Artigo Destaque dos editores

Princípio da fungibilidade e termo inicial do prazo de três dias para realizar o pagamento

(art. 652, caput, CPC)

10/08/2008 às 00:00

Resumo:


  • Defende-se a aplicação do princípio da fungibilidade na temática dos prazos processuais, especialmente sobre o termo inicial do prazo para o executado realizar o pagamento da dívida.

  • O princípio da fungibilidade, derivado do princípio da instrumentalidade, não deve ser concebido de forma restritiva, mas sim como uma possibilidade de aceitação de um meio por outro, baseado na existência de dúvida fundada.

  • No caso de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo de três dias para o pagamento da dívida, decorrente de interpretações juridicamente razoáveis da lei, a aplicação do princípio da fungibilidade se impõe, garantindo a tempestividade do ato executado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: 1. Introdução – 2. Por uma pacificação no caso concreto - 3. Princípio da fungibilidade: breves ilações – 4. Aplicação do princípio da fungibilidade no caso de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo de três dias para a realização do pagamento (art. 652, caput, CPC) – 5. Conclusão – 6. Referências.

Resumo: defende-se, uma vez mais, a aplicação do princípio da fungibilidade na temática "prazos processuais", tendo presente a existência de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo para o executado realizar o pagamento da dívida, previsto no art. 652, caput, do CPC.

Palavras-chave: princípio da fungibilidade – execução de título extrajudicial – Lei 11.382/2006 – prazo para pagamento – art. 652, caput, CPC.


1. Introdução

Com o advento da Lei 11.382/2006, muito se tem discutido acerca do termo inicial do prazo de três dias para a realização do pagamento da dívida, na execução fundada em título extrajudicial. Dúbia a lei, duas correntes se apresentam, ambas juridicamente razoáveis.

Uma corrente defende a posição que referido prazo deve ser contado a partir da data da citação. Fundamenta-se no art. 652, §1º, do Código de Processo Civil (CPC), o qual prevê que, não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora dos bens e a sua avaliação [01]. Outra, que referido prazo conta-se da juntada aos autos do mandado de citação cumprido, conforme a disciplina geral prevista no art. 241, CPC [02].

Não se pretende, nesta sede, tornar ainda mais acesa tal controvérsia, defendendo-se o acerto de uma ou outra posição, ambas, como já dito, juridicamente razoáveis. Alternativamente, propõe-se uma pacificação, até quando uma pacificação nesse sentido é possível.


2. Por uma pacificação no caso concreto

Defende-se uma pacificação no caso concreto; não no tablado das discussões teóricas. É que as partes não podem restar prejudicadas simplesmente porque existe um fundado dissenso doutrinário e jurisprudencial sobre o termo inicial de um prazo processual.

Ora, sendo ambas as posições juridicamente razoáveis, ambas as posições devem ser aceitas no caso concreto como corretas, sob pena de desnaturar a natureza instrumental do processo, tornando-o, como meio, mas importante ontologicamente do que os fins a que se destina.

Reitera-se, por pertinente: não pode a parte ser prejudicada simplesmente porque não existe um consenso doutrinário ou jurisprudencial sobre o termo inicial de um prazo. Isto seria surreal!

Por isso, sustenta-se, uma vez mais, a aplicação do princípio da fungibilidade no caso de dúvida fundada sobre prazo. É que já se teve a oportunidade de defender a possibilidade de conhecimento de ato em tese intempestivo no caso de dúvida fundada sobre a natureza do prazo do art. 2º, caput, da Lei 9.800/99, que prevê a prática de atos via fax [03].

Naquele caso, tratava-se de saber se o prazo de cinco dias para a apresentação dos originais em juízo era ou não prazo novo, surgindo daí a dúvida sobre o último dia para a confirmação do ato [04]. Na ocasião, defendeu-se que tanto uma como outra corrente deveria ser aceita, tomando-se como tempestivo tanto o ato daquela parte que considerou o interregno de cinco dias novo prazo como daquela que o considerou continuação do primeiro.

