3. ANÁLISE DO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: APROVAÇÃO DO PLANO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES E DECISÃO QUE CONCEDEU A RECUPERAÇÃO JUDICIAL E HOMOLOGOU O PLANO
O despacho inicial trata de temas já abordados, ao longo deste trabalho, como a função social da empresa e a necessidade de preservá-la, pontuando ainda os avanços decorrentes da nova legislação acerca da recuperação e falência. Ele assevera que a vasta documentação, acostada pela empresa requerente da recuperação, atende, a princípio, os requisitos legais. Destaca-se, neste despacho, a deliberação acerca do pedido feito pela empresa de liberar os produtos de sua produção da safra 2008, que estavam arrestados por ordem do Juízo da 30º Vara Cível da Comarca de São Paulo, nos autos 583.00.2009.120480-7.
Sabe-se que um dos efeitos do deferimento da recuperação judicial é a suspenção de todas as ações ou execuções contra o devedor, art. 6º da Lei 11.101/2005, contudo, de acordo com o despacho, a constrição judicial foi determinada, em data anterior ao pedido de recuperação. Nessa senda, não seria aplicável, in casu, o art. 49. da supracitada lei, haja vista que a situação que se apresenta é que o pedido de liberação, concomitante ao pedido de recuperação judicial, foi feito posteriormente ao arresto.
A suspensão dos feitos opera-se ex nunc, não podendo atingir os atos praticados e que já se consumaram, sob pena de insegurança jurídica, suspendem-se os processos, mas preservam-se os atos já praticados e exauridos. Outro argumento usado foi a impossibilidade de intromissão na competência do Juízo de SP que, tendo dado origem ao arresto, é o único que pode desconstituí-lo, além do próprio TJSP, pensar diferente seria ir de encontro ao art. 86. do CPC, que traça os limites da competência jurisdicional.
Ademais, interessante o despacho do dia 03/04/2009, no qual o Juízo da Primeira Vara Cível da Comarca do Cabo de Santo Agostinho acolheu o pedido de troca de garantia do crédito bancário, o estoque de açúcar e álcool provenientes da safra de 2008 da Usina, por uma certa quantia de cana-de-açúcar. Nessa senda, o Juízo entendeu que é necessário dar condições à recuperanda para o soerguimento, o que não aconteceria, se ela não pudesse vender o álcool e açúcar, dados em garantia, que são os únicos produtos que pode oferecer ao mercado, naquele momento.
O Juízo vislumbrou que de certo não haveria aceitação do Banco Bradesco, na mudança de garantia, conforme asseverou: “Teria que se contar com um certo espírito de colaboração do credor, o qual normalmente não se faz presente na atividade comercial em geral”. Com efeito, analisando que o estoque dado em garantia só poderia ser vendido em juízo, ficando depositado por pelo menos 180 dias até a alienação, e pensando no futuro da empresa, na necessidade de “fazer caixa”, pagar as despesas operacionais e, principalmente, na remuneração dos funcionários que estava em atraso, foi concedido o mandado de liberação para alienação dos bens anteriormente dados em garantia.
O despacho utiliza-se de uma argumentação retórica para constatar o que se deve fazer por questão de justiça: possibilitar a venda do álcool e do açúcar (garantia anterior) sem deixar desassistido o credor, que terá à sua disposição a lavoura de cana-de-açúcar indicada nos autos. Posteriormente, o valor arrecadado com a venda foi depositado em conta judicial aberta especificamente para este numerário, sendo algo de extrema importância para o controle das finanças da empresa. Todas as vezes que a recuperanda necessitava da liberação de alguma quantia, peticionava fundamentadamente ao juiz, que poderia acatar ou não, levando sempre em consideração um parecer elaborado pelo administrador judicial, designado no despacho inicial.
