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Possibilidade de efetivação do direito à razoável duração do processo

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06/09/2008 às 00:00
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O direito constitucional à razoável duração do processo no texto constitucional, com "status" de direito fundamental, é aplicável e eficaz? Veja possíveis soluções para efetivação do direito.

RESUMO

O trabalho aborda o problema da morosidade na prestação jurisdicional e o conseqüente comprometimento da justiça das decisões intempestivas. Situa a problemática sob o prisma da atual ordem jurídico-constitucional, com destaque para o disposto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/04 e responsável pela previsão expressa do direito à razoável duração do processo no texto constitucional, com status de direito fundamental. Após, concentra-se no estudo da aplicabilidade e eficácia do dispositivo, oferecendo possíveis soluções para efetivação do direito.

PALAVRAS-CHAVE: Razoável duração do processo – Tempestividade da prestação jurisdicional - Direito fundamental – Emenda Constitucional nº 45 – Eficácia – Aplicabilidade – Mandado de segurança.

SUMÁRIO:1. Introdução: o problema da morosidade – 2. A razoável duração do processo: mera promessa constitucional? – 3. A tentativa de definir o conceito razoável duração do processo, a fixação de diretrizes e a identificação dos instrumentos legais voltados à consagração da celeridade processual – 4. Conclusão – 5. Nota de atualização. – 6. Bibliografia.


1.Introdução: o problema da morosidade

Ainda como estagiário de Direito, tive a oportunidade de atuar em processo judicial que se iniciou no ano de 1978, uma ação de desapropriação de vasta área de terras no Estado de São Paulo. Impressionou-me o número de advogados que já haviam trabalhado no caso e que, pela dinâmica da vida, não o faziam mais (uns porque haviam mudado de escritório, outros se aposentado e alguns, até, porque tinham partido dessa vida).

Naquele caso, o proprietário da área desapropriada faleceu durante o tramitar do processo. E dois de seus filhos, os mais velhos, também....Seus netos é que acabariam por receber a parcela substancial da indenização devida pelo Estado.

Este se trata de apenas um exemplo que, certamente, não está entre os mais crônicos, pois a experiência registra casos mais graves em que a demora na prestação jurisdicional envolve injusta periclitação da vida ou da saúde...

Já naquela época, diante de situações angustiantes como essa, indagava-me sobre a transcendência de questões relacionadas ao processo e à sua efetividade no cenário da concretização da Justiça e da cidadania. Dava-me conta da impropriedade do velho ditado popular, tão costumeiramente repetido, de que "a Justiça tarda, mas não falha"...

Hodiernamente, Doutrina e outros setores da comunidade jurídica, especialmente os advogados, são unânimes ao situar o problema da morosidade do processo como um dos desafios capitais do nosso sistema jurídico. [01]

Em interessante análise, DALMO DALLARI [02] atribui a atual situação do Judiciário ao seu relacionamento distanciado com os demais poderes no curso da história, num processo que chama de "tradição paralisante". Nesse sentido, sustenta:

"Enquanto Legislativo e Executivo dialogam permanentemente, muitas vezes exigindo a satisfação de seus respectivos interesses como condição para apoiar ou realizar um objetivo de interesse público, o Judiciário tem sido mantido à margem, num honroso isolamento."

Esse processo de aproximação com os demais Poderes da República mostra-se fundamental para que o Judiciário possa obter os recursos necessários à implementação de projetos relacionados à informatização, à contratação e aperfeiçoamento de pessoal, ao aumento do número de magistrados etc., com vistas à garantia de acesso à justiça, expressão que, nas palavras de DINAMARCO [03]: "(...) equivale à obtenção de resultados justos. (...) Não tem acesso à justiça aquele que sequer consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas mazelas do processo, recebem uma justiça tardia ou uma injustiça de qualquer ordem." (g.n.)