Presentemente, cuida-se de dúvida fundada sobre o termo inicial para a contagem do prazo, tendo como válidas as mesmas premissas que à época assentou-se a respeito do princípio da fungibilidade, as quais se passa a expor, posto que sucintamente.


3. Princípio da fungibilidade: breves ilações

O princípio da fungibilidade, corolário direto do princípio da instrumentalidade, foi objeto de novas interpretações [05] e não deve mais ser concebido segundo aquela visão tradicional que restringia sua aplicação a pouquíssimos casos – notadamente recursos e tutelas de urgência- ou a condicionava ao preenchimento de requisitos desnecessários, para não dizer obstativos mesmo do exercício do direito fundamental à prestação jurisdicional.

Tradicionalmente, são considerados requisitos para a aplicação do princípio da fungibilidade: (i) inexistência de erro grosseiro, (ii) observância do prazo inicialmente previsto para a prática do ato substituído, considerado o apropriado (exemplo: a apelação interposta no lugar do agravo deveria obedecer ao prazo de dez dias previsto para este recurso e não o de quinze daquele) e (iii) existência de dúvida objetiva.

Criticamente, vale dizer, apresentando o princípio da fungibilidade como deve ser entendido contemporaneamente, para além de uma aplicação tradicional, ou tradicionalista, pode-se afirmar que:

(i) o requisito da inexistência de erro grosseiro referido pela doutrina tradicional nada mais é que a dúvida fundada vislumbrada sob outra perspectiva. Afinal, quem incide em erro grosseiro, não o faz em razão de dúvida fundada; quem possui dúvida fundada, não incide em erro dito grosseiro.

(ii) a observância do prazo constitui, certamente, no mais descabido dos requisitos, uma vez que, existindo situações de dúvida fundada abarcando recursos com prazo de interposição diferentes, a exigência de cumprimento desta condição tornaria sem efeito o próprio princípio da fungibilidade.

Acredita-se que tal idéia derive da desacertada concepção de que o princípio da fungibilidade só tem cabimento quando possível a conversão de um meio em outro. A palavra-chave, contudo, não é "conversão" e sim "aceitação". Trata-se de aceitar- e não de converter- um meio por outro. Veja, fungibilidade quer significar justamente isso: substituição. Caso contrário, inadaptações procedimentais levariam à impossibilidade irremediável de aplicação do princípio da fungibilidade [06].

(iii) o único requisito para aplicação do princípio da fungibilidade é a existência de dúvida fundada [07], assim considerada aquela originária (i) da impropriedade da lei, (ii) do dissenso doutrinário e/ou jurisprudencial e (iii) no proferimento pelo juiz de um ato no lugar de outro tido como correto.


4. Aplicação do princípio da fungibilidade no caso de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo de três dias para a realização do pagamento (art. 652, caput, CPC)

No caso do termo inicial do prazo de três dias para o executado efetuar o pagamento da dívida, como demonstrado, verifica-se um dissenso doutrinário claro e, não sendo o caso de falar-se em "impropriedade da lei", pode-se vislumbrar, no mínimo, uma dubiedade desta.

Se a presença de somente uma dessas razões já seria suficiente para aplicar-se o princípio da fungibilidade, o que dizer quando a lei dá margem a mais de uma interpretação juridicamente razoável, produzindo efeitos diretos na doutrina que se formou e vem se formando, tendo em vista que a Lei é relativamente recente, não se podendo nem mesmo precisar a orientação predominante nos Tribunais.

Com isso, a aplicação do princípio da fungibilidade se impõe.

Assim, o benefício previsto no parágrafo único do 652-A, vale dizer, a redução à metade dos honorários advocatícios, deve ser conferido também ao executado que efetuar o pagamento no prazo de três dias contados da juntada do mandado de citação aos autos.

Por óbvio, nada justifica a aplicação da fungibilidade nos casos de o executado realizar o pagamento no prazo de três dias contados da data de citação. É que, independentemente desta posição ser tida como a adequada ou não, o ato terá sido praticado em menor tempo, logo, tempestivamente.