Traz-se à baila o despacho do dia 19/06/2009, no qual o Juízo determina a ineficácia do manejo de ação de busca e apreensão dos produtos em garantia fiduciária que estavam no estabelecimento da usina. Destarte, mesmo não se submetendo à recuperação, esses produtos “indiretamente sofrem sua influência”, o que se verifica pelo art. 49, §3º da Lei 11.101/2005, in verbis:
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
(grifou-se)
Logo, foi precisa a atuação do Juízo, pois os produtos situados no armazém deveriam ser preservados sob domínio da empresa, porquanto, em alguns casos, a exclusão da propriedade fiduciária da recuperação pode levar ao insucesso da empreitada, in casu, foi feita uma correta ponderação, com efeito, identifica-se o comprometimento com o soerguimento da empresa. No despacho do dia 07/07/2009, é possível perceber quanta responsabilidade é exigida do Juízo da recuperação e quantas questões é chamado a dirimir, decidiu-se acerca da incompetência do Juízo para deliberar sobre uma possível violação de arresto ou penhora, pois, nesse caso, seria necessário intentar-se um novo processo, no qual pudessem ser produzidas provas.
A Control Union Warrants LTDA., empresa que pretendia as providências do Juízo, quanto à suposta violação, não tinha legitimidade para estar no processo de recuperação, pois não era credora da recuperanda. No despacho no dia 28/07/2009, o Juízo delibera sobre o pedido de retirada do nome da recuperanda dos registros de protesto e dos cadastros de proteção ao crédito, logo é lembrado o período de 180 dias, em que ficam suspensas as ações de execução, no qual há um cuidado do legislador em preservar a empresa para o sucesso da recuperação.
Se são suspensas as ações de execução judicial, com mais razão devem ser suspensos quaisquer atos contra o devedor, decorrentes de sua inadimplência. Os prejuízos de ter seu “nome negativado” são muito elevados para a empresa, afinal como poderia buscar novas fontes de créditos? Qualquer empresa depende muito da confiança que lhe é creditada pelo mercado. Outrossim, o Juízo pondera que a inscrição do nome da empresa nos registros de protesto e cadastro de proteção ao crédito não trarão vantagens para os credores, em verdade, provocarão vários prejuízos à devedora, podendo, engendrar a falência. Com efeito, a medida mostra-se desproporcional, até mesmo para os credores, que desejavam ver seus créditos quitados.
Com a recuperação judicial, ocorre a novação dos créditos do plano, não podendo continuar os gravames ou qualquer outra obrigação acessória, com relação a esses créditos, haja vista que não são mais os mesmos, pela novação; destarte, o juízo determinou o cancelamento da inscrição no Serasa e SPC. No dia 05/10/2009, o pedido de homologação judicial do plano de recuperação judicial foi decidido pelo Juízo da Primeira Vara Cível da Comarca do Cabo de Santo Agostinho, tendo a Assembleia Geral de Credores se reunido em 28/08/2009, com a presença de todas as classes de credores.
A Assembleia Geral de Credores é o órgão mais importante da recuperação judicial, sendo responsável pelos rumos da empresa em crise, aprovando ou não as promessas feitas por ela, objetivando seu soerguimento. In casu, houve aprovação confortável do plano de recuperação, com ampla maioria na classe II (com garantia real), com unanimidade na aprovação em duas classes de credores, I (trabalhistas) e III (quirografários). O plano de recuperação foi bem feito, é a senda do soerguimento da empresa, está em consonância com os princípios da Lei 11.101/2005, pelos quais deve haver um equilíbrio entre a preservação da empresa e os interesses dos credores; tudo com a consciência da importância dos benefícios sociais que a empresa promove. O Ministério Público opinou favoravelmente ao plano.
Neste diapasão, foi bem usado o princípio da preservação da empresa pelo Juízo Universal, porquanto a regra é buscar a salvação da empresa, desde que haja viabilidade econômica e social nisso. Nessa senda, o art. 47. da Lei 11.101/2005 colocou à disposição dos atores principais, no cenário da crise da empresa, as solução da recuperação judicial, sendo a falência decretada, se e somente se, quando for totalmente inviável a manutenção da atividade empresarial (SALOMÃO; SANTOS, 2012, p. 14).
