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A ditadura hermenêutica do STJ: a ilegalidade da supressão de honorários na exceção de pré-executividade de execuções fiscais baseadas em processos administrativos prescritos

16/06/2025 às 15:53

Resumo:


  • A decisão do STJ no Recurso Especial n.º 2.046.269/PR negou a fixação de honorários advocatícios em exceções de pré-executividade, violando legislação vigente e usurpando competência do Poder Legislativo.

  • Os honorários de sucumbência são direito do advogado, conforme o art. 22 do Estatuto da Advocacia e o art. 85 do CPC, e devem ser aplicados em todas as resistências judiciais exitosas.

  • A omissão da OAB diante dessa decisão arbitrária pode institucionalizar a impunidade administrativa e prejudicar advogados diligentes que atuam em defesa dos cidadãos contra investidas ilegais do Estado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

STJ nega honorários em exceção de pré-executividade por prescrição fiscal. A decisão afronta o CPC, o Estatuto da Advocacia e enfraquece garantias da profissão.

A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n.º 2.046.269/PR, sob relatoria do Ministro Gurgel de Faria, representa, sem qualquer dúvida, um dos mais flagrantes atentados à ordem jurídica, à dignidade da advocacia e aos pilares do Estado Democrático de Direito. Ao considerar indevida a fixação de honorários advocatícios de sucumbência a advogados que, no exercício legítimo de sua função constitucional, interpõem exceção de pré-executividade em execuções fiscais fundadas em autos de infração manifestamente prescritos, o Judiciário não apenas viola frontalmente a legislação vigente, como também usurpa, de forma absolutamente indevida, competência que é própria e exclusiva do Poder Legislativo.

O art. 22 da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) e o art. 85 do Código de Processo Civil estabelecem, de maneira clara e objetiva, que os honorários de sucumbência são direito do advogado. Trata-se de verba de natureza alimentar, com caráter autônomo, que não se confunde com o direito do cliente. A lei não faz qualquer ressalva, limitação ou exceção quanto à espécie de manifestação processual que enseja a condenação em honorários. Pelo contrário, a interpretação sistemática e teleológica do ordenamento conduz, inevitavelmente, à conclusão de que toda e qualquer resistência judicial exitosa, capaz de gerar extinção, invalidação ou reconhecimento de inexigibilidade, atrai, de forma automática, a incidência da verba honorária.

A postura do STJ, ao negar essa obviedade legislativa, reveste-se de um caráter duplamente atentatório. Por um lado, constitui afronta direta ao texto legal expresso, caracterizando verdadeira desobediência institucional à legislação em vigor. Por outro lado, representa uma indevida e inaceitável ingerência do Poder Judiciário sobre a competência normativa do Parlamento, subvertendo a lógica democrática e rompendo o equilíbrio entre os Poderes, princípio basilar do Estado de Direito.

De forma ainda mais grave, o STJ formaliza essa afronta no âmbito do Tema Repetitivo 1.229, cuja redação oficial proclama que "à luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei n. 6.830/1980". Trata-se de construção hermenêutica que desconsidera não apenas a literalidade dos arts. 22 da Lei 8.906/94 e 85 do CPC, mas também toda a lógica principiológica que sustenta o sistema processual brasileiro. A aplicação enviesada do princípio da causalidade, nesse contexto, serve apenas como subterfúgio para justificar o inadmissível: retirar do advogado sua legítima remuneração, mesmo quando atua para extirpar do ordenamento uma execução flagrantemente ilegal e manifestamente prescrita.

Não se pode, sob qualquer ótica razoável, admitir que um tribunal superior, cuja função precípua é a de garantir a aplicação uniforme da lei federal, sinta-se autorizado a simplesmente ignorar ou relativizar comandos legislativos claros, substituindo a vontade soberana do legislador pela conveniência ideológica de uma jurisprudência flagrantemente pró-estatal. Trata-se de um retrocesso civilizatório que escancara, sem pudores, o viés autoritário e arrecadatório que contamina parte expressiva da jurisdição, especialmente quando em confronto com os interesses do erário.

A situação agrava-se ainda mais diante da postura apática, omissa e, em certa medida, covarde da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade que, por missão legal e histórica, deveria ser a guardiã intransigente das prerrogativas da advocacia e da própria cidadania, mantém-se silente, curvando-se vergonhosamente à truculência institucional do Judiciário. Ao não reagir com a contundência que o caso exige, a OAB trai não apenas seus inscritos, mas também a própria razão de sua existência.

A consequência prática dessa decisão arbitrária é a institucionalização da impunidade administrativa, o incentivo à incompetência, à desídia e à leniência dos órgãos públicos, que passam a não ter qualquer consequência quando ajuízam execuções fiscais baseadas em títulos manifestamente nulos, prescritos ou ilegítimos. Ao contrário, quem paga o preço é o advogado diligente, que, ao atuar em defesa do cidadão contra as investidas ilegais do Estado, vê-se privado de sua justa remuneração.

A doutrina é quase unânime em repudiar tal postura judicial. Fredie Didier Jr., em sua vasta obra sobre honorários advocatícios, assevera que "a fixação de honorários sucumbenciais não é faculdade do juiz; é imposição legal decorrente do princípio da causalidade e da necessária remuneração do trabalho do advogado". No mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior adverte que "negar honorários em exceção de pré-executividade é ignorar que se trata de meio legítimo de defesa processual, apto a gerar coisa julgada material e, portanto, a atrair todos os consectários decorrentes da sucumbência".

A jurisprudência, até então majoritária, sempre reconheceu que a exceção de pré-executividade, por ser meio hábil de extinção ou limitação da execução, atrai os honorários de sucumbência. O próprio STJ, em diversas ocasiões anteriores, firmou entendimento nesse sentido, como no AgInt no REsp 1.775.856/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, e no REsp 1.746.072/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin.

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Ao proferir decisão em sentido contrário, sem qualquer alteração legislativa que autorize essa guinada interpretativa, o STJ não apenas contraria seu próprio precedente como rasga, sem qualquer disfarce, os princípios da legalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança. Consolida-se, assim, uma verdadeira ditadura hermenêutica, onde o texto da lei cede lugar ao arbítrio judicial, desfigurando-se completamente a lógica democrática.

Trata-se, portanto, de decisão que não pode ser naturalizada, nem aceita passivamente. Ela exige reação firme, não apenas da advocacia, mas de toda a sociedade que ainda acredita na força normativa da Constituição e no papel dos Poderes dentro dos limites que lhes são constitucionalmente conferidos. Caso contrário, caminhamos, sem retorno, para um modelo de Estado em que a lei vale apenas quando interessa ao próprio Estado, e o cidadão, especialmente o profissional da advocacia, torna-se refém da vontade discricionária de uma burocracia togada, cada vez mais distante dos princípios republicanos que deveria honrar e proteger.

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Sobre o autor
Rodrigo Reis Ribeiro

Advogado, sócio-gerente da firma de advocacia Costa e Reis Advogados e Associados com sede em Porto Velho-RO, professor, empresário, escritor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Rodrigo Reis. A ditadura hermenêutica do STJ: a ilegalidade da supressão de honorários na exceção de pré-executividade de execuções fiscais baseadas em processos administrativos prescritos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8020, 16 jun. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114453. Acesso em: 20 jul. 2025.

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