igualitário a oportunidades e com garantias de proteção social e trabalhista, será possível afirmar que a sociedade brasileira avançou rumo à justiça social e à democracia substantiva.

Em suma, a construção de um mercado de trabalho verdadeiramente inclusivo passa necessariamente pela superação de preconceitos históricos e pelo fortalecimento das estruturas jurídicas e institucionais que garantem o acesso, a permanência e o crescimento profissional de pessoas trans. O Direito do Trabalho, neste contexto, assume papel fundamental como instrumento de transformação social, contribuindo para a realização dos direitos humanos, a redução das desigualdades e a promoção de uma sociedade mais plural, equitativa e respeitosa da diversidade. A efetiva inclusão das pessoas trans não é apenas uma questão de justiça individual, mas um compromisso ético e político com a dignidade da pessoa humana e com os princípios fundantes da República.


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Abstract: This article analyzes the inclusion and legal protection of trans people in the Brazilian labor market, focusing on current constitutional and labor legislation. Although there have been important advances in the recognition of gender identity and the promotion of rights, trans people still face systematic exclusion, marked by high rates of informal employment, school dropout, and discrimination in the professional environment. The research examines the constitutional foundations of human dignity and equality, in addition to the application of the Consolidation of Labor Laws (CLT) in light of a broader interpretation that includes gender identity as a protected category. Data on professional exclusion, relevant case law, and specific initiatives, both public and private, aimed at the inclusion of this population are also discussed. Despite the normative and case law advances, there is a need for more effective public policies and the adoption of affirmative actions that address institutional transphobia and promote real inclusion. The study concludes that the effective participation of trans people in the labor market depends not only on the legal apparatus, but also on cultural transformations and an intersectoral commitment to equal opportunities.

Keywords: Gender identity. Trans people. Labor law.

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Sobre o autor
Vitor Raniel de Sena de Oliveira

Graduando em Direito na Faculdade da Saúde e Ecologia Humana - Faseh, com foco em Direitos Humanos, Direito do Trabalho e inclusão social. Pesquisa temas relacionados à promoção da dignidade da pessoa humana e à efetivação de direitos fundamentais, com ênfase na proteção jurídica de pessoas trans no mercado de trabalho brasileiro. Acredita no Direito como instrumento de transformação social e na importância da construção de uma sociedade mais justa, igualitária e plural.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Vitor Raniel Sena. A inserção e a proteção jurídica de pessoas trans no mercado de trabalho brasileiro.: Análise à luz do Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8012, 8 jun. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114325. Acesso em: 5 dez. 2025.

Mais informações

Orientadora: Janaina Alcântara Vilela.

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