O Juízo, com sagacidade, tece críticas à Lei de Recuperação e Falência, a qual determina a necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos fiscais, contudo isso vai de encontro ao próprio escopo da Lei, porquanto é notório que os maiores credores das empresas nacionais é o Estado. Não obstante, no Brasil, os serviços públicos, de modo geral, carecem de qualidade, malgrado a alta carga tributária incidente nos cidadãos (próximo a 40% do PIB), de modo geral, e nas empresas, de modo específico.
Outrossim, obtempera o Juízo que, se fosse exigido da empresa que as dívidas com o Estado fossem quitadas, a recuperação judicial malograria, pois, como foi dito, o principal credor da empresa é o “Estado Leviatã”. Ademais, os créditos fiscais são preservados, na recuperação judicial, a Lei de Recuperação e Falência os afastam do seu alcance, logo os créditos tributários podem ser objeto de execuções fiscais, não se suspendendo pela recuperação judicial. Nessa senda, jurisprudência, doravante:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIAS E CONCORDATA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROVA DA QUITAÇÃO DOS TRIBUTOS. DISPENSABILIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA Trata-se de agravo de instrumento tirado em face da decisão singular que concedeu a recuperação judicial das empresas agravadas sem a apresentação de comprovação da regularidade tributária; A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Inteligência soberana e superior do art. 47. da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei Federal n.11.101/2005). Nesse contexto, com os corolários e os princípios que adornam a novel legislação que permite e viabiliza, ao invés do decreto falimentar, a possibilidade da recuperação empresarial, não há espaço para a interpretação literal e restrita dos arts. 57, in fine da mesma Legislação e art. 191-A do CTN que exigem a apresentação de "certidão negativa de débitos tributários ou quitação de todos os tributos" como condição para a concessão da recuperação judicial. Não há empresa à beira da falência, em dificuldades financeiras, que não apresente débitos fiscais. É possível uma sobrevida empresarial sem o pagamento dos tributos, mas impossível sem o pagamentos dos insumos e fornecedores. Os tributos podem ser alvo de parcelamento, sem prejuízo da concessão da recuperação judicial. Inteligência do art. 68. da LRJF. A orientação do egrégio STJ, mais consentânea com a realidade social e sensível à situação empresarial tem emprestado interpretação teleológica e axiológica ao art. 57. da LRJF e art. 191-A do CTN, para o fim de dispensar, para efeito de concessão de Recuperação Judicial Empresarial, a apresentação de prova de "quitação de todos os tributos" ou, mesmo, certidão positiva com efeito de negativa. Logo, pertinente e possível a homologação do plano de Recuperação Judicial sem a prévia apresentação de certidão negativa tributária ou ausência de certidão positiva com efeito de negativa, a despeito dos arts. 57. da LRJF e 191-A do CTN. (...)
(TJ-RS - AI: 70053308920 RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Data de Julgamento: 24/10/2013, Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 08/11/2013)
DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXIGÊNCIA DE QUE A EMPRESA RECUPERANDA COMPROVE SUA REGULARIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 57. DA LEI N. 11.101/2005 (LRF) E ART. 191-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. O art. 47. serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é" viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica ". 2. O art. 57. da Lei n. 11.101/2005 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN. (...)
(REsp 1187404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/06/2013, DJe 21/08/2013). (grifou-se)
Assim, foi favorável a decisão de homologação do plano, o qual foi apresentado e aprovado pela Assembleia Geral de Credores, art. 58. da Lei 11.101/2005, concedendo-se a recuperação judicial da Usina Bom Jesus S/A. Ademais, o despacho, de 01/07/2011, deliberou acerca da autorização para incorporar imóveis da Usina Bom Jesus S/A, a fim de realizar o capital da Sociedade de Propósito Especifico (SPE), criada com o nome de Bom Jesus Comercial S/A, cujo propósito era atuar nas vendas da Usina. Como justificativa para a admissão do pedido, a Usina aduziu que estava cumprindo o plano de recuperação, com a quitação dos débitos de 83% dos credores, e que vinha operando normalmente, conquanto ter dificuldades.
