A Emenda Constitucional nº 132/2023, que criou o IBS dual — imposto compartilhado por estados e municípios —, previu a arrecadação e distribuição desse tributo por meio do Comitê Gestor, uma autarquia federal, invertendo por completo o sistema tributário nacional, cuidadosamente esculpido pelo constituinte originário de 1988.
Esse Comitê Gestor é um órgão colegiado composto por 27 representantes dos estados e do Distrito Federal, e por 27 representantes dos 5.569 municípios.
Os formuladores dessa proposta amalucada de reforma tributária — centrada na unificação de quatro tributos de diferentes competências (IPI, contribuições sociais sobre o faturamento, ICMS e ISS) — não conseguiram antever a dificuldade de escolher 27 representantes entre 5.569 municípios, algo que até um estudante do ensino fundamental seria capaz de prever com extrema facilidade.
Parece que a intenção dos autores da proposta era complicar tudo em nome da simplificação do sistema tributário — um dos principais pilares da reforma, repetido incansavelmente pela grande mídia estatizada junto à população leiga.
Simplificar significa tornar fácil a compreensão e a operacionalização da reforma tributária. Pressupõe o enxugamento de normas constitucionais e legais — e não o contrário.
A EC nº 132/2023 contém 491 normas, ao passo que o regulamento do IBS, aprovado pela Lei Complementar nº 214/2025, contém cerca de mil normas. Onde está a simplificação?
A dificuldade de nomear os 27 representantes dos municípios vem se arrastando desde o início de 2024.
A Confederação Nacional dos Municípios – CNM –, diante da divergência com a Frente Nacional de Prefeitos – FNP – quanto à organização do processo eleitoral para escolha dos 27 representantes municipais, elaborou por conta própria o regulamento eleitoral, sem a participação da FNP.
A FNP impugnou judicialmente o regulamento elaborado pela CNM, em abril de 2025, e o juiz da 11ª Vara Cível de Brasília suspendeu as deliberações relativas à eleição, destacando a necessidade de elaboração conjunta do referido regulamento.
A sugestão da FNP era no sentido de incluir a formação de chapas que refletissem a diversidade regional e populacional do país, garantindo que tanto municípios pequenos quanto grandes tivessem voz no Comitê Gestor.
O correto seria que cada um dos 5.569 municípios tivesse representação no Comitê Gestor, que se propõe como um órgão de representação paritária.
Não se pode falar em paridade se todos os estados são representados por 27 membros, incluindo o Distrito Federal, e os 5.569 municípios, por apenas 27 membros.
Dir-se-á que um Comitê Gestor com tantos representantes traria dificuldades operacionais. Pergunta-se: o que há de fácil operacionalização nessa reforma tributária desatinada, que despejou cerca de mil normas dúbias, confusas, nebulosas e de difícil conceituação? Não seria justamente essa a finalidade da reforma?
O fato gerador do IBS dual, apesar das 63 normas — entre artigos, parágrafos, incisos e alíneas (arts. 4º, 5º e 6º) —, não foi definido de forma clara e precisa. Bastaria proclamar, em um só artigo, que o “fato gerador do IBS é a operação relativa à circulação de bens e serviços”. Nada mais seria necessário para acentuar a natureza mercantil do imposto.
No entanto, o desajeitado legislador incorporou o confuso texto preparado pelos burocratas de plantão, deixando em aberto a definição da hipótese de incidência tributária. Na prática, isso permite a tributação de operações que não expressam atos de mercancia, criando litígios intermináveis a serem resolvidos, caso a caso, pelo Judiciário — exatamente ao gosto dos formuladores dessa reforma sem pé nem cabeça.
Pois bem, os futuros dirigentes do Comitê Gestor, de olho nos rendosos cargos (gabinete da Presidência, Secretaria-Geral, Corregedoria-Geral e nove diretorias regionais, com 30% dos cargos reservados a mulheres), resolveram instalar o Comitê Gestor sem a representação dos municípios, escamoteando a recente EC nº 132/2023, que prevê a representação municipal por meio de 27 membros.
Falou-se, ainda, em requerer autorização judicial para instalar o órgão sem os representantes municipais — como se o Judiciário pudesse autorizar a desobediência frontal a preceito constitucional. Os burocratas que conduzem essa destruição do sistema tributário nacional continuam atentando contra a Constituição.
É o jogo do “vale tudo” nessa corrida por cargos que rendem remunerações polpudas, na contramão da reforma administrativa voltada para a redução do tamanho do Estado e das despesas com pessoal. Um país repleto de surpresas e contradições!
Para a instalação inconstitucional do Comitê Gestor, a União prevê o aporte de R$ 600 milhões em 2025, R$ 800 milhões em 2026, R$ 1,2 bilhão em 2027 e outros R$ 1,2 bilhão em 2028, totalizando R$ 2,8 bilhões.
Esses recursos, adiantados pela União, deverão ser devolvidos por estados e municípios a partir de 2029.
Dessa forma, estados e municípios contraíram uma dívida imposta pela União antes mesmo de iniciar-se a arrecadação do novo imposto dual, prevista para 2026.
Pergunta-se: por que os burocratas de plantão tiveram que complicar tanto o sistema tributário em nome da simplificação, da neutralidade fiscal e da eficiência fiscal e tributária?
Na qualidade de Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Tributário – IBEDAFT –, constituímos um grupo de estudos para oferecer minuta de uma PEC com vistas à preservação da autonomia dos estados e municípios e ao barateamento do custo operacional do IBS dual.