Impõe-se, entretanto, uma ressalva de suma importância: se no mandado de citação constar expressamente que o prazo de três dias para pagamento da dívida contar-se-á a partir da citação, revelando, portanto, a opção do juízo por uma das duas possíveis interpretações, o executado não poderá lançar mão do princípio da fungibilidade, porque aí, acredita-se, deixaria de existir o requisito da dúvida fundada que dá azo à aceitação de uma tese por outra.


5. Conclusão

Defende-se, assim, uma vez mais, a aplicação do princípio da fungibilidade na temática "prazos processuais", tendo presente a existência de dúvida fundada sobre o termo inicial do prazo para o executado realizar o pagamento da dívida, previsto no art. 652, caput, do CPC.

Posto isto, o pagamento realizado no prazo de três dias contados da juntada aos autos do mandado de citação deve ser considerado tempestivo e, portanto, válido, a fim de se ter reduzidos à metade os honorários advocatícios, ressalvando-se, contudo, a hipótese de no mandado de citação constar advertência quanto à adoção pelo juízo de posição diversa da previamente assumida pela parte, quando, então, será inadmissível falar em dúvida fundada.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

6. Referências

ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. O termo inicial do prazo para pagar na execução de título extrajudicial. Revista de Processo, n. 150. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: tutela jurisdicional executiva. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008.

SILVA, Ticiano Alves e. Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade: possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de existência de dúvida fundada sobre a natureza do prazo de art. 2°, caput, da Lei 9.800/99. Revista de Processo, n. 150. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

______. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.


Notas

01 Nesse sentido, MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 113. Assim também SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: tutela jurisdicional executiva. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 202.

02 Nesse outro sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 442. Assim também ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. O termo inicial do prazo para pagar na execução de título extrajudicial. Revista de Processo. Ano 32, n. 150, agosto de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 158.

03 Confira-se: SILVA, Ticiano Alves e. Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade: possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de existência de dúvida fundada sobre a natureza do prazo de art. 2°, caput, da Lei 9.800/99. Revista de Processo. Ano 32, n. 150, agosto de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 

04 Lê-se: "Neste cenário, o presente escrito destaca-se como de grande importância. Imagine-se, por exemplo, que a parte tenha protocolizado petição de embargos de declaração via fax em 13.04.2007, sexta-feira. Pela primeira posição, a apresentação do original se daria em 20.04.2007. Pela segunda, dia 18.04.2007". Idem, ibidem.

05 Pioneiramente, cite-se WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

06 Assim, Teresa Wambier: "Este é um ponto que merece reflexão: o princípio da fungibilidade não deve gerar a necessidade de conversão de um meio, no outro. Como conseqüência inexorável e inafastável da incidência do princípio, tem-se o exame do pedido da parte e a aceitação do meio eleito por ela, desde que se esteja diante de uma zona cinzenta. A necessidade de conversão não é inerente à idéia que está por detrás do princípio da fungibilidade, até porque, dificuldades de ordem procedimental poderiam levar alguém a concluir no sentido de que, por serem insuperáveis tais dificuldades, o princípio não deveria incidir." WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Revista de Processo, n. 137. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.136.

07 "Antes de delimitar o alcance do requisito da dúvida objetiva, importa dizer que não existe dúvida objetiva. Em verdade, toda dúvida é subjetiva, porquanto proveniente da compreensão íntima (pessoal) parcial e/ou incerta de determinado objeto cognoscível pelo intérprete. Quer-se dizer com dúvida objetiva, verdadeiramente, dúvida fundada, vale dizer, que encontra razão de ser, que não é absurda ou ilógica". SILVA, Ticiano Alves e. Para além de uma aplicação tradicional do princípio da fungibilidade: possibilidade de conhecimento do ato "intempestivo" no caso de existência de dúvida fundada sobre a natureza do prazo de art. 2°, caput, da Lei 9.800/99. Revista de Processo. Ano 32, n. 150, agosto de 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ticiano Alves e Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ticiano Alves. Princípio da fungibilidade e termo inicial do prazo de três dias para realizar o pagamento: (art. 652, caput, CPC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1866, 10 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11581. Acesso em: 6 mar. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos