4. RESPOSTAS SOCIAIS, INSTITUCIONAIS E JURÍDICAS
4.1. LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006)
A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).
O Título I determina em quatro artigos a quem a lei é direcionada, ressaltando ainda a responsabilidade da família, da sociedade e do poder público para que todas as mulheres possam ter o exercício pleno dos seus direitos. Já o Título II vem dividido em dois capítulos e três artigos: além de configurar os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica, traz as definições de todas as suas formas (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral). Quanto ao Título III, composto de três capítulos e sete artigos, tem-se a questão da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, com destaque para as medidas integradas de prevenção, atendimento pela autoridade policial e assistência social às vítimas. O Título IV, por sua vez, possui quatro capítulos e 17 artigos, tratando dos procedimentos processuais, assistência judiciária, atuação do Ministério Público e, em quatro seções (Capítulo II), se dedica às medidas protetivas de urgência, que estão entre as disposições mais inovadoras da Lei n. 11.340/2006. No Título V e seus quatro artigos, está prevista a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, podendo estes contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar composta de profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e da saúde, incluindo-se também destinação de verba orçamentária ao Judiciário para a criação e manutenção dessa equipe. O Título VI prevê, em seu único artigo e parágrafo único, uma regra de transição, segundo a qual as varas criminais têm legitimidade para conhecer e julgar as causas referentes à violência de gênero enquanto os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não estiverem estruturados. Por fim, encontram-se no Título VII as disposições finais. São 13 artigos que determinam que a instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher pode ser integrada a outros equipamentos em âmbito nacional, estadual e municipal, tais como casas-abrigo, delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde, centros de educação e reabilitação para os agressores etc. Dispõem ainda sobre a inclusão de estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança, além de contemplarem uma previsão orçamentária para o cumprimento das medidas estabelecidas na lei. Um dos ganhos significativos trazidos pela lei, conforme consta no art. 41, é a não aplicação da Lei n. 9.099/1995, ou seja, a violência doméstica praticada contra a mulher deixa de ser considerada como de menor potencial ofensivo.
A ONU já considerou a Lei Maria da Penha como a terceira melhor lei contra a violência doméstica do mundo.
4.2. MEDIDAS PROTETIVAS
As medidas protetivas estão previstas na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) são medidas cautelares de urgência que tem a finalidade de proteger a vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher.
A Lei traz medidas que obrigam o agressor a realizar alguma conduta (ex: afastamento do lar) e medidas que protegem a vítima (ex: determinar a restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à vítima), que serão melhor explicadas adiante.
A vítima que se enquadre nas situações de violência, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, poderá solicitar essas medidas, diretamente na Delegacia da Mulher (ou delegacia comum, caso não haja a especializada na região).
Após a vítima relatar a agressão e ser ouvida pela autoridade policial, será confeccionado o Boletim de Ocorrência e questionado sobre o desejo da vítima solicitar as medidas protetivas contra o agressor. Se a vítima optar em requerer as medidas a autoridade irá encaminhar o pedido ao juízo, que terá o prazo de 48h para decidir e escolher quais das medidas (que serão melhor abordadas adiante) serão aplicadas. Nos casos de perigo atual ou iminente, as medidas protetivas poderão ser concedidas diretamente pela autoridade policial, conforme disposto no art. 12-C da Lei Maria da Penha. Caso não seja possível registrar o Boletim de Ocorrência, as medidas protetivas podem ser requeridas pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou por sua advogada de confiança, que irá requer diretamente em juízo.
Assim que as medidas forem deferidas, o agressor será comunicado exclusivamente por um oficial de justiça sobre quais são as medidas impostas e suas condições. A comunicação dessas medidas, em hipótese alguma, deve ser feita pela vítima. Após o agressor ser devidamente comunicado, as medidas estarão em vigor.
4.3. LEI ANTIFEMINICÍDIO – LEI 14.994/2024
O feminicídio, anteriormente definido como uma qualificadora do homicídio (art. 121 do Código Penal), passa, com a Lei nº 14.994/2024, a ser considerado um crime autônomo, sendo inserido no sistema penal como tipo penal próprio.
Com a Lei de 2015, tínhamos uma pena prevista de 12 a 30 anos de reclusão. Com a nova mudança, a pena mínima é agora de 20 anos, podendo chegar até 40 anos de reclusão.
Quanto à natureza do crime, não houve alteração: o feminicídio permanece no rol de crimes hediondos.
Em relação ao descumprimento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha (art. 24-A), anteriormente a pena era de detenção de 3 meses a 2 anos, sendo considerado um crime de menor potencial ofensivo. Com a atualização, passou a ter pena de reclusão de 2 a 5 anos.
O feminicídio passou também a ser considerado o crime de maior pena da nossa jurisprudência. Anteriormente, esse título era ocupado pelo crime de latrocínio. Com a atualização, o feminicídio passou a ocupar essa posição.
Nos termos da Lei de Execução Penal, o preso acusado de cometer crime contra a mulher, por razão de feminicídio, perde o direito de ter visitas íntimas ou conjugais.
Quanto à fiança, anteriormente o crime era inafiançável pela autoridade policial, sendo vedada a concessão por se tratar de um crime com pena máxima superior a 4 anos. Nesse caso, com a nova redação, poderá ser afiançado apenas pela autoridade judicial.
Em relação ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) — conhecido como instrumento instituído pelo Pacote Anticrime, que se trata de um acordo entre o Ministério Público e o acusado na tentativa de negociar cláusulas a serem cumpridas pelo acusado, que, ao final, será favorecido pela extinção da punibilidade —, não cabe sua aplicação ao feminicídio.
