Capa da publicação Lei 15.234: consumo de álcool por menor agrava a pena
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Bebidas alcoólicas para menores: aumento de pena pela Lei nº 15.234/25

12/10/2025 às 22:15

Resumo:


  • A Lei 13.106/15 esclareceu a proibição de vender bebidas alcoólicas a menores, que já era prevista como Contravenção Penal desde 1941.

  • A nova redação do artigo 243 do ECA menciona explicitamente as "bebidas alcoólicas" e revoga o inciso I do artigo 63 da LCP, tornando a conduta crime e não mais contravenção penal.

  • A Lei 15.234/25 trouxe um Parágrafo Único ao artigo 243 do ECA, estabelecendo aumento de pena de 1/3 a metade se a criança ou adolescente utilizar ou consumir o produto fornecido, corrigindo uma lacuna na legislação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei 13.106/2015 registrou que oferecer álcool a menores é crime, e não mera contravenção. Com a Lei 15.234/2025, o consumo pelo menor agrava a pena.

Quando da publicação da Lei nº 13.106/2015, surgiram as costumeiras manchetes jornalísticas desinformativas, marcadas pela falta de conhecimento e, especialmente, pela ausência de cuidado e responsabilidade na divulgação de notícias. Uma das que mais chamaram a atenção à época afirmava: Agora é proibido vender bebidas alcoólicas a menores no Brasil” (sic) (grifo nosso).

Agora? Para dizer o mínimo, pelo menos desde 1941 isso já era proibido e tipificado como contravenção penal, nos termos do artigo 63, inciso I, da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941).

O desserviço que a imprensa presta no Brasil — e no mundo — ao divulgar notícias sobre assuntos que requerem conhecimento técnico, sem o cuidado mínimo de consultar previamente algum especialista (verdadeiro, não os pseudoespecialistas que surgem no próprio meio jornalístico), é incomensurável.

Fato é que o comércio ou o ato de servir bebidas alcoólicas a menores de 18 anos já tinha previsão como contravenção penal, conforme acima consignado. Portanto, a preocupação do legislador pátrio com a questão não é novidade alguma.

Em obra clássica sobre o tema das contravenções penais, já aduzia Duarte, a respeito do artigo 63, inciso I, da LCP:

“Tem-se em vista submeter a uma disciplina severa o consumo público de bebidas alcoólicas, fora dos casos em que a lei permite o livre comércio. Cura-se de sua inconveniente ministração ratione personae.”1

Entre 1941 e 1990 não havia qualquer dúvida quanto à proibição de servir bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, inclusive quanto à tipificação legal de tal conduta, que configurava a contravenção penal supramencionada.

No ano de 1990 veio a lume o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), e em seu artigo 243 previa-se crime com os seguintes dizeres:

Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida.

Essa conduta é erigida à categoria de crime e, consequentemente, há um agravamento da reprimenda legal, de modo que a pena contravencional de “prisão simples, de dois meses a um ano, ou multa” é suplantada pela pena criminal de “detenção, de dois a quatro anos, e multa”.

A partir desse fato, iniciaram-se algumas celeumas jurídicas. Em primeiro plano, é preciso compreender que o crime previsto no artigo 243 do ECA não se confunde com o crime equiparado a hediondo de tráfico de drogas, atualmente previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.

O crime descrito no artigo 243 do ECA é — e sempre foi — de natureza subsidiária, sendo essa subsidiariedade expressa, uma vez que, em seu preceito secundário, sempre constou a expressão “se o fato não constitui crime mais grave”, logo após a pena. É evidente que essa subsidiariedade expressa tem, e sempre teve, um alvo certo: o tráfico de drogas.

Para a configuração do tráfico, é necessário que a substância causadora de dependência seja proscrita, ou seja, proibida no território nacional — como, por exemplo, a maconha, a cocaína, o crack ou o LSD. Já o artigo 243 do ECA volta-se às drogas lícitas, as quais, em regra, podem ser comercializadas normalmente, encontrando restrição apenas quando o adquirente é menor de idade. São exemplos dessas substâncias as bebidas alcoólicas, o tabaco, o éter, a acetona e a cola de sapateiro, entre outras.

