3. Processo expropriatório
O procedimento de desapropriação é formal e segue duas fases principais: declaratória e executória. A primeira é sempre administrativa, enquanto a segunda pode ser administrativa ou judicial, a depender da colaboração do expropriado.
3.1. A fase declaratória (administrativa)
Como o nome adequadamente dá a entender, neste primeiro momento expede-se um ato de governo que caracteriza o bem de determinada forma: declara-o de utilidade pública ou de interesse social. Isto é feito mediante decreto do Poder Executivo. Esta declaração produz dois efeitos principais: (a) delimita o objeto: identifica o bem a ser expropriado e vincula a Administração à finalidade pública específica que justifica a medida, (b) afeta o bem: constitui o estado de sujeição do bem à desapropriação.
A partir desta declaração, o proprietário sofre restrições quanto à indenização de benfeitorias. Somente as benfeitorias necessárias e as úteis, se realizadas mediante autorização do poder competente, são passíveis de indenização, conforme o art. 26, § 1º, do DL 3.365/1941.
O Decreto-Lei 3.365/41 estabelece prazos de caducidade para a efetivação da desapropriação após a declaração.
A vinculação operada na Administração com o fundamento empregado para justificar a desapropriação não apenas é de interesse da coletividade – porque associada à legitimidade da atuação da Administração – como interessa especialmente ao expropriado: a desapropriação em geral é desagradável e contra o interesse individual. Como asseverado mais cedo, a violação do fundamento da desapropriação converte-a em tredestinação, o que é tese que pode ser arguida pelo expropriado na segunda fase da desapropriação, buscando a anulação dos atos. Isso encontra fundamento na teoria dos motivos determinantes que preconiza que, uma vez motivado o ato administrativo por certas razões, a verificação posterior da falsidade da motivação permite a anulação do ato. Maria Zanella Di Pietro esclarece que a destinação diversa (e ilícita) da coisa, dá vazão ao chamado direito de RETROCESSÃO: direito que tem o expropriado de exigir de volta o seu imóvel caso o mesmo não tenha o destino para que se desapropriou. Digno de nota que isso somente se aplica se essa destinação alternativa não atende ao interesse público – ou seja, não cabe retrocessão diante de uma destinação diversa, mas lícita e que atende algum interesse público ainda que diverso daquele originariamente previsto (2023. Cap. 6, item 6.10.13). Nesse sentido, a vinculação que sofre a Administração é secundum quid (ou vinculada desde certo aspecto, não quanto a tudo).
3.2. A fase executória (administrativa ou judicial)
A fase executória consiste nos atos práticos para a transferência da propriedade. Inicia-se pela tentativa de acordo administrativo. Caso não haja consenso quanto ao valor da indenização ou a forma de pagamento, o Poder Público deve ingressar com a ação de desapropriação judicial.
Os sujeitos ativos (expropriantes) podem ser classificados em: (a) incondicionados, que são os entes federativos (União, Estados, DF e Municípios), que podem propor a ação diretamente e (b) condicionados, que são as entidades delegadas, como autarquias, fundações públicas, concessionárias e permissionárias, que só podem propor a ação se expressamente autorizadas por lei ou contrato administrativo.
O art. 9º do DL 3.365/41 restringe a defesa judicial do expropriado, limitando-a à discussão do valor da indenização ou de vícios processuais. Tradicionalmente, não se permite debater a conveniência ou a oportunidade da declaração de utilidade pública.
No âmbito do processo judicial para a desapropriação tem-se uma cautelar de relevo: a IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. Ela encontra fundamento no art. 15. do DL 3.365/41 e permite ao Poder Público obter a posse do bem já no início da lide judicial, antes da sentença definitiva e do pagamento integral da indenização.
Esta medida é concedida pelo juiz mediante o cumprimento de dois requisitos essenciais pelo Poder Público: (a) a comprovação do caráter urgente da desapropriação e (b) o depósito em juízo da importância fixada em lei.
A imissão provisória configura flexibilização do requisito de antecedência (ser prévia) a indenização em dinheiro que condiciona a desapropriação. O Estado, alegando urgência, adquire a posse antes do pagamento final. No entanto, o expropriado tem o direito de levantar oitenta por cento do depósito feito em juízo, mesmo que discorde do valor inicial oferecido, e cumpridas as exigências legais (comprovação de propriedade, quitação fiscal).