A criação da Sociedade de Propósito Específico (SPE) é uma das saídas para recuperar a empresa e, conforme exposto, deve atuar nas vendas da Usina, logo é necessária a sua criação, por haver grande dificuldade na obtenção de créditos, pela empresa, pois a condição de recuperação judicial ainda é mal vista pelo mercado. Com efeito, a concessão de linhas de créditos às empresas em recuperação é muito difícil, pela reação negativa do mercado, tornando quase inexequível a própria recuperação.
Porém, o Juízo, atento às idiossincrasias do mundo empresarial, entendeu que a criação da SPE era necessária para intermediar a comercialização dos produtos da recuperanda, não havendo prejuízo aos credores, os quais permaneciam com suas garantias incólumes. Os credores teriam possibilidade de fiscalizar a atuação da SPE, com assento em seu conselho fiscal, destarte, foi apreciado e acolhido o pedido da Usina, para determinar a incorporação dos imóveis, para realizar o capital da SPE. Para essa nova sociedade, como referência de valor para o capital social, foi estabelecido R$ 20.000 (vinte milhões de reais).
No dia 04/11/2011, os autos seguiram conclusos, com relatório e requerimento do administrador judicial, para finalização da recuperação, pelo cumprimento das obrigações vencidas, art. 61. da Lei 11.101/2005. Nessa senda, o Ministério Público opinou favoravelmente pelo fim do procedimento de recuperação judicial, de acordo com a Lei 11.101/2005, cabe ao juiz a decisão declaratória do fim da recuperação judicial, se e somente se, cumpridas as obrigações do plano de recuperação judicial, no prazo previsto. In verbis:
Art. 63. Cumpridas as obrigações vencidas no prazo previsto no caput do art. 61. desta Lei, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará:
I - o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente podendo efetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta) dias, e aprovação do relatório previsto no inciso III do caput deste artigo;
II - a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas;
III - a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor;
IV - a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial;
V - a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis.
(grifou-se)
In caso, o Juiz, o Administrador Judicial e o Ministério Público perceberam que todas as obrigações assumidas pela empresa em recuperação foram cumpridas no prazo legal de dois anos, a contar da concessão, e o processo transcorreu naturalmente. Assim, foi constatado que a empresa apresentou um desenvolvimento além do esperado, aproveitando o crescimento da economia da região e o desenvolvimento do mercado internacional do açúcar.
Demonstrando confiança, o Juízo disse que a empresa
cumpriu a contento parte do plano até agora e, por certo, cumprirá o remanescente, sendo evidente que vem suplantando a sua crise, honrando a sua função social. Em face do exposto, decreto o encerramento da recuperação judicial da USINA BOM JESUS S/A, tendo em vista o cumprimento das obrigações assumidas no plano respectivo, o que faço com arrimo no citado art. 63. da Lei n. 11.101/05. Assim, determino: (a) A homologação do quadro geral de credores, não impugnado; (b) O pagamento do Administrador Judicial nos termos requeridos às fls. 5599/5602, com anuência da UBJ (fls. 5615); (c) Oficie-se a JUCEPE, dando conta do encerramento desta recuperação judicial, para retirada da inscrição pertinente.
No dia 28/08/2012, o juízo da Primeira Vara Cível da Comarca do Cabo, após manifestação do Administrador Judicial, decidiu acerca de diversas providências de menor monta e, verificando o longo decurso de tempo desde o trânsito em julgado da sentença, determinou o arquivamento do feito, após cumpridas as referidas pendências.