Capa da publicação Emendas Pix: novas regras apertam fiscalização
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As tentativas de reparar as emendas orçamentárias do Congresso Nacional.

A Lei Complementar nº 210/2024 e a Portaria Federal nº 15/2025

Resumo:


  • O histórico das emendas impositivas no Brasil teve marcos importantes, como a criação das emendas individuais e de bancada.

  • Apesar das intenções positivas, as emendas impositivas têm sido alvo de críticas devido a distorções, como desvios de finalidade e falta de transparência.

  • A Lei Complementar 210 de 2024 e a Portaria nº 15 de 2025 foram criadas para normatizar e fiscalizar as emendas por transferências especiais, visando garantir a aplicação correta dos recursos públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O STF e as novas normas restringem uso das emendas parlamentares. Como a LC 210 e a Portaria 15/2025 mudam as transferências especiais (emendas pix) para municípios?

1. O histórico constitucional das emendas impositivas

O orçamento público é, antes de tudo, uma lei formal (art. 165, III, CF), e, nessa condição, faculta-se aos legisladores, mediante emendas, apresentar seus projetos, bancados pelo corte de despesas ou pelo tanto de receita não estimada, por erro técnico, na proposta original do Poder Executivo.

Até o ano de 2015, a Administração não era obrigada a executar aquelas intervenções legislativas, lacuna que servia como moeda de troca, vale dizer, os parlamentares viam liberadas suas emendas caso votassem a favor de projetos do Executivo.

Nesse contexto, a Emenda Constitucional 86, de 2015, cria a emenda impositiva individual, que, até o limite de 1,2% da receita corrente líquida, será compulsoriamente realizada pelos Executivos, da União, estados e municípios.

Quatro anos depois, em 2019, a Emenda Constitucional 100 impõe as emendas de bancada, limitadas a 1% da receita corrente líquida. Julgava-se, de início, que tal prática se restringia às bancadas estaduais no Congresso Nacional, mas, a Suprema Corte, em 2023, entendeu-a forçosa também para estados e municípios1.

Ainda em 2019, outra Emenda Constitucional, a 105, regula, no âmbito da União, o uso das emendas impositivas dos senadores e deputados federais, nisso criando as transferências especiais, as tão criticadas emendas Pix, visto que de uso livre, sem rumo determinado e, por isso, de baixa transparência. Contudo, mais adiante se verá que a Lei Complementar 210/2014 moderou aquele desacerto, impondo um plano de trabalho e, portanto, vinculação a determinado empreendimento governamental.

Mais tarde, em 2022, a Emenda 126 amplia o tamanho das emendas impositivas de senadores, deputados e vereadores: de 1,2% para 2% da receita do ano anterior; um acréscimo de 66%.


2. As distorções das emendas impositivas

Os senadores e deputados federais, em 2025, tomam conta de nada menos que R$ 50 bilhões, quase 25% da receita livre da União: a que financia os gastos discricionários, não afetados pelas obrigações incomprimíveis e inadiáveis como folha salarial, encargos patronais, juros da dívida, contratos etc. Recorrendo-se a uma comparação, tem-se que os congressistas dos Estados Unidos da América utilizam apenas 1% da receita desvinculada daquele país.

Sabido e consabido que as emendas parlamentares atendem aos interesses políticos dos autores, esquivando-se, em muitos casos, das necessidades mais sentidas das populações; isso, sem falar das fraudes e desvios verificados, cada vez mais, pela Polícia Federal.

Nessa dinâmica, a Suprema Corte observou que a emenda individual, na modalidade especial (Pix), contraria os princípios constitucionais da eficiência e publicidade; isso porque, apesar de 70% serem aplicados em despesas de capital (obras, equipamentos etc.), o recurso se confundia com os demais dinheiros do ente beneficiado, não se relacionando, de modo cristalino, a esse ou aquele projeto de governo. Essa dispersão acarretava irregularidades como a do deputado federal que destinou emenda para asfaltar as ruas do condomínio onde residia ou de outro parlamentar que enviou dinheiro para a faculdade onde o filho estudava.

E, em vários municípios beneficiados, a Controladoria Geral da União (CGU), ao final de 2024, realizou auditoria sobre o uso das emendas em questão, nelas verificando, entre vários desacertos, obras não iniciadas (29 em 37 localidades = 78%); ONGs sem capacidade operacional e não monitoradas pela respectiva prefeitura; a cidade de Tartarugalzinho (AP), com apenas 12 mil habitantes, favorecida com um repasse de R$ 87 milhões. 2

Aqui, de enfatizar que cabe tão somente ao Executivo arrecadar e planejar o uso do dinheiro público (CF, art. 165); para esse encargo, o Governo Federal dispõe de técnicos qualificados, com visão ampliada e interrelacionada das demandas regionais. Nesse sentido, a apropriação de 3% da receita federal, R$ 50 bilhões, tem desvirtuado aquela irrenunciável função executiva.

Segundo o cientista político e professor do Insper, Leandro Cosentino, “o que a gente tem praticamente hoje é um parlamentarismo branco, onde o legislativo tem um poder de agenda muito grande, controla boa parte do processo orçamentário e agora o executivo perde essa moeda de troca e perde a capacidade de conseguir aglutinar apoios para implementar sua agenda” 3.

Naturalmente, essa prática tem-se intensificado em anos de voto popular, o que assegura a reeleição dos autores das emendas e, por extensão, dos prefeitos beneficiados; prova disso, em 2024, observou-se a reeleição recorde de 81 % dos prefeitos 4.

Em razão das intensas advertências e interdições do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente do ministro Flavio Dino, tratou-se de melhor normatizar as emendas sobre o orçamento federal, daí surgindo a Lei Complementar 210, de 2024 e a Portaria Interministerial nº 15, de 2025.

É o que a seguir veremos.


3. A Lei Complementar 210, de 2024

Segundo tal diploma, as intervenções através das quais os parlamentares federais remetem dinheiro para os respectivos estados, as chamadas emendas de bancadas só podem financiar projetos estruturantes, vale dizer, ações de governo que transformem, de forma significativa, o contexto socioeconômico de uma área de atuação ou de uma região geográfica; eis a construção de rodovias ou dos sistemas de saneamento; os planos para o desenvolvimento econômico de certas regiões; a capacitação profissional de trabalhadores, entre tantas outras possibilidades.

As emendas de bancada estadual não poderão nunca individualizar este ou aquele parlamentar.

No caso das emendas individuais, o deputado federal ou senador informará o objeto e o valor da transferência especial, com destinação prioritária para obras inacabadas de sua autoria. Sendo assim, põe-se fim, ao menos sob a letra da lei, do emprego livre, não vinculado, do recurso, já que, agora, a precondição é um plano de trabalho, atrelando a emenda a tal ou qual projeto do governo contemplado.

Ainda, a LC 210/2024 diz que o Tribunal de Contas da União (TCU) “também” fiscalizará as emendas especiais. Nesse cenário, a conjunção “também” revela que os tribunais regionais de contas (estaduais e municipais) devem, prioritariamente, auditar a respectiva transferência, sem prejuízo do envolvimento parceiro daquela corte de contas da União.

Além disso, as emendas individuais serão apenas movimentadas em conta bancária específica, a ser aberta diretamente pelo sistema Transferegov; uma conta para cada emenda . Eis aqui, a propósito, mais uma exceção ao art. 56, da Lei 4.320/1964, o que determina a unidade de tesouraria e, portanto, movimentação dos recursos públicos em uma única conta bancária, sendo, no caso, o controle feito de modo puramente contábil.

Ainda, a mencionada lei complementar determina que, em 30 dias, o Executivo preste as seguintes informações ao Poder Legislativo e ao tribunal de contas: a) valor recebido; b) plano de trabalho; c) cronograma de execução.

Assim como possibilita a Constituição, o Executivo Federal pode vetar emendas tidas inviáveis. Bem por isso, a LC 210 enumera casos de impedimento técnico, entre eles a ausência do projeto de engenharia e de licença ambiental; a insuficiência financeira da emenda frente ao objeto pretendido; a não demonstração de que o beneficiado reúne capacidade para custear a manutenção do futuro investimento; a incompatibilidade com a respectiva política pública.


4. A Portaria nº 15, dos Ministérios da Fazenda e da Gestão e Inovação (julho de 2025)

Segundo tal Portaria e em observância à Constituição (art. 166-A, § 2º, III), as emendas por transferências especiais (Pix) serão aplicadas em ações finalísticas do ente beneficiado. Em assim sendo, o dinheiro não pode ser usado, por exemplo, na compra de computadores para as áreas administrativas da Prefeitura, pois que estas configuram a atividade-meio do Município e, não, a necessária área-fim.

E, diferente das outras transferências voluntárias da União, as tais emendas especiais dispensam o art. 25. da Lei de Responsabilidade Fiscal, na medida em que os beneficiados não precisam demonstrar adimplência junto ao Governo Federal.

No sistema federal de controle eletrônico (Transferegov), o interessado preencherá o plano de trabalho, informando valores, metas físicas, prazos, e-mail dos respectivos conselhos sociais, entre vários outros dados solicitados.

De dizer que o plano de trabalho sofrerá análise objetiva do Sistema de Gestão de Parceria da União (Sigpar), podendo ser aprovado, reprovado ou, na incerteza, solicitada complementação de informações. E, enquanto não referendada pelo Sigpar, a emenda parlamentar não poderá ser empenhada pela União.

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Além do mais, a Portaria Interministerial nº 15 preceitua que, inscritas em Restos a Pagar (RAP), as transferências especiais serão sempre pagas antes das empenhadas no próprio ano corrente. Neste particular, de lembrar que os 2% das impositivas afiguram-se constitucionalmente satisfeitos, ainda que metade deles (1%) seja adiada, por meio da inscrição RAP. Daí, resta claro que esse comando da Portaria 15 evita o preterimento das emendas residuais, perfiladas no estoque de Restos a Pagar.

No art. 25, a Portaria 15/2025 parece contradizer a Constituição, pois indica, em certas hipóteses, a devolução de recursos à União, enquanto, para a Lei Maior, a emenda especial passa a pertencer ao “ente federado no ato da efetiva transferência financeira”. (art. 166-A, § 2º, II) Se incorporada, de forma permanente, ao patrimônio financeiro do beneficiado, a emenda não deveria ser restituída à União, sob pena de renúncia irregular de receita. Esse pertencimento, aliás, vê-se reiterado na própria Portaria 15:

Art. 2º Os recursos decorrentes da execução de que trata o art. 1º serão repassados diretamente ao ente federado beneficiário, ao qual passam a pertencer no ato da efetiva transferência financeira , independentemente de celebração de convênio ou instrumento congênere, nos termos do art. 166-A, § 2º da Constituição.

Tendo em mira que, a mando constitucional, as transferências voluntárias não bancam despesas com pessoal e às relativas ao serviço da dívida (art. 167, X), nessa trilha o valor da emenda não comporá a receita corrente líquida do ente beneficiado; isso, somente na apuração dos limites daqueles dois gastos.


5. O que deve fazer o Município para receber as emendas por transferências especiais de deputados federais e senadores.

Pretendente às emendas impositivas individuais, na modalidade transferência especial, os municípios devem providenciar o que segue:

  • a) Dentro do Sistema Transferegov, apresentar plano trabalho voltado a área-fim do Município, enunciando valores, metas físicas, prazos, entre outros dados solicitados;

  • b) Movimentar o recurso apenas em conta bancária aberta pelo Transferegov (uma para cada emenda);

  • c) Não utilizar o recurso em despesas com pessoal (ativo e inativo), nem nas alusivas ao serviço da dívida (juros, amortização do principal, etc.);

  • d) Em 30 dias após o recebimento, informar a Câmara dos Vereadores e o tribunal de contas: a) valor auferido; b) plano de trabalho; c) cronograma de execução;

  • e) Registrar a receita nos termos da Portaria STN nº 710, de 2021;

  • f) Abrir crédito orçamentário na ação indicada no plano de trabalho;

  • g) Decorrentes da emenda transferida, os recursos serão mantidos em aplicações financeiras;

  • h) Sobreditos rendimentos financeiros e mais os saldos remanescentes financiarão acréscimos nas metas ditas no plano de trabalho;

  • i) No caso de o valor ser entregue para entidades do 3º Setor, serão estas notificadas que o dinheiro tem a ver com emenda parlamentar, na modalidade transferência especial;

  • j) No Transferegov, o Município incluirá o relatório de gestão da emenda recebida, até 30 de junho do exercício seguinte ao recebimento do recurso.


Notas

1 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1191665277/inteiro-teor-1191665279

2 https://www.cnnbrasil.com.br/politica/cgu-irregularidades-ongs-emendas/

3 https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/03/21/esporte-e-turismo-foram-os-ministerios-com-maior-fatia-do-orcamento-vinda-de-emendas-parlamentares-em-2024-veja-lista.ghtml

4 https://cnm.org.br/comunicacao/noticias/numero-de-reeleitos-nas-eleicoes-municipais-de-2024-e-o-maior-da-historia

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Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos sobre orçamento público. Consultor da Fiorilli Software. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Ex-Diretor Financeiro da Prefeitura de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. As tentativas de reparar as emendas orçamentárias do Congresso Nacional.: A Lei Complementar nº 210/2024 e a Portaria Federal nº 15/2025. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8074, 9 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115161. Acesso em: 5 dez. 2025.

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