A permissão da imissão provisória, embora contrarie a literalidade do termo "prévia", é constitucionalmente aceitável na medida em que a indenização final será acrescida de juros compensatórios. Estes juros cobrem o lapso temporal entre o apossamento precoce (imissão) e o pagamento definitivo, atuando como um elemento compensatório pela perda antecipada do uso e gozo do capital, assegurando a manutenção do princípio da reparação integral.
4. Legitimidade passiva e ativa na desapropriação: quem é que pode ser expropriado e quem é que pode expropriar.
A princípio a resposta parece bastante intuitiva: o sujeito ativo, como não poderia deixar de ser, é o Estado, e o sujeito passivo é o particular. Embora essa primeira impressão cubra a imensa maioria dos casos de desapropriação, nos extremos há dois casos que fogem a essa regra: o particular apto a desapropriar, e o ente público apto a ser expropriado. De acordo com Marçal Justen Filho, o Estado é o único sujeito titular da competência para impor unilateralmente a extinção compulsória da propriedade alheia. Por Estado entenda-se todas as entidades federativas, as quais são investidas de poderes para desapropriar (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). A competência para desapropriar é, em princípio, um instrumento jurídico para a realização das atribuições de que o ente federado é titular. Por exemplo, a competência para promover a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária de imóveis rurais é reservada exclusivamente à União.
Quanto ao poder jurídico para declarar o bem como de utilidade pública ou interesse social tem-se titularidade privativa do chefe do executivo do ente político expropriante, embora o Poder Legislativo possa adotar essa decisão em ressalva prevista em lei.
Isso tudo não significa dizer que o particular não possa promover a ação de desapropriação propriamente dita. Ao contrário, Marçal Justen Filho ressalta que, embora a competência principal seja estatal, admite-se a atribuição de certos atos jurídicos a outros sujeitos: a promoção da desapropriação pode ser atribuída a concessionários de serviços públicos, a estabelecimentos de caráter público, a entidades que exerçam funções públicas delegadas e a autorizatárias de ferrovias. É possível atribuir a particulares a tarefa de promover as medidas de execução do decreto de expropriação, inclusive a ação judicial de desapropriação, uma vez que o ato jurídico privativo do ente federado tenha sido produzido (2023. Cap. 25, item 25.3).
Quanto a quem é capaz de sofrer a desapropriação, de fato, em princípio é um particular, sendo o titular do domínio de um bem ou direito necessário à satisfação de uma necessidade coletiva. Como regra, a desapropriação versa sobre bens e direitos na titularidade de sujeitos privados – de novo, como regra. Contudo, esclarece Justen Filho que também se admite a desapropriação de bens de titularidade de outros sujeitos estatais em certas hipóteses (2023, no mesmo lugar).
Especificamente, a expropriação de bens públicos é admitida mediante autorização legislativa. Daí pode a União expropriar bens públicos de todos os demais entes federados, os Estados podem desapropriar os bens públicos dos Municípios e os Municípios não podem desapropriar os bens de nenhum outro ente político.
5. Objeto da desapropriação: o que é que pode ser desapropriado
Novamente, uma primeira resposta é intuitiva e também correta. Só não é completa. Ordinariamente, o que é que pode ser desapropriado é a propriedade imóvel, mas o instituto não se exaure apenas nessa possibilidade. Por incomum que possa parecer, a desapropriação pode incidir sobre uma diversidade de bens. É o que explica Fernanda Marinela ao escrever que:
“Podem ser objeto da desapropriação os bens de valor econômico, sejam os móveis ou os imóveis; os corpóreos ou incorpóreos; os públicos ou privados; o espaço aéreo; o subsolo; o direito de crédito; as ações, cotas ou direitos relativos ao capital de pessoas jurídicas, e outros que tenham valoração patrimonial e não tenham sido excluídos pelo ordenamento jurídico. Nessa ordem, no art. 2º do Decreto-Lei n. 3.365/41 encontra-se consignado que “todos os bens podem ser desapropriados” pelas entidades da Federação. Na lista de bens passíveis de desapropriação também estão os direitos reais, como é o caso do domínio útil resultado da enfiteuse, além dos direitos pessoais inerentes ao contrato de compra e venda. Apesar das inúmeras discussões, admite-se ainda a expropriação do direito à posse, desde que legítima e de boa-fé.” (2018. Cap. 12, item 4.6.1) – ênfase nossa.
