Capa da publicação PL do Crime Organizado: riscos e controvérsias
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Análise preliminar do Projeto de Lei do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado

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Resumo:


  • O projeto de lei "Marco Legal do Combate ao Crime Organizado" foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está em fase de revisão e aprovação no Senado Federal.

  • O projeto traz uma tipologia especial para organizações ultraviolentas, reforça a repressão econômica e ajusta mecanismos processuais para combater as facções criminosas no Brasil.

  • Críticas ao texto incluem questões como a competência para julgamento de homicídios por varas colegiadas e a divisão de recursos financeiros, sendo sugeridos ajustes para aprimorar o texto e garantir sua eficácia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. DAS NORMAS PROCESSUAIS E OPERACIONAIS

O Título II do Marco Legal disciplina prazos, cooperação institucional, medidas patrimoniais cautelares e definitivas, ação civil de perdimento e bancos de dados nacionais e estaduais sobre organizações ultraviolentas. A seguir, apresenta-se o esboço capítulo a capítulo.

O Capítulo I trata dos prazos de inquérito e das decisões judiciais, estabelecendo expressamente que o descumprimento do prazo não gera, de forma automática, o relaxamento da prisão, devendo o juiz avaliar o caso concreto.

O Capítulo II disciplina a atuação de forças-tarefa integradas e a cooperação interna, abordando atuação conjunta, termos de cooperação, sigilo, entre outros aspectos, e prevendo uma regra de não reconhecimento automático de nulidade em caso de descumprimento das regras de cooperação. Reconhece-se, ainda, a atuação dos GAECOS nesses atos cooperativos. O Marco Legal também prevê a aplicação subsidiária da Lei nº 12.850/2013 e da Lei nº 9.613/1998.

Os Capítulos III e IV disciplinam, em sequência, medidas acautelatórias, especialmente medidas patrimoniais amplas dirigidas contra integrantes e estruturas econômicas. O espaço aqui é curto para análise individual de cada medida, mas o ponto central é que se admite a decretação da perda ou suspensão de atividades e a apropriação patrimonial com contraditório diferido, devendo a decisão judicial ser fundamentada quanto à necessidade, adequação e proporcionalidade, além de considerar os efeitos sistêmicos.

O Marco Legal prevê, ainda, que bens e valores perdidos podem ser utilizados provisoriamente por órgãos de segurança — para reaparelhamento, capacitação ou operações — mediante autorização do juiz da execução. Admite-se, também, a perda civil de bens situados no Brasil, ainda que a atividade ilícita tenha ocorrido no exterior.

Nos capítulos seguintes são apresentadas disposições complementares relevantes, como a criação do Banco Nacional e dos Bancos Estaduais de Dados, entre outras.


4. CONCLUSÃO E SUGESTÕES

A discussão em torno do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado representa um momento decisivo para o enfrentamento das organizações criminosas que atuam no Brasil. A consolidação de facções, milícias e grupos paramilitares — com domínio territorial, fortalecimento econômico e capacidade de intimidação social — tem produzido impactos severos sobre a segurança pública, alimentando a sensação generalizada de insegurança, ampliando o clamor social e inviabilizando a redução dos índices de mortes violentas a patamares minimamente aceitáveis. Nesse contexto, o debate legislativo assume papel central, pois enfrenta diretamente problemas que há décadas desafiam o sistema de justiça criminal brasileiro.

A seguir, apresentam-se as principais conclusões, acompanhadas das críticas formuladas ao texto aprovado e das propostas de aperfeiçoamento capazes de superar controvérsias e fortalecer o combate às organizações criminosas ultraviolentas.

4.1. Avanço na tipologia penal e inexistência de conflito com a Lei 12.850/2013

O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados representa avanço relevante na tipologia penal, especialmente nos arts. 2º e 3º, que preenchem lacunas históricas e permitem maior precisão no combate às organizações ultraviolentas. A criação da figura da Organização Criminosa Ultraviolenta, Paramilitar ou Milícia Privada não conflita com a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013). Cuida-se, na verdade, de tipo penal especial, aplicável a facções, milícias e entidades paramilitares, enquanto a ORCRIM comum permanece regida pela lei geral.

Pelo princípio da especialidade, não há sobreposição normativa. A nova tipologia visa, de modo específico, alcançar estruturas extremamente violentas, com domínio territorial e econômico, emprego de armas de uso restrito e capacidade de intimidação coletiva. A possibilidade de reprimir os chamados “salves”, o controle de comunidades e o uso de ultraviolência constitui instrumento indispensável para romper a estrutura de comando e conter a reprodução da violência.

Entendemos ser necessário acrescentar dispositivo expresso afirmando que a nova figura criminal não substitui a ORCRIM comum, mas define modalidade especial, com critérios objetivos de ultraviolência, a fim de afastar discussões interpretativas — embora a diferenciação já decorra da análise conglobante das normas.

4.2. Repressão econômica e críticas ao “perdimento extraordinário”

As medidas de repressão econômica previstas no projeto — incluindo mecanismos cautelares e regras processuais mais eficientes — fortalecem o enfrentamento às estruturas financeiras das organizações criminosas. A adoção do contraditório diferido, em especial, mostra-se adequada à realidade de elevada periculosidade e ao risco concreto de reações violentas ou de destruição de provas.

Entretanto, críticas recaíram sobre os dispositivos que tratam do perdimento de bens. A previsão de ação civil autônoma e a utilização da expressão “perdimento extraordinário” podem gerar confusão entre dois institutos distintos: a alienação antecipada, medida cautelar destinada à preservação do valor econômico do bem; e o perdimento penal, efeito da condenação após o trânsito em julgado.

Trata-se de questão estritamente técnica, solucionável por ajuste redacional. Basta substituir a expressão “perdimento extraordinário” por “alienação antecipada com depósito em juízo”, deixando clara a compatibilidade do PL com o CPP e com os institutos já consolidados, com exigência de motivação reforçada e critérios objetivos.

4.3. Execução penal e pontos que devem ser revistos

As alterações relacionadas à execução penal reforçam a necessidade de disciplinar o cumprimento de pena por membros e lideranças dessas entidades. Contudo, alguns ajustes são recomendáveis, como a previsão de que o cumprimento de pena em presídios federais seja facultativo — e não obrigatório —, evitando-se a presunção absoluta de insuficiência dos estabelecimentos estaduais; e a supressão da vedação ao auxílio-reclusão, por se tratar de benefício previdenciário destinado aos dependentes, e não ao apenado.

Há, ainda, espaço para aprimoramentos em outros dispositivos de execução, sem prejuízo do objetivo central de impedir que lideranças continuem exercendo poder dentro do sistema prisional.

4.4. Manifestações sociais e alegada “criminalização de cidadãos comuns”

Críticos do projeto afirmam que a tipificação da conduta de “impedir, dificultar, obstruir ou criar embaraços à atuação das forças de segurança pública” (art. 2º-A, IV) poderia ser utilizada contra manifestações populares legítimas.

Essa interpretação não se sustenta, pois o tipo penal exige vínculo com organização criminosa ultraviolenta ou que o ato seja praticado para favorecê-la, ou seja, requer finalidade criminosa específica. Movimentos sociais, sindicais, estudantis ou reivindicatórios não integram redes de apoio a facções ou milícias e, por isso, não se enquadram na tipologia. A crítica refere-se a conflito apenas aparente, superado pela hermenêutica penal protetiva e pela exigência de dolo específico.

Para fins de aperfeiçoamento, propõe-se deixar expresso que o inciso IV aplica-se somente quando a conduta ocorrer com o propósito de colaborar com organização ultraviolenta, sem prejuízo dos direitos constitucionais de reunião e manifestação.