No sentido acima, manifesta-se Tavares em doutrina especializada:

Entende-se, assim, que o art. 243. prevê crime na conduta de quem proceda ao abastecimento de produtos que são legalmente comercializados ao público em geral, menos a crianças e adolescentes, por lhes provocarem o vício condenável. 2

Feita essa importante distinção, pode-se partir para o conflito entre o artigo 243 do ECA e o artigo 63, inciso I, da LCP, no que tange especificamente ao exemplo das bebidas alcoólicas. A partir da edição da Lei nº 8.069/1990, esse comércio envolvendo menores poderia encontrar abrigo tanto no crime previsto no ECA quanto na antiga contravenção penal.

A diferença residia no fato de que a redação do dispositivo do ECA era geral, sem fazer menção expressa às bebidas alcoólicas, as quais se inseriam em um rol mais amplo de substâncias capazes de causar dependência. Por outro lado, o artigo 63, inciso I, da LCP fazia referência direta e expressa às bebidas alcoólicas.

Nesse contexto, houve quem entendesse — a nosso ver, acertadamente — que ocorrera revogação tácita do artigo 63, inciso I, da LCP pelo artigo 243 do ECA. Considerando a sucessão de normas penais no tempo e sendo o ECA lei posterior em relação à LCP, a revogação se impunha. É certo que não houve revogação expressa, mas a lei posterior passou a tratar integralmente da matéria já disciplinada pela lei anterior, tanto que, no dispositivo do ECA, poderiam ser enquadradas diversas outras substâncias além das bebidas alcoólicas, conforme a inteligência do artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

O que teria ocorrido, portanto, foi a convolação da antiga contravenção penal em crime — uma novatio legis in pejus. 3

Entretanto, esse pensamento não logrou unanimidade. Duas outras posturas o afastavam:

a) A primeira sustentava que o artigo 243 do ECA até poderia representar uma novatio legis in pejus em relação à antiga contravenção penal. Não obstante, seria uma norma inaplicável, por se tratar de norma penal em branco, dependente de regulamentação que explicitasse quais seriam os “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida”.

Como essa norma complementar jamais foi editada, o tipo penal seria inócuo. Assim, apenas quanto às bebidas alcoólicas haveria reação penal, de acordo com a antiga contravenção prevista no artigo 63, inciso I, da LCP. Para essa linha de pensamento, não se poderia lidar com os casos de forma casuística, ou seja, simplesmente apreendendo o produto suspeito e submetendo-o a exame toxicológico que determinasse se causa ou não dependência, independentemente de estar ou não proscrito por normativa do Ministério da Saúde. Veja-se, a título de exemplo, a manifestação de Tavares:

A autoridade pública terá que emitir o conceito de produtos que, embora não sejam os previstos na legislação contra entorpecentes e drogas afins, sejam, entretanto, vedados à população infanto – juvenil.

Norma penal em branco, no conceito dos criminalistas, e que para ter eficácia carece de complementação a ser feita por serviço sanitário oficial. O Ministério da Saúde terá que definir a natureza dos produtos designadamente como causadores desse tipo de dependência na faixa etária inferior a 18 anos, a clientela específica.

Sem isso, a norma incompleta não será aplicada, pois ninguém pode ser apenado por ato que não esteja previamente tipificado como crime. Em respeito ao princípio da reserva legal, garantia democrática da Constituição, e do Código Penal brasileiro. 4

b) Outra corrente de pensamento, embora não considerasse o artigo 243 do ECA uma norma penal em branco, defendia o entendimento de que, ao não fazer menção expressa às bebidas alcoólicas em seu texto, tal dispositivo não teria revogado o artigo 63, inciso I, da LCP.

Além disso, por fazer referência expressa às bebidas alcoólicas na parte administrativa do mesmo diploma — Lei nº 8.069/1990, artigo 81, inciso II —, teria o legislador pretendido tratar a questão do álcool no âmbito do ECA apenas sob o prisma administrativo, e não penal. Dessa forma, também permaneceria incólume a contravenção penal prevista no artigo 63, inciso I, da LCP.

Em obra específica de comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Riezo traz à colação diversas decisões de Tribunais de Justiça e, inclusive, do Superior Tribunal de Justiça, baseadas nos argumentos supra, indicando que “a venda de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes não configura o tipo penal do artigo 243 do ECA, mas sim a contravenção penal do artigo 63, inciso I, do Decreto-Lei nº 3.688/1941”.5

Como afirmado no início, entendemos que essas duas interpretações sempre foram equivocadas. A consideração do artigo 243 do ECA como norma penal em branco é um equívoco evidente, pois caberia então — talvez ao Ministério da Saúde — elaborar uma Portaria ou Resolução arrolando todas as substâncias que, ainda que por uso indevido, pudessem causar dependência. Ora, isso é humanamente impossível, e tal listagem seria virtualmente infinita. Uma simples visita a uma indústria química já demonstraria a inviabilidade de catalogar todas as substâncias potencialmente enquadráveis.

Para afastar essa hipótese esdrúxula, basta recordar um velho brocardo principiológico do Direito: ad impossibilia nemo tenetur (“ninguém é obrigado ao impossível”).

Quanto ao entendimento que sustenta a não revogação pela ausência de menção expressa às bebidas alcoólicas — e pela previsão de sanção administrativa no artigo 81, inciso II, do ECA —, é preciso afirmar, sem peias, que parte de premissa manifestamente equivocada sobre o regramento do ato ilícito. A alegação de que a previsão como infração administrativa impediria a tipificação penal, sob o argumento de “bis in idem”, é totalmente insustentável.

Sabe-se que o ato ilícito pode ter natureza penal, administrativa e civil, e que cada uma dessas esferas é independente, de modo que a sanção em uma não impede a sanção nas demais. A título de exemplo: se um indivíduo dirige embriagado e colide com o muro de uma residência, causando danos, responderá penalmente pelo artigo 306 do CTB, sofrerá sanções administrativas — como multa, suspensão da CNH e apreensão do veículo — e, por fim, será civilmente responsável pela indenização dos prejuízos causados ao proprietário. Não há bis in idem, mas sim a aplicação das responsabilidades correspondentes em searas distintas, que não são e nunca foram excludentes.

Por outro lado, é evidente que o legislador da época não fez menção expressa às bebidas alcoólicas justamente porque pretendia abranger um universo mais amplo de produtos — no qual, sem a menor dúvida, estas estavam incluídas. Na estranha construção sob comento, haveria ainda grave violação ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, a venda de um cigarro a um menor configuraria crime nos termos do artigo 243 do ECA, ao passo que a venda de duas garrafas de cachaça seria mera contravenção penal. Seria mais razoável, nessa lógica distorcida, considerar o artigo 243 como norma penal em branco, pois ao menos haveria sanção apenas para bebidas alcoólicas, sem a desproporção ora apontada.

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Quando se lida com uma ciência “dura” ou da “natureza”, como a Física ou a Química, erros de interpretação ou de cálculo não prosperam, pois a aplicação prática da hipótese logo revela sua insustentabilidade: o laboratório explode, o carro não anda ou o foguete cai ao mar em vez de alcançar o destino estelar. No campo das ciências humanas ou sociais aplicadas, contudo, o mesmo não ocorre — erros grosseiros podem persistir por longos períodos sem que sua crítica seja acatada.

Foi exatamente o que se deu com a interpretação predominante sobre o artigo 243 do ECA e o artigo 63, inciso I, da LCP, no tocante ao comércio de bebidas alcoólicas envolvendo menores. Prevaleceu, inexplicavelmente, a tese de que, mesmo após o advento do artigo 243 da Lei nº 8.069/1990, no que se refere às bebidas alcoólicas, continuava em vigor a contravenção penal prevista no artigo 63, inciso I, da LCP. O artigo 243 do ECA não atingiria, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, a questão das bebidas alcoólicas. Assim, seguiram-se cegamente os raciocínios tortuosos acima elencados.