Com efeito, tem-se hoje a clara percepção de que já não basta que a decisão final seja teoricamente justa se não for tempestiva, pois, nas sábias palavras de LUIZ GUILHERME MARINONI [04]:

"(...) se o tempo é a dimensão fundamental na vida humana, no processo desempenha ele idêntico papel, não somente porque, como já dizia Carnelutti, processo é vida, mas também porquanto, tendente o processo a atingir seu fim moral com a máxima presteza, a demora na sua conclusão é sempre detrimental, principalmente às partes mais pobres ou fracas, que constituem a imensa maioria da nossa população, para as quais a demora em receber a restituição de suas pequenas economias pode representar angústias psicológicas e econômicas, problemas familiares e, em não poucas vezes, fome e miséria".

Na mesma direção, MARCATO [05] observa:

"Realmente, os mais visíveis (e angustiantes) obstáculos que se antepõem ao destinatário final da atividade exercida através do processo são, imediatamente, o seu custo e a sua duração, com efeitos que podem ser devastadores (...)".

E, citando CAPPELLETTI e GARTH [06], conclui:

E como já se alertou, ‘a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um ‘prazo razoável’ é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível’, ao passo que a demora pode representar, ao final, a denegação da própria justiça."

É evidente que nosso sistema processual não está alheio ao problema da morosidade, tal é a possibilidade da obtenção de tutelas de urgência para evitar o perecimento de direitos, como as diversas espécies de medidas cautelares e a antecipação dos efeitos da tutela.

Tais mecanismos, todavia, além de insuficientes – porque se destinam a tutelar situações específicas, exigindo a observância de determinados requisitos para sua aplicação – tem criado distorções, já que, abstratamente previstos como exceção, acabaram tornando-se regra. [07]

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 45/04, apesar de severamente criticada por muitos, parece-nos representar um fôlego novo para o enfrentamento da problemática, embora não tenha – e nem poderia ter – o condão de cumprir tal tarefa isoladamente, sendo imperiosa a mudança da legislação processual [08], que já teve início com a aprovação de recentes leis introdutoras de significativas modificações no Código de Processo Civil [09].


2.A razoável duração do processo: mera promessa constitucional ?

Apesar de o direito à razoável duração do processo não constar expressamente do texto constitucional até o advento da Emenda nº 45/04, já se entendia na Doutrina que tal garantia está compreendida na previsão constitucional ao devido processo legal (due process of law). Nesse sentido, CANDIDO DINAMARCO (2002, p.29) sustenta:

"Ao definir e explicitar muito claramente garantias e princípios voltados à tutela constitucional do processo, a nova Constituição tornou crítica a necessidade não só de realizar um processo capaz de produzir resultados efetivos na vida das pessoas (efetividade da tutela jurisdicional), como também de fazê-lo logo (tempestividade) e mediante soluções aceitáveis segundo o direito posto e a consciência comum da nação (justiça). Efetividade, tempestividade e justiça são os predicatos essenciais sem os quais não é politicamente legítimo o sistema processual de um país (Kasuo Watanabe)"

No plano infraconstitucional, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica, de que o Brasil é signatário e que foi introduzida em nosso ordenamento pelo Decreto nº 678/92, é farta de disposições que se destinam a assegurar o direito à tutela jurisdicional tempestiva. [10]

Todavia, na ausência de disposição constitucional expressa (até a EC 45/04), tal questão, ao que parece, não chegou a estimular na Doutrina e na Jurisprudência brasileiras o debate que sua importância reclama.

Agora, com o acréscimo do inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição, erigindo-se a "razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" ao status de direito fundamental, opiniões dissonantes já se anunciam no cenário jurídico.

Comentando o dispositivo, há quem defenda que tal garantia nada significa na prática, pois depende da implementação dos meios que garantam a celeridade, objetivo a ser concretizado pelo legislador ordinário.

É o que sustentam, entre outros, JOÃO BATISTA LOPES [11], para quem "A referência ao direito à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) constitui mera promessa, sem qualquer ressonância prática", e SILVANA BONIFÁCIO SOUZA [12], verbis:

"Embora seja uma garantia louvável, constitui-se em uma cláusula aberta e que pouco efeito prático traz, já que não basta essa previsão. Na verdade, essa garantia já existia, ainda que não explicitada na Constituição Federal. Prevê-la apenas reforçou a idéia. No entanto, é preciso que existam meios materiais para que se torne realidade, que são os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (...)"

Contudo, não compartilhamos dessa posição. Em primeiro lugar, porque sua aceitação representaria autêntico retrocesso na evolução da moderna doutrina constitucionalista, especialmente no que diz respeito à efetividade dos direitos fundamentais, como é o caso.

Em segundo plano, implicaria atribuir ao legislador infraconstitucional excessiva parcela da responsabilidade pelas mudanças almejadas pelo constituinte e contidas no bojo da Emenda nº 45/06. Nesse aspecto, o intérprete da Constituição e da lei não pode se ver fora do processo de transformação presente no cerne da reforma constitucional.

Não se ignora que, tradicionalmente, a Doutrina divirja a respeito da eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos no Título II da Constituição Federal de 1988.

JOSÉ AFONSO DA SILVA [13], em seu estudo sistemático sobre o assunto, reconhece-lhes apenas eficácia contida, na consideração de que:

"Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata" (...) "A orientação Doutrinária moderna é no sentido de reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de caráter sócio-ideológico, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos."

Todavia, esse mesmo constitucionalista, analisando o artigo 5º, § 1º, da Constituição da República, faz a seguinte ressalva:

"Então...que valor tem o disposto no § 1º o art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes."

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Nessa linha de raciocínio, que se orienta na direção de atribuir eficácia plena e aplicabilidade imediata às normas que consagram direitos fundamentais, está o magistério de ALEXANDRE DE MORAES [14], verbis:

"Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

E nesse mesmo sentido, mencione-se o entendimento de LUIZ ROBERTO BARROSO [15], INGO WOLFGANG SARLET [16] e ALESSANDRA MENDES SPALDING [17].

Nos fundamentos desta teoria, pode-se encontrar em CANOTILHO [18] a defesa do princípio da máxima eficiência ou máxima eficácia. E em JORGE MIRANDA [19] a afirmação de que "A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê".

Entre nós, CELSO BASTOS [20] sustenta a idéia de que esvaziar de conteúdo uma norma constitucional equivale a violar a própria Constituição, verbis:

"O postulado (da máxima eficácia das normas constitucionais) é válido na medida em que por meio dele se entenda que não se pode empobrecer a Constituição. O que efetivamente significa este axioma é o banimento da idéia de que um artigo ou parte dele possa ser considerado sem efeito algum, o que equivaleria a desconsiderá-lo mesmo. Na verdade, neste ponto, acaba por ser um reforço do postulado da unidade na Constituição. Não se pode esvaziar por completo o conteúdo de um artigo, qualquer que seja, pois isto representaria uma forma de violação da Constituição."

Por fim, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. [21], sob prisma diverso, traz à baila semelhante questão, distinguindo a hermenêutica tradicional – à qual se refere como procedimentos interpretativos de bloqueio – daquela que estaria em sintonia com a nova ordem constitucional – que denomina de procedimentos interpretativos de legitimação de aspirações sociais, voltados à consecução de determinadas aspirações ou "metas privilegiadas até mesmo acima ou para além de uma conformidade constitucional estritamente formal", observando:

"Ora, a idéia, subjacente a esse procedimento interpretativo de legitimação, de que constituições instauram uma pretensão de se verem atendidas expectativas de realização e concreção só pôde ser atendida, juridicamente, na medida em que se introduziu na hermenêutica constitucional uma consideração de ordem axiológica. Ou seja, pressupondo-se que uma constituição apresenta, no seu corpo normativo, um sistema de valores, a aplicação das suas normas, por via interpretativa, se torna uma realização de valores".

No bojo desse processo, constata-se que cabe ao hermeneuta "prover uma identificação dos meios possíveis para a consecução de finalidades, quer sejam eles meios sociais ou técnicos, a fim de que a norma possa ser efetiva." (g.n.)

Parece-nos, portanto, que o argumento de que o direito fundamental à razoável duração do processo constitui mera cláusula aberta, dependente da edição de normas infraconstitucionais para aquisição de eficácia plena, não poderá servir de pretexto para que se lhe negue aplicação prática, seja porque o sistema já oferece instrumentos voltados à garantia da celeridade processual (como detalharemos adiante), seja porque, na ausência desse instrumental, a atividade do hermeneuta deverá supri-lo tanto quanto possível.

