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A necessidade de comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo

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11/08/2008 às 00:00
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Pensamos que o mútuo consenso deve ser tido como pressuposto de procedibilidade, sem o qual o dissídio coletivo será extinto sem ingresso no mérito das pretensões manifestadas.

RESUMO: Neste trabalho, o autor propõe-se a trazer à baila as posições prevalecentes em torno do significado da expressão "comum acordo", inserida no § 2º do artigo 114 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional n. 45 (Reforma do Judiciário).


INTRODUÇÃO

A nova redação do § 2º do artigo 114 da Carta da República, atribuída pela Emenda Constitucional n. 45 (Reforma do Judiciário), tem suscitado candentes debates em torno do real conteúdo semântico do "comum acordo" exigido para o ajuizamento de dissídios coletivos de natureza econômica.

Neste trabalho objetivamos, pois, trazer à colação as interpretações que polarizam as tentativas de elucidação da verdadeira intenção do legislador constituinte derivado.


1 Das exigências para o ajuizamento do dissídio coletivo, no regime anterior e no atual

Até que viesse ao proscênio a nova redação do artigo 114, § 2º, da Magna Carta, para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica (ou seja, daquele que visa ao estabelecimento de novas condições de trabalho, para regulamentação dos contratos individuais de trabalho, com obrigações de dar e de fazer) bastava que se comprovasse a tentativa frustrada de negociação coletiva.

Já agora foi adicionado um novo requisito ou pressuposto para que se tenha acesso aos Tribunais do Trabalho buscando uma sentença normativa que substitua a negociação coletiva malograda. Confiramos o teor da disposição constitucional examinada (§ 2º do artigo 114 da CRFB):

§ 2o. Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

E é justamente essa nova exigência processual que tem gerado grande perplexidade entre os estudiosos e os operadores do Direito do Trabalho, tendo havido mesmo quem sustentasse, num primeiro momento, a inconstitucionalidade da inovação, ao argumento de que o novo requisito representaria ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Entretanto, logo em seguida vozes lúcidas obtemperaram que o poder normativo da Justiça do Trabalho, por não ser atividade substancialmente jurisdicional (já que preordenada à criação de normas jurídicas), não está abrangido pelo âmbito normativo do art. 5°, XXXV, da Constituição da República. Assim sendo, sua restrição pode ser levada a efeito por meio de reforma constitucional, sem que seja violada a cláusula pétrea que estabelece o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.

Superada a discussão em torno da constitucionalidade, ainda remanesce o dissenso doutrinário e jurisprudencial sobre o momento em que deve ser manifestado o mútuo consenso para a instauração do dissídio coletivo.


2 Do comum acordo tácito

Têm prevalecido duas posições sobre o momento em que deve ser manifestado o comum acordo para que o dissídio coletivo possa ter trânsito perante os Tribunais do Trabalho, objetivando a prolação de uma sentença normativa que ponha termo ao conflito trabalhista de natureza coletiva.

Um desses posicionamentos assevera que o mútuo consenso pode ser aferido em momento posterior ao ajuizamento, ou seja, na resposta à pretensão deduzida pelo ente suscitante.

Vejamos, nesse sentido, a doutrina do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho JOSÉ LUCIANO DE CASTILHO PEREIRA, verbis:

