Capa da publicação O "delatado premiado" e a peruca salvadora de Fux
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A peruca jurídica de Luiz Fux voará ou salvará Jair Bolsonaro?

12/09/2025 às 17:33

Resumo:


  • Frases emblemáticas que resumem abusos cometidos pela Lava Jato contra Lula e a decisão de inocência de Bolsonaro.

  • Críticas ao voto de Luiz Fux na AP 2668, destacando a criação de um novo instituto jurídico.

  • Análise sobre a importância de respeitar o conjunto probatório e a dogmática jurídica nas decisões judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Luiz Fux absolveu Bolsonaro na AP 2668 ignorando provas de autoria e materialidade. A criação de um “delatado premiado” é juridicamente válida ou afronta o CPP?

Não tenho provas, mas tenho convicção” é a frase lapidar que resumiu de maneira brilhante todo o abuso cognitivo, jurídico, processual e funcional cometido pelos procuradores da Lava Jato contra Lula (então ex-presidente da república). Referida frase foi dita na famosa conferência de imprensa do PowerPoint em que foi apresentada a denúncia do Triplex, episódio que resultaria anos depois na condenação de Deltan Dellagnol a indenizar os danos morais causados ao próprio Lula.

Apesar de ser longo, demorado, cansativo, artificialmente erudito e sem dúvida alguma pedante, o voto dado ontem pelo Ministro Luiz Fux nos autos da AP 2668 em 10/09/2025 pode ser resumido numa frase: “Apesar das provas da materialidade do delito e da autoria estou convicto de que o réu Jair Bolsonaro é inocente.”

Fux falou muito e cometeu várias gafes e erros de pronúncia. Mas o mais importante é aquilo que o voto dele deixou implícito. Ao condenar Mauro Cid e absolver Jair Bolsonaro, o Ministro do STF criou um novo instituto jurídico, o da delação com um delatado premiado considerado inocente apesar da existência de provas seguras de sua culpabilidade.

Explico. A delação premiada parte de três pressupostos básicos: a prática de um crime ou de vários crimes pelo delator em conjunto com outras pessoas; a confissão voluntária da autoria do crime ou dos crimes pelo delator com o fornecimento de detalhes específicos e indícios de provas que implicam outros membros da quadrilha ou bando criminoso; a homologação da delação para que o delator possa obter redução de pena.

Durante a Lava Jato, as delações premiadas eram obtidas mediante tortura. As prisões cautelares temporárias se estendiam indefinidamente no tempo até que o torturado se sentisse convencido a delatar seus parceiros ou pessoas inocentes que o MPF queria denunciar. Quem delimitava o conteúdo das delações não eram os delatores e sim a equipe comandada por Deltan Dallagnol. Delações sob encomenda são ilegais, mas durante a Lava Jato foram legitimadas pelo TRF-4, STJ e até mesmo pelo STF. As irregularidades processuais do lavajatismo foram objeto de muita reflexão jurídica e ficaram melhor conhecidas quando explodiu o escândalo da Vaza Jato.

Vários réus da Lava Jato foram condenados exclusivamente com base nas delações premiadas. Isso obviamente configura outra irregularidade grave, porque a Lei obriga o Estado a provar a autoria e a materialidade do delito para condenar e impor pena a quem quer que seja. No Brasil, o Judiciário não pode condenar o réu somente porque ele confessou um crime grave para proteger alguém que ama ou condenar o réu somente porque ele foi acusado de prática delitiva por um criminoso confesso.

O art. 197, do CPP é claro:

O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre esta e elas existe compatibilidade ou concordância.”

Essa regra obviamente se aplica aos processos com delação premiada. Se não existir nenhum elemento de prova de autoria e materialidade do delito imputado ao delator e ao delatado, ambos terão devem ser absolvidos. As provas da materialidade do delito que levam à conclusão de que o delator cometeu o crime não necessariamente levarão à condenação do delatado. Além da delação, devem existir provas de que o delatado cometeu o crime. Mas se as provas de autoria e materialidade do crime levam à conclusão de que ambos agiram em conjunto para a obter o mesmo resultado criminoso a condenação de ambos é inafastável.

Esse é o caso do seu Jair. O Laudo da Polícia Federal que embasou a denúncia coletou evidências suficientes para qualquer pessoa chegar à conclusão de que o ex-presidente comandava a quadrilha golpista à qual pertenceu Mauro Cid. Ademais, Mauro Cid era ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, não sendo plausível a versão de que ele somente agiu em conluio com Braga Netto (réu condenado por Luiz Fux) sem o conhecimento, autorização ou participação direta do superior direto dele.

O principal beneficiário do golpe de estado não seria candidato a vice-presidente derrotado, mas o cabeça de chapa que atacou sistematicamente a Justiça Eleitoral durante um ano. Jair Bolsonaro se recusou a admitir a derrota, incentivou os acampamentos nas portas dos Quartéis e radicalizou a militância bolsonarista em favor da intervenção militar antes, durante e depois da eleição. Fux não poderia negar isso, mas ele preferiu silenciar sobre essas questões.

No Brasil, o juiz tem liberdade para condenar ou absolver, mas não para ignorar o conjunto probatório. É isso o que consta do art. 155, do CPP, e do art. 177, do CPC.

Art. 155, CPP: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Art. 371. CPC: O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

É evidente que um Ministro do STF votar de acordo com sua consciência, mas ele deve se ater ao conjunto probatório. Luiz Fux não poderia simplesmente ignorar as provas de autoria e materialidade dos delitos imputados a Jair Bolsonaro, substituir o conjunto probatório por sua convicção de inocência ou mesmo considerar sua ideologia, religião ou convicção política mais importantes do que a legislação processual que ele tem o dever de cumprir e fazer cumprir.

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A dogmática jurídica limita o espaço que o juiz tem para fazer escolhas. Ele não pode presumir culpado um réu cuja inocência emerge das provas existentes no processo. Nem tampouco deixar de condenar alguém somente porque considera isso politicamente correto. O voto proferido na AP 2668 não é e não pode ser uma peça de ficção tendo como premissa “Coitadinho do seu Jair, esse sempre defendeu publicamente a democracia, nunca atacou a Justiça Eleitoral e o STF e foi vítima inocente do plano golpista comandado pelo ajudante de ordens dele em conluio com Braga Netto.”

Ademais, o sucesso eleitoral e político do seu Jair sempre se baseou num fundamento distinto daquele que utilizado como premissa no voto de Luiz Fux. Após ser expulso do Exército, Bolsonaro fez carreira parlamentar prometendo destruir a democracia e matar/torturar esquerdistas. Ele ganhou a presidência vomitando Fake News, ódio e autoritarismo e lutou contra a normalidade democrática do primeiro ao último dia do mandato com a esperança de cumprir a missão que lhe foi dada pelas criaturas infernais fardadas ao lado dele.

Talvez Jair Bolsonaro não seja o verdadeiro comandante em chefe do golpe. Mas nenhum juiz que analise com calma a AP 2668 pode realmente dizer que inexistem provas seguras de que ele participou da trama golpista do começo ao fim. E isso é mais do que suficiente para que ele seja condenado.

O novo instituto criado por Luiz Fux (delação com um delatado premiado considerado inocente apesar da existência de provas seguras de sua culpabilidade) não para em pé. Ele resista tão mal à dogmática jurídica quando uma peruca ao vento se não for fixada na careca com cola para prótese capilar.

Luiz Fux proferiu sua decisão querendo fazer história, mas ele entrará apenas para os anais da infâmia do STF. O voto dele será vencido e rapidamente esquecido pela população em geral. Entretanto, o blá-blá-blá de Luiz Fux em favor de Jair Bolsonaro tem um significado preocupante. As artimanhas retóricas pseudo-jurídicas que foram criadas para contornar a aplicação da Lei ao caso Jair Bolsonaro é uma evidência robusta de que o lavajatismo jurídico não morreu. Ele virou um zumbi perigoso que espreita das sombras que vive nas gretas das instituições democráticas, sempre disposto a devorar o sistema nevoso central da Constituição Cidadã.

Num STF em que o fuxismo evangélico-jurídico predominasse não haveria espaço nem para a racionalidade jurídica, nem para o respeito aos direitos humanos e às garantias individuais. Quando os juízes torturam o conteúdo da Lei e dos processos penais em favor dos poderosos o resultado é quase sempre a tortura impune de prisioneiros nos porões de uma ditadura. Nesse sentido, Fux se elevou ontem à condição de último jurista do terror disfarçado de juiz isento e erudito.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. A peruca jurídica de Luiz Fux voará ou salvará Jair Bolsonaro? . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8108, 12 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115588. Acesso em: 5 dez. 2025.

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