Mais interessante, então, que perguntar quais os bens passíveis de desapropriação – porque quase todos o são – é perguntar se haverá quaisquer bens, e quais seriam eles, que não podem ser desapropriados. Novamente, Marinela esclarece que o Dl 3365/41 aponta certos bens impassíveis deste procedimento. Serão eles:
“a) impossibilidades jurídicas: aquelas hipóteses que se referem aos bens que a lei considere insuscetíveis de determinado tipo de desapropriação. Por exemplo, a propriedade produtiva para fins de reforma agrária (art. 185, II, da CF), sendo essa possível desde que a Administração utilize outro fundamento;
b) impossibilidades materiais: situações que pela própria natureza do bem se tornam inviáveis para a desapropriação. Por exemplo, a moeda corrente já que se trata do instrumento para que se efetive a indenização, salvo se forem moedas antigas; os direitos da personalidade, como a honra, a liberdade, a cidadania; o direito autoral e as pessoas físicas ou jurídicas, porque são sujeitos de direitos e não objetos, além de outros.” (no mesmo lugar) – ênfase nossa.
A autora destaca ainda que, apesar da impossibilidade de desapropriação do bem, a desapropriação do modo de seu exercício nem sempre será igualmente impossível – é o que ocorreria com os direitos autorais e o respectivo direito de divulgação e comercialização de obras artísticas, científicas ou literárias. O primeiro inexpropriável, o segundo expropriável.
Segundo ela, quando o ordenamento jurídico contempla uma solução específica para a extinção compulsória dos direitos do titular do bem, a desapropriação também é vedada. Por exemplo: não se admite a desapropriação de uma concessão de serviço público porque a lei já determina a sua extinção por meio do instituto da encampação.
6. O regime indenizatório
A indenização na desapropriação ordinária e de interesse social (não sancionatória) deve ser prévia, justa e em dinheiro. O foco da discussão judicial concentra-se em garantir o princípio da justa indenização, que exige a completa reposição do patrimônio do expropriado. A indenização deve ser suficiente para que o proprietário possa adquirir outro bem de valor e condições equivalentes.
A justiça indenizatória é composta por uma série de elementos que garantem a reparação integral do dano patrimonial sofrido pelo particular, conforme a doutrina e a jurisprudência consolidada: a fixação do valor real e atual do bem expropriado, a apuração dos danos emergentes e lucros cessantes, o cálculo dos juros compensatórios (para o caso de ter havido imissão na posse – o que é o mais comum), os juros moratórios (para o caso de atraso no pagamento da indenização) e as despesas judiciais, honorários e correção monetária.
a. fixação do valor real e atual do bem expropriado: deve corresponder ao preço de mercado do bem na data da avaliação pericial. A prova técnica e o laudo pericial são o pilar da fase judicial, definindo o valor justo.
b. danos emergentes e lucros cessantes: incluem os prejuízos diretos (danos emergentes) e o que o proprietário razoavelmente deixou de lucrar em virtude da perda do bem (lucros cessantes). Na desapropriação de imóveis comerciais ou industriais, a avaliação deve incluir o fundo de empresa (o goodwill ou a capacidade produtiva do negócio). A indenização do fundo de empresa é essencial para garantir que a administração compense não apenas o ativo físico, mas também a capacidade de geração de renda perdida.
c. juros compensatórios: são devidos para remunerar o proprietário pela perda antecipada da posse (a partir da data da imissão provisória). Sua função é compensatória pela privação do uso e gozo do bem, e não punitiva.
d. juros moratórios: incidem se houver atraso no pagamento, contados a partir do trânsito em julgado da sentença.
e. despesas judiciais e honorários advocatícios: o Poder Público deve arcar com os custos processuais e os honorários do advogado do expropriado. Os honorários advocatícios calculam-se com base na diferença entre o valor inicialmente depositado pela Administração Pública e o apurado ao fim da segunda fase, como explica Di Pietro (2023. Cap. 6, item 6.10.8).
f. correção monetária: essencial para manter o poder aquisitivo da indenização ao longo do processo.
O regime de indenização de benfeitorias, mais especificamente, varia conforme o momento de sua realização e da espécie de desapropriação realizada, como comentou-se mais cedo neste texto. Todas as benfeitorias existentes até a data da expedição da declaração de utilidade pública ou interesse social devem ser indenizadas. Após este ato, o proprietário só terá direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis que tenham sido realizadas mediante autorização expressa do poder competente (art. 26, § 1º, DL 3.365/1941).