1.1 - Alterando radicalmente a estrutura do Dissídio Coletivo, a reforma estabeleceu o seguinte: "Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente." 1.2 – Começamos por indagar o significado da expressão de comum acordo. Evidentemente não pode significar, necessariamente, petição conjunta. Logo, estou entendendo que o comum acordo não precisa ser prévio. Ele pode vir – de modo expresso ou tácito – na resposta do suscitado ao Dissídio ajuizado. Assim, ajuizado o Dissídio Coletivo pelo sindicato dos empregados, sem o acordo expresso da parte contrária, deve o juiz mandar citar o suscitado e apenas na hipótese de recusa formal ao Dissídio Coletivo a inicial será indeferida. 1.3 - A interpretação contrária levará, mais uma vez, a Justiça do Trabalho ao pelourinho, onde estão os que complicam as relações coletivas de trabalho. Vale recordar que o rigor na admissão de Dissídio Coletivo - especificamente pelo TST - quase fecha a Justiça do Trabalho. Reconheço que o objetivo era nobre: valorizar a negociação coletiva, mas foi feita abstração da realidade brasileira, com uma legislação trabalhista que até permite a despedida coletiva, facultando ainda a despedida de quem ganha mil reais, para, no mesmo dia, contratar-se outro empregado por quinhentos reais para fazer exatamente o mesmo trabalho do que havia sido despedido, sem ter que explicar para ninguém que tal foi realizado por dificuldades financeiras da empresa. Mas houve diminuição do número de Dissídios Coletivos, dando a falsa idéia de que a negociação coletiva era um sucesso, como registrado até pelo jurista e respeitado advogado e professor CÁSSIO MESQUITA BARROS, cuidando do decréscimo do número de Dissídios Coletivos, considerando dados estatísticos do ano de 2002. A realidade era outra. Bastou que o TST, a partir de 2002, iniciasse uma radical mudança no seu entendimento quanto ao Dissídio Coletivo, para que voltasse a confiança na Justiça Trabalhista, bem como aumentasse o número de Dissídios Coletivos. Assim, pelo contexto da nova ordem constitucional, entendo que a inicial não deve ser indeferida de plano. 1.4 - Mas há outro ângulo a ser também considerado. Agora, como já fixado acima, o Dissídio Coletivo somente terá curso normal se ambas as partes estiverem de acordo com tal caminho judicial. Os empregados, querem um aumento salarial e a manutenção de cláusulas sociais, os empregadores não concordam com os pedidos e vedam o Dissídio Coletivo. Nesta hipótese, se o Sindicato obreiro tiver força estará aberta para ele a única via possível para a conquista de suas reivindicações: a greve. Logo, embora não tenha sido este o desejo dos reformadores da Constituição Federal, este é o caminho que restará aos trabalhadores. Mas sobre a greve falaremos em outro tópico. 1.5 - Por tudo isto é que o acordo para ajuizamento do Dissídio Coletivo - uma vez malograda a negociação coletiva - pode ser expresso ou tácito. 1.6 - Mas percebe-se logo que se o sindicato obreiro for fraco – estou falando da grande maioria – crítica será a situação dos trabalhadores. Não haverá negociação coletiva, nem greve e nem Dissídio Coletivo. [01]

Da mesma opinião o Procurador Regional do Trabalho RAIMUNDO SIMÃO DE MELO, que sobre o tema assim se manifesta:

Interessante questão sobre o ajuizamento do Dissídio Coletivo de comum acordo diz respeito à forma de cumprimento dessa exigência. Quer dizer, dissídio de comum acordo significa petição inicial assinada conjuntamente pelas partes? Ou tal pode ocorrer na resposta do suscitado, de modo expresso ou tácito? A primeira alternativa é, em certos casos, de difícil e até mesmo impossível efetivação, pois no calor das discussões nas negociações coletivas malogradas os ânimos se acirram e as partes não querem ceder reciprocamente. A segunda alternativa parece estar mais de conformidade com os princípios que informam o Direito do Trabalho, como, neste sentido, é a tônica do art. 442 da CLT. [02]

Os Tribunais do Trabalho, ao que parece em sua maioria, têm-se inclinado a adotar a tese exposta nos supratranscritos pronunciamentos doutrinários, como se haure dos seguintes arestos:

DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. Art. 114, Parágrafo 2º, CF. COMUM ACORDO NÃO SIGNIFICA, NECESSARIAMENTE, PETIÇÃO CONJUNTA. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA. Aplicação do princípio da inevitabilidade da jurisdição (art. 5º/XXXV/CF). Negociação infrutífera. Concordância tácita à atuação da jurisdição. Precedente desta E. SDC. Dissídio que é conhecido e julgado procedente em parte. (TRT 2ª Região – SDC - Proc. 9-20067-2005-000-02-00 – Relator Juiz Carlos Francisco Berardo – DOE-SP PJ de 27.1.2006).

AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA PARA INSTALAÇÃO DE DISSÍDIO COLETIVO. COMPROVAÇÃO DE TRATATIVAS FRUSTRADAS. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA ADMINISTRATIVA SEM ÊXITO DE ACORDO. INTRANSIGÊNCIA DO SUSCITADO EM NEGOCIAR. PRESSUPOSTO OBJETIVO PREENCHIDO. Sustenta o suscitado, preliminarmente, a impossibilidade de propositura da presente ação coletiva em função de não ter sido observada a anuência comum aos entes coletivos, consoante prescreve o § 2º do art. 114 da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda n. 45. A negociação coletiva extrajudicial prévia frustrada (CF, art. 114, § 2º), conforme documentado no feito, bem como com a intervenção judicial, por ocasião da audiência dita administrativa, legitimam a instauração do dissídio, malgrado a alegação de ausência de anuência comum aduzida pelo suscitado. Mantivesse o sindicato patronal a sua postura intransigente de não negociar as cláusulas reivindicadas, bem como de não anuir com a instauração da presente ação coletiva, estaria o suscitante obstado no seu direito de recorrer à justiça e conseqüentemente de fazer valer o preceito insculpido no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que determina que nenhuma lesão ou ameaça de direito poderá ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário. Preliminar rejeitada por unanimidade. (TRT 24ª Região – Tribunal Pleno - Proc. 129-2005-000-24-00 – Redator Designado Juiz João de Deus Gomes de Souza – DO-MS PJ de 10.11.2005, p. 27/29).

EMENTA: DISSÍDIO COLETIVO - AJUIZAMENTO SEM A CONCORDÂNCIA DA PARTE CONTRÁRIA (ART. 114, PARÁGRAFO 2o., DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988) - CONSEQUÊNCIA. O disposto pelo art. 114, parágrafo 2o., da Lei Magna, não deve ser interpretado de modo literal e isolado, e sim sob a ótica da interpretação lógica e conjunta do ordenamento jurídico. O que emana do referido dispositivo constitucional é que as partes detêm a faculdade de ajuizar dissídio coletivo em caso de recusa da parte contrária em proceder à negociação coletiva ou à arbitragem ou na hipótese de malogro das tentativas conciliatórias, sob pena de, a se pensar o contrário, dar-se ensejo à violação do direito de ação constitucionalmente garantido (CF, art. 7o., inc. XXXV). Ademais, a participação do suscitado na audiência de conciliação e instrução perante este Tribunal e, bem assim, nas reuniões com o suscitante perante a Delegacia Regional do Trabalho, representa a concordância tácita com o presente dissídio coletivo. (TRT 3ª Região – Seção Especializada de Dissídios Coletivos - Proc. DC 00474-2006-000-03-00-9 – Relator Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira – DJMG de 25.8.2006, p. 2).

A posição dos Tribunais Trabalhistas revela que há uma resistência a que tenha ocorrido um esmaecimento do poder normativo desse ramo do Poder Judiciário, havendo ainda um forte sentimento de preservação da prerrogativa de estabelecer condições de trabalho por sentença normativa praticamente nos mesmos moldes em que ocorria no período anterior à vigência da Emenda Constitucional n. 45.

A única inovação, segundo essa corrente doutrinária e jurisprudencial, seria a necessidade de concordância, expressa ou tácita, durante o iter do processo coletivo. Ressalva-se, entretanto, que, ainda assim, a discordância não pode ser desfundamentada, sob pena de configurar abuso de direito, a permitir a concessão de suprimento judicial de consentimento.

Confira-se, a propósito, a manifestação de RAIMUNDO SIMÃO DE MELO :