Frise-se que a culpa, nesse ponto, não recai sobre o legislador, mas sobre a própria doutrina e os operadores do Direito, que promoveram uma interpretação absolutamente inviável de uma norma cuja clareza era inequívoca. Contudo, há uma parcela de responsabilidade que pode, sim, ser atribuída ao legislador: a demora em reagir a essa aplicação espúria de seu comando normativo.

Entre a entrada em vigor do artigo 243 do ECA (1990) e a edição da Lei nº 13.106/2015 transcorreram aproximadamente vinte e cinco anos — um “tempo de reação” consideravelmente longo, não é mesmo?

Pois bem, como ensina o dito popular, “antes tarde do que nunca”. Enfim, veio a lume a Lei nº 13.106/2015, que reescreveu de forma induvidosa o texto do artigo 243 do ECA, mencionando expressamente as “bebidas alcoólicas” e pondo fim, de uma vez por todas, a qualquer dúvida remanescente quanto à natureza criminosa — e não meramente contravencional — da conduta. Eis o novo texto:

Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica (grifo nosso).

Agora, já não pode ninguém pretender afirmar que a lei deixou de fazer menção expressa e inequívoca às “bebidas alcoólicas”. Ademais, para afastar qualquer margem de questionamento, agiu com acerto o legislador ao revogar expressamente o inciso I do artigo 63 da LCP (artigo 3º da Lei nº 13.106/2015).

Doravante, o fornecimento de bebidas alcoólicas a menores configura o crime previsto no artigo 243 do ECA e jamais uma contravenção penal. Além disso, o dispositivo continua abrangendo “outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica”.

Com a nova redação, também cai por terra a tese da suposta norma penal em branco. Isso porque a lei adota, de forma evidente, a chamada interpretação analógica, em que um ou mais exemplos casuísticos são apresentados, seguidos por uma fórmula genérica cuja concretização se dá por similitude aos exemplos expressos.

No caso do artigo 243 do ECA, as bebidas alcoólicas constituem o exemplo casuístico, enquanto os demais produtos formam a fórmula genérica de encaixe para substâncias como a cola de sapateiro, o éter, a acetona, o cigarro etc. A seleção é feita pelo intérprete e aplicador da norma, mediante comparação com o exemplo casuístico.

Cumpre destacar que a interpretação analógica não se confunde com a analogia, a qual, aliás, é vedada — ao menos in malam partem — no Direito Penal.

Segundo escólio de Greco:

“Interpretação analógica quer dizer que, a uma fórmula casuística, que servirá de norte ao exegeta, segue-se uma fórmula genérica.”6

Essa técnica da interpretação analógica é largamente utilizada, por exemplo, nos casos de homicídio qualificado, quando o legislador, nos incisos do artigo 121, § 2º, do Código Penal, inicia com exemplos casuísticos e encerra com uma fórmula genérica. Veja-se o caso do inciso I do § 2º do artigo 121 do Código Penal: “mediante paga ou promessa de recompensa” (exemplos casuísticos) ou “por outro motivo torpe” (fórmula genérica que abrange situações não expressamente previstas, mas dotadas do mesmo grau de reprovabilidade motivacional, como matar por dinheiro ou cupidez).

De agora em diante, não há qualquer dúvida sobre a desnecessidade de uma tabela de substâncias elaborada por órgão governamental. As bebidas alcoólicas já estão expressamente descritas no tipo penal, e os demais produtos serão aferidos caso a caso. Em todas as ocorrências, o produto — e mesmo a bebida supostamente alcoólica — deverá ser apreendido e submetido a exame químico-toxicológico, com a devida descrição de sua composição e conclusão quanto à sua capacidade de ocasionar dependência física e/ou psíquica, ainda que por uso indevido.

Entendemos que a prisão em flagrante, nesses casos, somente é viável se houver possibilidade de emissão imediata do laudo toxicológico. Caso contrário, deverá ser lavrado o boletim de ocorrência e tomadas as medidas necessárias para a realização do exame. Somente com a chegada do laudo conclusivo poderá ser instaurado o respectivo inquérito policial. Isso porque não há previsão, no ECA (Lei nº 8.069/1990) nem no CPP, de eventual “laudo de constatação provisória”, como ocorre, por exemplo, na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006, artigo 33, § 1º).

Com o advento da Lei nº 13.106/2015, permanece intacta a conclusão de que o artigo 243 do ECA não constitui tráfico de drogas e refere-se a drogas lícitas fornecidas a menores. As drogas ilícitas fornecidas a menores configuram infração ao artigo 33 c/c artigo 40, inciso VI, da Lei nº 11.343/2006, que prevê aumento de pena quando o tráfico envolve ou visa menores. Ademais, o tráfico de drogas é crime equiparado a hediondo, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal c/c artigo 2º da Lei nº 8.072/1990, o que não alcança, de forma alguma, o artigo 243 do ECA. Este permanece como crime subsidiário expresso, distinguindo-se nitidamente do tráfico de drogas.

O quantum da pena também não foi alterado pela Lei nº 13.106/2015, permanecendo no patamar de “detenção, de dois a quatro anos, e multa”. Não se trata de crime hediondo, como já demonstrado, tampouco de infração penal de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima é superior a dois anos (inteligência do artigo 61 da Lei nº 9.099/1995). Pode-se dizer que se trata de uma infração de “médio potencial ofensivo”, conforme a classificação doutrinária corrente.

O crime também permanece como de conteúdo variado, de ação múltipla ou tipo misto alternativo, uma vez que contempla vários verbos: vender, fornecer, servir e entregar, ainda que gratuitamente. A novidade entre os verbos é apenas a inclusão da conduta de “servir”, que não constava na redação anterior.

Manteve-se, ainda, o elemento normativo do tipo contido na expressão “sem justa causa”. Note-se que tal elemento é aplicável apenas às demais substâncias, pois é impossível haver alguma “justa causa” para fornecer bebida alcoólica a menores. No caso de outras substâncias, porém, pode haver situações excepcionais, como a necessidade clínica de uso de determinada droga medicamentosa, dentre outras hipóteses a serem avaliadas em cada caso concreto.

Por se tratar de crime plurissubsistente, admite-se a tentativa. Pode também ocorrer, em certos casos, erro de tipo quanto à idade da pessoa a quem se fornece a bebida ou outra substância imprópria para menores. Para a configuração da infração, é necessário comprovar que o agente sabia da menoridade da pessoa a quem forneceu o produto ou que, ao menos, assumiu o risco de fornecê-lo a um menor — por exemplo, em casos duvidosos em que o agente não exige a apresentação de documento de identidade.

O reconhecimento da possibilidade de erro de tipo, aliás, não é novidade. Já se verificava em casos concretos sob a vigência do revogado artigo 63, inciso I, da LCP, conforme bem observa Sznick.7

A concomitância da punição administrativa com a penal é explícita quando a Lei nº 13.106/2015 dá nova redação ao artigo 258-C do ECA (Lei nº 8.069/1990), prevendo penalidade pecuniária administrativa (multa) e interdição do estabelecimento sempre que houver infração à proibição contida no artigo 81, inciso II, do mesmo diploma — ou seja, a vedação administrativa ao fornecimento de bebidas alcoólicas a menores (vide artigo 2º da Lei nº 13.106/2015).

Novamente, o legislador agiu com acerto, deixando clara sua compreensão quanto à abrangência do ato ilícito, que pode perfeitamente ocorrer simultaneamente nos campos penal e administrativo, sem qualquer violação à regra que veda a dupla punição pelo mesmo fato (non bis in idem).

A Lei nº 13.106/2015 entrou em vigor na data de sua publicação (17 de março de 2015) e somente pode ser aplicada aos casos ocorridos a partir de então. Isso porque constitui novatio legis in pejus em relação à situação anterior, ao menos considerando a interpretação predominante na doutrina e na jurisprudência, que apontava para a prevalência da contravenção penal prevista no ora revogado artigo 63, inciso I, da LCP.