Também não é cabível a suspensão condicional da pena, conhecida como sursis, benefício concedido ao condenado a pena não superior a 2 anos, com suspensão dela por 4 anos, desde que cumpridos requisitos como culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente. Com essa atualização, tal benefício deixa de ser possível.
Por fim, passa a ser permitida a interceptação telefônica e a captação ambiental por meio de equipamentos de inteligência policial nos casos de feminicídio.
4.4. AUMENTO DA PROCURA DE APOIO EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
De acordo com dados comparativos entre os anos de 2013 e 2023, observa-se uma mudança significativa nos canais de apoio procurados por mulheres vítimas de violência doméstica. Em especial, nota-se o crescimento da procura por apoio institucional, incluindo igrejas, delegacias e redes pessoais de apoio.
A busca por ajuda na família apresentou o maior aumento entre os anos analisados, passando de 44% em 2013 para 60% em 2023. O apoio dos amigos também cresceu consideravelmente, subindo de 25% para 40%. As denúncias em delegacias comuns aumentaram de 15% para 27%, enquanto as denúncias em delegacias especializadas da mulher passaram de 10% para 21%.
Outro dado que merece destaque é o crescimento da procura por igrejas como instância de apoio: em 2013, apenas 4% das mulheres afirmavam procurar a igreja em situações de violência doméstica, número que subiu para 18% em 2023. Esse crescimento reforça a importância do papel das instituições religiosas na rede de apoio às vítimas, mas também levanta preocupações sobre como essas instituições lidam com os casos, considerando a possibilidade de revitimização e omissão.
A categoria "outra opção" também cresceu ligeiramente, de 2% para 5%, enquanto o número de mulheres que afirmaram "não ter feito nada" caiu significativamente de 17% para 7%, indicando um avanço na conscientização e na busca por ajuda.
Esses dados apontam para uma transformação no comportamento das vítimas ao longo da última década, demonstrando tanto avanços na mobilização das redes de apoio quanto a necessidade de atenção crítica às instituições religiosas que, embora tenham ampliado sua atuação como suporte, também podem reproduzir discursos que silenciam ou deslegitimam o sofrimento das vítimas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência contra a mulher, especialmente quando legitimada ou encoberta por discursos religiosos, representa uma grave violação dos direitos humanos e uma ameaça à dignidade feminina. A análise de episódios bíblicos como os de Tamar e da concubina do levita revela que o silenciamento, a impunidade e a objetificação do corpo da mulher não são práticas novas, mas sim expressões históricas de uma cultura patriarcal que atravessa séculos e ainda encontra eco em determinadas interpretações teológicas contemporâneas.
Embora a Bíblia apresente relatos de estupro e abuso com crueza, ela não o faz como normalização, mas como denúncia da perversão humana e de suas consequências. Ainda assim, muitas vezes esses textos são ignorados ou lidos de forma superficial, permitindo que lideranças religiosas perpetuem discursos que culpabilizam vítimas e encorajam a submissão feminina em contextos de violência.
Nesse sentido, é urgente que as instituições religiosas se comprometam com uma leitura crítica e libertadora das Escrituras, que promova o respeito, a igualdade e a justiça para com as mulheres. Da mesma forma, o Estado brasileiro, por meio de legislações como a Lei Maria da Penha, reconhece que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma forma de violação dos direitos humanos, sendo necessário que essa proteção alcance todos os espaços — inclusive os templos.
Promover a conscientização, denunciar práticas abusivas e romper o silêncio são passos fundamentais para a construção de uma fé que acolhe, respeita e protege, em conformidade com os princípios constitucionais e com os valores de justiça e amor que também são centrais na espiritualidade cristã.
CANAIS DE DENÚNCIA
Disque denúncia – 180;
Emergência – 190;
Delegacias de Polícia ou Delegacias de Atendimento às Mulheres;
Defensoria Pública;
Ministério Público.
REFERÊNCIAS
Escola. Brasil. Violência contra a Mulher. Disponível: < https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/violência-contra-a-mulher.htm > Acesso em 25 jun.2025
IMP. Tipos de Violência. Disponível: < https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violência.html > Acesso em 25 jun.2025
IMP. Resumo da Lei. Disponível: <https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/resumo-da-lei-maria-da-penha.html > Acesso em 25 jun.2025
GOV.Planalto. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006 Disponível: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm > Acesso em 25 jun.2025
GASPARI. Rafaela. Medidas protetivas na Lei Maria da Penha. Disponível: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/medidas-protetivas-na-lei-maria-da-penha/1268472971> Acesso em 25 jun.2025
Sagrada. Bíblia. 2 SAMUEL 13. Disponível: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/2sm/13> Acesso em 25 jun.2025
Sagrada. Bíblia. Juízes 19. Disponível: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/jz/19> Acesso em 25 jun.2025
Bugre. Arthur. Abuso religioso e violência contra a mulher: Um grito silenciado. Disponível: <https://www.em.com.br/colunistas/arthur-bugre/2023/11/6652954-abuso-religioso-e-violência-contra-a-mulher-um-grito-silenciado.html
Abstract: Amid temples and religious demonstrations, violence against women continues to occur in religious spaces, often veiled under doctrinal discourses. Distorted sermons and misinterpretations of Scripture contribute to the perpetuation of a culture of silencing, guilt, and female submission. Pastoral counseling sometimes reinforces the idea that women must endure abuse in the name of faith or marriage. This article proposes a critical analysis of how certain biblical readings and religious practices legitimize gender-based violence and hinder victims' access to protection and justice. At the same time, it recovers examples from the Bible itself that highlight the resistance and voice of oppressed women. The study seeks to contribute to the construction of a theology committed to human rights, women's rights, and social justice.
Keywords: Violence against women. Religion and oppression. Women's rights. Theology. Social justice.