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Tráfico privilegiado: o STJ lembra o óbvio (e o MP insiste no contrário)

20/10/2025 às 16:09

Resumo:


  • O STJ reafirmou a necessidade de provas concretas para afastar o redutor do tráfico privilegiado.

  • Está em jogo o limite entre a prova e a suposição no direito penal brasileiro.

  • A transformação da presunção de inocência em presunção de facção é um problema sério no sistema judiciário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O STJ reafirma que o tráfico privilegiado só pode ser negado com prova concreta de vínculo criminoso. Até quando o MP vai confundir suposição com evidência?

O direito penal brasileiro parece viver de repetições. Não bastasse o legislador insistir em soluções simbólicas e punitivistas, agora é o Ministério Público que insiste em rediscutir, caso após caso, aquilo que os tribunais superiores já pacificaram. O episódio mais recente é o AgRg no HC 925.376/RS, relatado pelo ministro Joel Ilan Paciornik, em que o STJ reafirmou — mais uma vez — que o redutor do tráfico privilegiado só pode ser afastado com base em provas concretas da dedicação do réu à atividade criminosa.


O caso

João Vitor Fontoura Ribeiro, primário e de bons antecedentes, havia obtido a aplicação do redutor do §4º do art. 33. da Lei 11.343/2006 no patamar máximo de 2/3. O Ministério Público, inconformado, agravou. Quis sustentar que o réu seria integrante de facção criminosa, porque fazia tele-entrega de drogas e publicava fotos em redes sociais com armas e entorpecentes. Tudo sem prova minimamente consistente.

O STJ não se deixou levar. Reiterou que ilações, conjecturas e narrativas não servem para afastar o benefício legal. O resultado: pena definitiva em 1 ano e 8 meses de reclusão, regime semiaberto, e 166 dias-multa.


O que está em jogo?

Não é apenas a dosimetria. Está em jogo o limite entre a prova e a suposição. O §4º do art. 33. da Lei de Drogas é claro: só se exclui o benefício quando restar comprovado que o acusado integra organização criminosa ou se dedica a atividades criminosas. A palavra-chave aqui é comprovado.

O Supremo Tribunal Federal já havia deixado isso cristalino. No HC 206.417/DF, relatoria do ministro Ricardo Lewandowski (julgado em 16/09/2021), a Corte asseverou que não basta citar a quantidade de droga ou repetir chavões sobre “dedicação criminosa”. É preciso fundamentação idônea. Idêntico raciocínio no HC 205.249/SP, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes (julgado em 03/09/2021), em que se reconheceu o redutor diante de uma apreensão de 7,32 gramas de cocaína — situação em que a retórica acusatória não tinha amparo em provas concretas.

O STJ, por sua vez, vem mantendo coerência. No AgRg no HC 892.844/MG, de relatoria do ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), julgado em 14/05/2024, reforçou-se que conjecturas não afastam a minorante. A lógica é simples: se a quantidade de droga já foi utilizada para agravar a pena-base, não pode ser novamente invocada para suprimir o redutor, sob pena de bis in idem.


O problema da “presunção de facção ou Orcrim”

A insistência do Ministério Público em querer afastar o tráfico privilegiado com base em fotos de redes sociais ou relatos genéricos revela um vício perigoso: a transformação da presunção de inocência em presunção de facção.

Não se trata de minimizar a gravidade do tráfico de drogas, mas de aplicar a lei como está escrita. Se o legislador previu a possibilidade de redução de pena para o traficante primário, sem antecedentes e sem vínculo com organização criminosa, não cabe ao intérprete criar atalhos acusatórios para restringir a norma.

Curioso notar como o rigor probatório é seletivo. Quando se trata de reconhecer direitos do réu, exige-se prova absoluta, quase divina. Mas, quando se trata de afastar benefícios legais, qualquer indício vira “prova robusta”: uma foto mal interpretada em rede social, uma denúncia anônima ou um depoimento isolado já servem para sustentar a narrativa de que o réu seria “soldado do tráfico”.

O STJ, ao menos neste caso, não embarcou nessa ficção. Lembrou o básico: direito penal não se constrói com achismos. E se o Ministério Público tem provas de que o acusado integra facção criminosa, que as traga aos autos. Do contrário, o redutor deve ser aplicado.


Conclusão

O tráfico privilegiado não é um prêmio, mas uma opção legislativa de política criminal. Cabe ao Judiciário aplicá-lo quando presentes os requisitos. Não se pode transformá-lo em ficção jurídica a ser afastada por meras suposições.

O recado do STJ é claro (e deveria ser desnecessário): sem provas concretas, não há como excluir o benefício legal. O resto é retórica punitivista.


Referências

Lei n. 11.343/2006, art. 33, §4º.

STF, HC 206.417/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 16/09/2021.

STF, HC 205.249/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 03/09/2021.

STJ, AgRg no HC 892.844/MG, Rel. Min. Jesuíno Rissato, j. 14/05/2024.

STJ, AgRg no HC 925.376/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 09/05/2025.

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Sobre o autor
Ricardo Rodolfo Rios Bezerra

Advogado Sócio. Profissional graduado em Direito no IDP, pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal no IDP, pós-graduando em anticorrupção e Compliance no IDP e Mestrando, como aluno especial, na UnB. Possui diversos artigos publicados envolvendo Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEZERRA, Ricardo Rodolfo Rios. Tráfico privilegiado: o STJ lembra o óbvio (e o MP insiste no contrário). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8146, 20 out. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116008. Acesso em: 5 dez. 2025.

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