Essa observação refere-se apenas às “bebidas alcoólicas”, pois quanto aos demais produtos nada se alterou, tratando-se de mera continuidade normativo-típica pura — nem novatio legis in pejus, nem novatio legis in mellius. A única exceção, no caso dos demais produtos, é a inclusão do verbo “servir”, que não era anteriormente previsto e, portanto, somente pode ser aplicada aos fatos ocorridos após a vigência da nova lei.

Conclui-se, portanto, que a Lei nº 13.106/2015 representou uma iniciativa louvável, pois aclarou de forma definitiva e escorreita uma celeuma jurídica que se arrastava por aproximadamente vinte e cinco anos e que, infelizmente, tendia — por obra de parte da doutrina e dos operadores do Direito — a uma solução inadequada. A nova lei pôs termo a quaisquer dúvidas e consolidou o sistema que, em verdade, já deveria ter prevalecido desde muito antes.

Agora, aperfeiçoando ainda mais o tratamento da matéria, surge a Lei nº 15.234/2025, que acrescenta um parágrafo único ao artigo 243 do ECA, com o seguinte teor:

“Parágrafo Único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se a criança ou adolescente utilizar ou consumir o produto”.

O que antes configurava mero exaurimento do delito — consumando-se com o simples fornecimento, sendo o efetivo consumo ou utilização pelos menores indiferente (post factum não punível) — passa agora a constituir causa de aumento de pena.

Essa alteração se justifica porque, quando o menor efetivamente usa ou consome o produto (bebida alcoólica ou outra substância causadora de dependência), embora não haja incremento no desvalor da conduta, há nítido acréscimo no desvalor do resultado. O uso ou consumo real por parte do menor é, de fato, circunstância que merece reprimenda mais severa, em razão do resultado concreto da conduta praticada.

Essa causa de aumento de pena não pode retroagir a fatos anteriores à entrada em vigor da Lei nº 15.234/2025, pois se trata de novatio legis in pejus.

O aumento da pena varia de um terço à metade, devendo-se considerar, para a fixação do quantum de majoração, fatores como a idade da vítima — pois os efeitos da ingestão de álcool, por exemplo, diferem entre uma criança de quatro anos e um adolescente de dezessete —, os efeitos produzidos e eventuais danos à saúde (coma alcoólico, embriaguez escandalosa, vômitos etc.).

Cumpre observar que tais fatores não podem ser utilizados na fixação da pena-base, sob pena de ocorrência de bis in idem. O operador do Direito deve reservar essas fundamentações, quando houver uso ou consumo pelo menor, para a fase correspondente ao aumento de pena.

Como visto, o artigo 243 do ECA configura crime de conteúdo variado. A maioria de seus verbos não apresenta dificuldades quanto à aplicação da nova causa de aumento de pena — vender, fornecer, servir e entregar —, pois, em todos esses casos, a substância é disponibilizada ao menor, que a consome ou utiliza por si mesmo.

Entretanto, surge uma potencial dificuldade com o verbo “ministrar”. Trata-se de vocábulo equívoco ou polissêmico que, conforme o contexto, pode significar “prover” ou “fornecer”, mas também “fazer ingerir, administrar ou aplicar” (v.g., “O enfermeiro ministrou o medicamento ao paciente”). 8

Observando a redação do artigo 243 em estudo, percebe-se que o emprego da palavra “ministrar” no tipo penal ocorreu segundo o segundo sentido do termo. Com efeito, se tivesse sido utilizada no sentido de “prover” ou “fornecer”, haveria repetição desnecessária em relação a outros verbos já previstos, como “fornecer”, “servir” ou “entregar”.

Considerando que a lei não deve conter palavras inúteis (verba cum effectu, sunt accipienda)[9], conclui-se que o verbo “ministrar” foi empregado no sentido de “fazer ingerir”, “aplicar” ou “administrar”.

Nesse contexto, o menor não “utilizará” ou “consumirá” por si mesmo a substância após recebê-la do infrator; será o próprio infrator quem a administrará ou aplicará diretamente no menor.

Dessa forma, pelo princípio da legalidade, a conduta do infrator não se subsumirá ao novo parágrafo único, que trata exclusivamente da situação em que o menor, após receber o produto, o consome ou utiliza por si mesmo.

Trata-se de uma lacuna indesejável, pois viola o princípio da proporcionalidade. Ora, aquele que apenas “fornece” ou “entrega” o produto ao menor, para que este o consuma ou utilize por conta própria, sofre reprimenda penal aumentada. Já aquele que “ministra”, “aplica” ou “administra” a substância diretamente no menor — em sua absoluta passividade — não sofre o incremento punitivo. Assim, a conduta mais gravosa deixa de ter aumento de pena, enquanto a menos gravosa o possui.

Não obstante, não se pode pretender corrigir essa violação à proporcionalidade mediante qualquer manobra que contrarie o princípio da legalidade. O correto seria que o legislador suprimisse o verbo “ministrar” do caput do artigo 243 e o transferisse para o novo parágrafo único, como causa de aumento de pena. Isso porque, sempre que houver “ministração”, haverá consumo pelo menor de forma passiva, igualando-se, portanto, o desvalor do resultado que fundamenta a criação da referida causa de aumento.

A redação poderia ser a seguinte:

“Parágrafo Único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se a criança ou adolescente utilizar ou consumir o produto ou se este lhe for ministrado por terceiro”.

Já o caput ficaria com a seguinte forma:

“Vender, fornecer, servir ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica” (seria apenas suprimido o verbo “ministrar”, que passaria a integrar a causa especial de aumento de pena).


REFERÊNCIAS

DICIONÁRIO Michaelis on line. Ministrar. Disponível em https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/ministrar. , acesso em 10.10.2025.

DUARTE, José. Comentários à Lei de Contravenções Penais. Volume II. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958.

FRANCO, Alberto Silva, et al. Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: RT, 1995.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume I. 17ª. Ed. Niterói: Impetus, 2015.

JESUS, Damásio Evangelista de. Lei das Contravenções Penais Anotada. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

RIEZO, Fernão Barbosa. Prática do Estatuto da Criança e do Adolescente. 18ª. Ed. São Paulo: Tradebook, 2011.

SERRANO, Pablo Jiménez. Interpretação Jurídica. São Paulo: Desafio Cultural, 2002.

SZNICK, Valdir. Contravenções Penais. 2ª. Ed. São Paulo: LEUD, 1991.

TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.


Notas

1 DUARTE, José. Comentários à Lei de Contravenções Penais. Volume II. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 309. Anote-se que a primeira edição dessa obra data de 1944.

2 TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 193.

3 Este foi o entendimento apresentado por Silva Franco, Silva Júnior, Betanho, Coltro, Stoco, Feltrin e Ninno, ainda citando Renato Cramer Peixoto. Cf. FRANCO, Alberto Silva, et al. Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: RT, 1995, p. 387.

4 TAVARES, José Faria. Op. Cit., p. 193.

5 RIEZO, Fernão Barbosa. Prática do Estatuto da Criança e do Adolescente. 18ª. Ed. São Paulo: Tradebook, 2011, p. 1060. -1064.

6 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume I. 17ª. Ed. Niterói: Impetus, 2015, p. 90.

7 SZNICK, Valdir. Contravenções Penais. 2ª. Ed. São Paulo: LEUD, 1991, p. 310. No mesmo sentido, apresentando diversos julgados: JESUS, Damásio Evangelista de. Lei das Contravenções Penais Anotada. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 210. – 211.

8 DICIONÁRIO Michaelis on line. Ministrar. Disponível em https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/ministrar. , acesso em 10.10.2025.

9 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 250. No mesmo sentido: SERRANO, Pablo Jiménez. Interpretação Jurídica. São Paulo: Desafio Cultural, 2002, p. 34.

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Bebidas alcoólicas para menores: aumento de pena pela Lei nº 15.234/25. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8138, 12 out. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115937. Acesso em: 5 dez. 2025.

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