Essa leitura da questão não constitui inovação, pois é inegável que, na prática, assistimos a um processo de legitimação de direitos veiculados por meio das denominadas cláusulas programáticas, cujo conteúdo, também aberto ou indeterminado, caracteriza-se pelo fato de traçar um programa ou objetivo a ser implementado pelo legislador infraconstitucional.

Tome-se de exemplo o artigo 6º, caput, da Carta de 1988, em que se assegura a todos o direito à educação. Ou ainda o artigo 196, onde está dito que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (...)."

Ora, em que pese o conteúdo aberto de tais normas, é incontroverso que o exercício dos direitos fundamentais por elas veiculados poderá ser judicialmente assegurado na hipótese de omissão do ente estatal responsável, pois já se reconheceu em nossa mais alta Corte que "(...) A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente". (RE nº 368.041, Rel Min. Joaquim Barbosa, DJ 17/06/05) [22]

Nessa mesma ordem de idéias, orientou-se o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF nº 45, em acórdão de relatoria do e. Ministro CELSO DE MELLO:

"Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado." (ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04)

Ao observarmos tal raciocínio aplicado às normas programáticas – cujo teor, não é demasiado repetir, é caracterizado por definir, genericamente, um programa de metas a ser seguido pelo legislador infraconstitucional –, com maior razão, a nosso ver, há de ser deduzido para garantir maior eficácia possível às normas definidoras de direitos fundamentais.

Com base em tais considerações e à luz da teoria da efetividade dos direitos fundamentais, entendemos que se deva atribuir aplicabilidade imediata e eficácia plena à garantia constitucional da razoável duração do processo, competindo ao intérprete, com o objetivo de lhe conferir máxima efetividade, a identificação dos meios possíveis para a consecução das finalidades a que a norma se destina (TERCIO FERRAZ), como, aliás, vem expressamente apregoado no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.


3.A tentativa de definir o conceito razoável duração do processo, a fixação de diretrizes e a identificação dos instrumentos legais voltados à consagração da celeridade processual.

A primeira etapa desse processo hermenêutico consiste na tentativa de definição da expressão "razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (artigo 5º, LXXVIII), considerando que, a priori, trata-se de um conceito vago.

No Brasil, até mesmo pelo grau de inovação que a questão passou a apresentar com o advento da Emenda Constitucional 45/04, são poucos os que têm se debruçado sistematicamente ao seu estudo; e, no exterior, onde se pode colher importantes contribuições de Cortes estrangeiras, tem-se chegado quase que invariavelmente à conclusão de que é inviável atribuir à "razoável duração do processo" um conteúdo estanque, de forma que cada caso merecerá solução própria, atendidas suas particularidades.

Conforme relatado por BARTOLOMES Apud TUCCI [23], o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DA ESPANHA ponderou, em julgamento de janeiro de 1985:

"O artigo 24.2 não constitucionalizou o direito aos prazos, na verdade, constitucionalizou, configurado como um direito fundamental, o direito de toda pessoa a que sua causa seja resolvida dentro de um prazo razoável... Este conceito (o do processo sem dilações indevidas ou em um tempo razoável) é indeterminado ou aberto, e deve ser dotado de um conteúdo concreto em cada caso, atendendo a critérios objetivos congruentes com seu enunciado genérico, como já ficou deliberado na precedente sentença de 14 de março de 1984."

Também a SUPREMA CORTE norte-americana, ao analisar o caso Baker versus Wingo, reconheceu que "o direito a um julgamento rápido tem um conceito muito vago quando confrontado com outras garantias processuais. É, por exemplo, impossível determinar com precisão em quais ocasiões tal direito vem vulnerado...". [24]

Cite-se, não obstante, trabalho divulgado pelo órgão associativo da classe dos advogados nos Estados Unidos, a American Bar Association [25], no qual tal instituição indica aqueles que considera serem os prazos razoáveis de duração de diferentes causas, como, por exemplo: causas cíveis: a) cíveis em geral: 90% devem terminar em 12 meses; 10%, em 24 meses, em razão de causas excepcionais; b) cíveis de procedimento sumário (juizados): 30 dias. Trata-se, todavia, de material dotado de caráter meramente interpretativo, elaborado à guisa de recomendação oficial daquela instituição.