Havendo recusa por uma das partes ao ajuizamento da ação de Dissídio Coletivo, esta deve ser fundamentada. A exigência do comum acordo representa restrição ao acesso ao Judiciário, que, embora não signifique ofensa ao direito de ação, não pode ser usada por um dos sujeitos das relações de trabalho como abuso de direito ou má-fé em relação ao suscitante (Código Civil, art. 187). Havendo recusa comprovadamente abusiva ou de má-fé pela parte que se opõe ao ajuizamento do Dissídio Coletivo, pode a parte interessada na solução judicial do conflito coletivo de trabalho pedir suprimento judicial ao Tribunal competente. Desse entendimento comunga Júlio Bernardo do Carmo, para quem, "se o sindicato dos trabalhadores for inexpressivo, pífio, sem poder de barganha contra o patronato e sem meios de exercer com sucesso o direito de greve, a recusa de consentimento da categoria econômica para o ajuizamento conjunto do dissídio coletivo de natureza econômica pode sim caracterizar a recusa abusiva, injurídica ou de extrema má-fé que obsta efetivamente o exercício do direito de ação coletiva por parte do operariado. Neste contexto parece-me que a parte prejudicada poderá sim, de imediato, ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica e nele requerer de forma incidental o suprimento judicial da recusa da categoria econômica contraposta. Sopesando o caso dos autos, o Tribunal do Trabalho poderá, desde que visualizada má-fé, abuso de direito ou ilicitude por parte da categoria econômica, outorgar o suprimento judicial suplicado, quando sua decisão terá a mesma eficácia jurídica do consentimento denegado, possibilitando assim a tramitação normal do dissídio coletivo de natureza econômica, até seu final julgamento" A solução negociada para os conflitos coletivos de trabalho é a melhor. Foi na busca deste objetivo que o legislador constituinte derivado implementou o pressuposto do ajuizamento do Dissídio Coletivo de comum acordo, para forçar as partes à negociação coletiva. Contudo, uma coisa é o desejável, no caso, a priorização do negociado; outra coisa é a realidade brasileira, de um modelo, na grande maioria dos casos, de sindicatos frágeis, que não têm poder negocial e de pressão contra o empresariado. E desta realidade não se pode fazer abstração. No dia-a-dia, raros não são os casos em que as empresas ou a categoria econômica não reconhecem o sindicato dos trabalhadores, não negociam uma solução para o conflito e também, por razões óbvias, não concordam com o ajuizamento do Dissídio Coletivo. Em tais situações pode caracterizar-se a existência de ato anti-sindical, de abuso de direito ou de má-fé, o que reclama a outorga de suprimento judicial, para que, mais uma vez, não seja o trabalhador prejudicado em face do poder econômico. [03]

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A essa posição se contrapõe aquela que vê na alteração constitucional, ou seja, na nova redação do § 2º do artigo 114, a obrigatoriedade de que a petição inicial do dissídio coletivo seja firmada conjuntamente pelos protagonistas sociais envolvidos no conflito coletivo de trabalho, como será desenvolvido no tópico seguinte.


3 Da necessidade de mútuo consenso expresso e prévio

A nosso ver mais consentânea com a intenção do legislador constituinte derivado, há a vertente que preconiza que o comum acordo deve preceder à instauração do dissídio coletivo, de modo que a petição inicial revele o desejo dos atores sociais de ver o conflito coletivo solucionado pela Justiça Obreira.

Desse modo, tal exigência assumiria a feição de autêntico pressuposto de procedibilidade, sem o qual o dissídio deve ser extinto sem ingresso no mérito das pretensões manifestadas.

Desse pensar é o Juiz do TRT da 3ª Região JÚLIO BERNARDO DO CARMO, para quem:

A emenda constitucional n. 45/04 ao mencionar com todas as letras no parágrafo segundo do artigo 114 da Constituição Federal que o dissídio coletivo de natureza econômica agora só poder ser exercitado se as partes envolvidas no conflito o ajuizarem de mútuo acordo, criou iniludivelmente um pressuposto de procedibilidade do ajuizamento do dissídio coletivo que antes não existia, sendo que sem o atendimento desse requisito o dissídio coletivo de natureza econômica deve sim ser de pronto indeferido pelo Tribunal Competente, sabido que o direito de ação, em que pese preservado no texto da Lei Maior, ficou condicionado ao chamado exercício conjunto das partes, não mais se admitindo o ajuizamento unilateral do dissídio coletivo em epígrafe. A faculdade a que se reporta o dispositivo constitucional sob comento é de que as partes, querendo, podem sim ajuizar o dissídio coletivo, mas desde que atendido o novo pressuposto de sua admissibilidade, que é agora o mútuo consenso. Como a Constituição Federal não contém palavras inúteis, resta a indagação de qual teria sido a teleologia da exigência do mútuo consenso como condição de procedibilidade do dissídio coletivo de natureza econômica. A resposta é simplista e indiscutivelmente lógica. A intenção do legislador constituinte foi acabar radicalmente com o vezo das partes se mostrarem pouco dispostas à negociação coletiva preferindo comodamente aninhar-se no seio protetor do paternalismo estatal, expediente que, sem dúvida, só contribui para enfraquecer ainda mais os sindicatos dos trabalhadores, que indolentemente destituindo-se de sua missão precípua de pacificar o conflito social pela via conciliatória, deixam cada vez mais dormentes os instrumentos de barganha e de pressão que poderiam ser utilizados contra o patronato, tornando-se extremamente subservientes ao intervencionismo estatal. É preciso acabar de vez com o vezo da preguiça e nada melhor para isto do que espicaçar as classes trabalhadoras, através de seus sindicatos, com a obrigatoriedade de se valerem de forma incontornável da negociação coletiva, porque sem ela a categoria profissional não teria como alcançar melhores condições de trabalho. O lema agora é o sindicato munir-se de predicamentos que o tornem apto para negociar com a contraparte, aprendendo assim a caminhar com as próprias pernas, sem a escora do paternalismo estatal. [04]

E o mesmo autor arremata o seu raciocínio:

A exegese que aqui se busca está inclusive em sintonia com a reforma sindical do Governo Lula que busca a negociação coletiva em todos os níveis, como principal instrumento de regulação dos direitos trabalhistas, instituindo assim um cenário de autonomia privada coletiva, mediante a notória estimulação da composição voluntária dos conflitos coletivos. Deve ser lembrado neste contexto que a negociação coletiva, sabido que a intenção reformista é extinguir de vez com o poder normativo da Justiça do Trabalho, passa a ser um instrumento privilegiado de regulamentação de direitos trabalhistas. Como a reforma do Poder Judiciário veio antes da reforma sindical, o terreno jurídico já foi preparado no sentido de, ali restringir-se ao máximo o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, através da explícita exigência do comum acordo das partes envolvidas no conflito coletivo como pressuposto de procedibilidade daquela ação coletiva, sendo que com a reforma sindical extingue-se definitivamente com o poder normativo, ampliando-se ao máximo o poder negocial das entidades de classe, que passa a ter o condão, inclusive, de suprimir até mesmo restrições de ordem legal que emperram a negociação coletiva. [05]

A jurisprudência a seguir reproduzida é representativa dessa vertente interpretativa:

EMENTA: CONFLITO COLETIVO DE TRABALHO - PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO - EMENDA CONSTITUCIONAL No. 45 - NOVA REDAÇÃO DO ART. 144 - INTELIGÊNCIA DA EXPRESSÃO " DE COMUM ACORDO" PARA O AJUIZAMENTO DO DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. A Carta Magna, em seu art. 114, parágrafos 1o., 2o., e 3o., estabeleceu mudanças substanciais no Poder Normativo da Justiça do Trabalho, ao prescrever, de maneira clara e enxuta, que, frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. As formas de solução do conflito coletivo de trabalho fincaram raízes mais profundas no plano da faculdade: conclusão da negociação, eleição de árbitro e propositura do dissídio coletivo. A bilateralidade está no âmago das diversas possibilidades acenadas às partes. A celebração do acordo coletivo de trabalho ou da convenção coletiva de trabalho, a elaboração do laudo arbitral e a prolação da sentença normativa observarão sempre, pelo menos no seu sopro inicial e inercial, o mútuo consenso. No que tange ao dissídio coletivo de trabalho de índole econômica, a expressão "de comum acordo", utilizada pelo constituinte, não pode dar azo à que o intérprete faça tábua rasa de autêntico pressuposto da jurisdição coletiva. "Comum acordo", por mais que se repugne a fórmula adotada pela Constituição, significa manifestação ou declaração de vontade das partes envolvidas no conflito coletivo de trabalho. De conseguinte, trata-se de ato volitivo, bilateral ou multilateral, em determinada direção, para que produza certos resultados jurídicos, ordenados pela lei: arbitragem pública, via julgamento pelos Tribunais do Trabalho. Teleologicamente, o wishful thinking do legislador foi no sentido de privilegiar a autonomia privada coletiva, outorgando cada vez mais importância e responsabilidade aos seres coletivos, principais atores na busca de um ponto de equilíbrio entre o capital e o trabalho, na perspectiva de uma sociedade pós-moderna, baseada na informação e nitidamente globalizada. A cláusula de aderência às normas a serem criadas pelo Poder Judiciário possui nítido caráter preceptivo - a vontade, que não pode ser unilateral, constitui fato interno, anteriormente caracterizado e com fins determinantes - pois adquire vida própria exterior, destacada das pessoas que a desejaram. E essa vontade ordenada, apta para a atribuição de uma unidade orgânica, atribui maior legitimidade às sentenças normativas. Ao invés de solução impositiva, solução desejada. Vergé e Ripert ensinaram que: "nul ne peut être obligé sans l avoir voulu", assim como que: ''tout engagemente librement voulu est juste". Nesse contexto, as partes não têm do que reclamar, alcançados que ficam dois escopos imediatos: a) solução do conflito, por quem escolheram; b) impossibilidade de interposição de recurso. Por outro lado, existe uma faceta coerente e lógica, da qual fica difícil se afastar: não é crível que o Constituinte tenha alterado a redação do artigo em apreço, para, a final, nada mudar. Se tudo continuar como era anteriormente, a conclusão inexorável a que se chega é a de que a letra da lei maior não possui eficácia alguma. Pó e poeira do passado não podem continuar alimentando um presente e desenhando um futuro, que, certo ou equivocadamente, se quis diferente, com nova silhueta para uma sociedade em constante evolução. As mudanças costumam carregar o gérmen da perplexidade. Todavia, é preciso que se respeite a vontade da Constituição, cuja voz é soberana, mormente quando se faz claríssima. In claris cessat interpretatio ou lex clara non indiget interpretatione, propugnam os clássicos. De resto, não há que se falar em violação ao art. 5o., inciso XXXV, da Constituição Federal, eis que inexiste, em sede de conflito coletivo, lesão ou ameaça de direito. O conflito coletivo de trabalho possui característica reivindicatória, no plano de lege ferenda. Normalmente, ele é deflagrado por determinada categoria profissional com o fito de obter melhores condições de trabalho. Portanto, na sua pureza, visa à normatização futura, isto é, à norma a ser construída. Suas características são a generalidade, a abstração e a novidade. Assim, a tutela jurisdicional é atípica, anômala, daí a denominação - sentença normativa, que, segundo certo autor, possui corpo de sentença e alma de lei. Logo, não há exclusão de apreciação do Poder Judiciário, a quem compete aplicar e não criar a lei (norma), a não ser em caso excepcional, quando as partes por comum acordo, assim o desejarem. Note-se que o mencionado inciso utiliza o vocábulo lei - em cujo conteúdo não se insere a Constituição, excepcionadora que pode ser de si e para si própria, sem a quebra de sua interna coerência científico-política-estrutural. Quer me parecer, enfim, que as antinomias devem ser eliminadas, para a preservação do sistema, para valorização da unidade, que se desdobra em várias vertentes, pois a sociedade é sempre plural. Em se tratando, portanto, de competência anômala do Poder Judiciário, uma vez que não é sua função típica ditar normas jurídicas, não resta ulcerado o texto constitucional, à medida que institui pressuposto para o exercício do poder normativo. (TRT 3ª Região – Seção Especializada de Dissídios Coletivos - Proc. DC 01426-2005-000-03-00-7 – Relator Juiz Luiz Otávio Linhares Renault – DJMG de 15.6.2006, p. 5).

Destarte, estamos em que a nova redação do § 2º do artigo 114 da Norma Ápice introduziu nova exigência para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, com contornos de pressuposto de procedibilidade, qual seja, a de que figurem como signatários da petição inicial os entes coletivos que protagonizam o conflito coletivo de natureza trabalhista.

A nosso sentir, em não havendo esse comum acordo e, portanto, não se achando aberta a via do dissídio coletivo, somente restará às partes insistir, à exaustão, na negociação coletiva até que frutifique uma solução autocompositiva. Na hipótese de persistir o desacordo, os trabalhadores deverão lançar mão do legítimo instrumento de autotutela dos seus interesses consubstanciado na greve, direito cujo exercício é assegurado no artigo 9º da Constituição da República, possuindo o status de direito fundamental dos trabalhadores.

Aliás, a interpretação histórica em torno da gênese do preceito em causa descortina o verdadeiro escopo do legislador constituinte derivado. Realmente, o exame das notas taquigráficas pertinentes às discussões travadas por ocasião da votação, na Câmara dos Deputados e em segundo turno, da proposta que culminou na Emenda Constitucional n. 45, bem revela que os Parlamentares reservaram especial ênfase ao conteúdo da expressão "comum acordo", aludindo expressamente a que a manutenção da referida expressão no texto teria a virtude de diminuir drasticamente o poder normativo da Justiça do Trabalho e estimular o entendimento direto entre trabalhadores e empregadores, uma vez que o poder normativo representaria um grave entrave à negociação coletiva. E isso porque, afirmaram eles, os empregadores recorriam ao dissídio coletivo antes de esgotada a capacidade de negociação.

Ressalvamos, entretanto, que estão fora dessa exigência os dissídios coletivos de natureza jurídica (os conflitos fundados em normas preexistentes em torno da qual divergem as partes, quer na sua aplicação, quer na sua interpretação) e os dissídios de greve propriamente ditos (os quais possuem, ontologicamente, natureza de dissídio jurídico), uma vez que supõem a apreciação da abusividade ou não do movimento paredista, sem que, a partir da inovação em comento, seja possível levar a exame da Justiça Especializada a pauta de reivindicações.

E nem se diga que a eclosão da greve como último instrumento de pressão da classe trabalhadora poderá redundar em prejuízos para a sociedade. É que, para obviar essa possibilidade quando se tratar de greve em atividades essenciais (setores da economia elencados no art. 10 da Lei 7.783/89), o legislador constituinte derivado, no § 3º do artigo 114, atribuiu legitimidade ao Ministério Público do Trabalho para ajuizar dissídio coletivo, com o limitado objetivo de resguardar "a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade" (art. 11 da Lei de Greve), deixando de lado as reivindicações dos trabalhadores (conflito econômico), as quais necessitam de comum acordo entre as partes para que sejam apreciadas pelo Poder Judiciário.

Tão claro foi o intuito do legislador constituinte de reduzir o poder normativo que até mesmo o Ministério Público do Trabalho teve a sua atuação restringida no campo dos conflitos coletivos. Realmente, antes era permitido ao Parquet Laboral ajuizar dissídio em caso de greve em atividade não-essencial, como lhe facultava a Lei de Greve (art. 8º da Lei n. 7.783/89). Já agora, com a nova redação conferida ao §2º, e com a introdução do §3º, ambos do art. 114 da Carta da República, o Órgão Ministerial somente tem legitimidade para atuar nas hipóteses de greve em atividades essenciais.

E já toma corpo corrente doutrinária que enxerga ter havido uma mudança quantitativa e qualitativa do poder normativo, ou seja, que foi ele diminuído em extensão e alterado na sua natureza, passando a constituir autêntica arbitragem judicial e, de conseguinte, pública. E isso em razão de que as Cortes Trabalhistas teriam sido transformadas em verdadeiras Cortes de Arbitragem, em face da necessidade de mútuo consenso para submeter a elas o conflito coletivo.

Essa circunstância obrigaria ao respeito da decisão proferida pelo Tribunal Trabalhista, sem possibilidade de recurso, como é próprio da arbitragem, ressalvada, apenas, a possibilidade de ajuizamento de embargos declaratórios, das argüições de nulidade da decisão, bem como dos recursos eventualmente interpostos pelo Ministério Público do Trabalho, buscando salvaguardar a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis dos trabalhadores.

Cremos, entretanto, que para que os fins colimados pela reforma, dantes minudenciados, sejam realmente alcançados, é imprescindível a discussão e a aprovação, sem demora, da Reforma Sindical, com o estabelecimento da nova estrutura sindical brasileira, baseada na pluralidade sindical, o que deverá fortalecer os entes coletivos, forçando a um amadurecimento das relações trabalhistas no Brasil.

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Sobre o autor
Rogério José Perrud

Bacharel em Direito, pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente - SP) e Diretor de Secretaria de Vara do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERRUD, Rogério José. A necessidade de comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1867, 11 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11589. Acesso em: 22 nov. 2024.

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