4.5. Julgamento de homicídios e varas colegiadas

O texto permite que homicídios praticados por membros de organizações ultraviolentas sejam julgados por varas colegiadas. Entretanto, há risco de violação ao modelo constitucional que reserva os crimes dolosos contra a vida ao Tribunal do Júri. Não há evidências de incapacidade da população para julgar tais casos. O adequado é fortalecer a proteção dos atores processuais — jurados, magistrados, promotores, defensores, testemunhas e vítimas — sem retirar a competência constitucional do Júri.

Nossa proposição é a supressão desse dispositivo do PL.

4.6. Divisão de recursos financeiros e o debate sobre “esvaziamento” federal

O PL prevê que, em caso de investigação local, os bens apreendidos serão destinados aos fundos estaduais ou distritais; se a investigação for conduzida pela Polícia Federal, os recursos serão encaminhados ao FNSP; e, em ações conjuntas, haverá divisão igualitária. Alguns críticos afirmam que isso poderia “esvaziar” recursos federais. Contudo, o modelo atual — em que todos os recursos são remetidos ao fundo federal e posteriormente rateados — é burocrático, lento e prejudicial aos estados, responsáveis por grande parte da atividade policial.

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A destinação direta corrige distorções históricas, fortalece a atuação local e mantém espaço adequado para a atuação federal quando competente.

Propomos, como aperfeiçoamento, a vinculação do rateio aos princípios e critérios do SUSP; a garantia de que a Polícia Federal receba recursos proporcionais ao esforço empregado; e a criação de critérios objetivos de repartição, evitando prejuízo federativo.

O conjunto de críticas apresentadas ao Marco Legal do Combate ao Crime Organizado pode ser técnica e juridicamente superado. O projeto avança ao criar uma tipologia especial para organizações ultraviolentas, reforçar a repressão econômica, ajustar mecanismos processuais e redistribuir recursos de maneira mais racional.

Por outro lado, ajustes pontuais — muitos de natureza exclusivamente redacional — podem ampliar a segurança jurídica, eliminar conflitos aparentes, preservar a competência constitucional do Tribunal do Júri e assegurar equilíbrio federativo na repartição de recursos.

Este texto representa um esboço inicial das principais observações sobre o Marco Legal do Combate às Organizações Ultraviolentas, especialmente porque o processo legislativo ainda está em curso e sujeito a modificações significativas no Senado Federal. Os autores permanecem acompanhando o debate parlamentar e suas repercussões no sistema de justiça criminal brasileiro.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1984. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.

BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei, e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF. Brasília, DF: Presidência da República, 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.

BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; e revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. Brasília, DF: Presidência da República, 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.

BRASIL. Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, define os crimes de terrorismo, dispõe sobre investigação criminal, procedimento processual e coordenação nacional de atividades de combate ao terrorismo; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) e a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13260.htm. Acesso em: 24 nov. 2025.

BRASIL. Projeto de Lei nº 5.582, de 2025. Institui o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado no Brasil. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2460000. Acesso em: 24 nov. 2025.


Abstract: Article prepared for the preliminary analysis of Bill No. 5,082/2025, known as the Legal Framework for Combating Organized Crime, approved by the Brazilian Chamber of Deputies in a plenary session on November 18, 2025, and forwarded to the Federal Senate for review and approval. It presents an initial discussion of its main ideological and political aspects, as well as its criminological and typological elements, in addition to selected controversial issues related to the proposal.

Key words : violence, crime, legislative package, constitutionality, legal framework, ultraviolent criminal organizations.

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Sobre os autores
José William Pereira Luz

Promotor de Justiça do Estado do Piauí. Coautor do livro "Facções criminosas: análise jurídica e estratégias de enfrentamento", Editora Forum.

Rômulo Paulo Cordão

Promotor de Justiça do Ministério Público do Piauí. Coautor do livro "Facções criminosas: análise jurídica e estratégias de enfrentamento", Editora Forum.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, José William Pereira ; CORDÃO, Rômulo Paulo. Análise preliminar do Projeto de Lei do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8184, 27 nov. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/116333. Acesso em: 6 dez. 2025.

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