No Brasil, registro semelhante, em doutrina e jurisprudência, pode ser verificado no processo penal, não para definição do tempo razoável de duração do processo, mas para definição do tempo razoável de duração da instrução criminal. Com efeito, tem-se entendido que tal prazo não poderá ser superior a 81 dias, sob pena de constrangimento ilegal sanável por via do habeas corpus [26].

Para se chegar a esse prazo-limite, levam-se em conta os seguintes atos do processo: 10 dias relativos ao Inquérito Policial (art. 10, CPP); 05 dias referentes à denúncia oferecida pelo Ministério Público (art. 46, CPP); 03 dias relativos à defesa prévia a ser apresentada pelo réu (art. 395, CPP); 20 dias para a inquirição de testemunhas (art. 401, CPP); 02 dias para o requerimento de diligências (art. 499, CPP); 10 dias de prazo para o despacho relativo ao requerimento (art, 499, CPP); 06 dias para alegações finais das partes (art. 500, CPP); 05 dias para diligências ex offício (art. 502, CPP) e, por fim, 20 dias para a sentença (art. 800, i e § 3º, CPP). [27]

Segundo tal posicionamento, que não é, todavia, pacífico [28], superados os 81 dias resultantes da soma dos prazos abstratamente previstos, o réu faz jus ao direito de aguardar o desfecho do processo em liberdade.

Diante do panorama acima traçado, a indagação que se coloca é se seria possível, especialmente agora, com o status de direito fundamental conferido à razoabilidade do tempo de duração do processo, transportar semelhante raciocínio aos processos em geral.

Não nos parece que a solução aponte para tal direção, justamente porque a grande quantidade de variantes presentes nos mais diversos casos indica a dificuldade de se estabelecer tão rígidos critérios, como o que resulta da soma dos prazos abstratamente previstos para o encerramento de cada fase processual. Além disso, há que se reconhecer que a aplicação de um critério dessa ordem acabaria por inviabilizar a tentativa de efetivação da garantia constitucional, visto que, atualmente, o Judiciário brasileiro não teria mínimas condições de atendê-la nesses termos.

O que se mostra factível ao alcance do intérprete, nessa seara, é a fixação de diretrizes ou parâmetros para a determinação desse padrão de razoabilidade do tempo de duração da demanda, com o objetivo primordial de coibir abusos. A solução final, contudo, deve ser empregada caso a caso.

Nesse sentido, valemo-nos de precedente de 25 de junho de 1987 da CORTE EUROPÉIA DOS DIREITOS DO HOMEM, no qual referido Tribunal condenou o Estado italiano a indenizar litigante por danos morais "derivantes do estado de prolongada ansiedade pelo êxito da demanda", tendo então apontado três critérios que, conforme circunstâncias casuísticas, devem ser levados em consideração para definição do tempo razoável de duração de um processo:

a)a complexidade do assunto tratado na causa;

b)o comportamento de seus litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo penal; e

c)a atuação do órgão jurisdicional.

Portanto, com base em critérios norteadores, concluiu-se que, naquele caso específico, não se observou o tempo razoável para a finalização da causa, causando à parte um prejuízo cuja responsabilidade foi atribuída ao órgão jurisdicional.

Com esse escopo – de verificar se houve observância da garantia constitucional no caso concreto – o intérprete deverá se valer, além de parâmetros semelhantes aos que foram delimitados pela referida Corte européia, de um processo de identificação dos instrumentos previstos na legislação para tutela específica da tempestividade da prestação jurisdicional e de fiscalização da cabal aplicação desses instrumentos, dos quais são exemplos:

-Previsão de prioridade na tramitação de processos ratione personae, como na hipótese de qualquer das partes ter idade igual ou superior a 60 anos (Estatuto do Idoso) ou igual ou inferior a 18 anos (Estatuto da Criança e do Adolescente);

-Previsões de prioridade de julgamento previstas nos regimentos internos dos Tribunais;

-Imposição de sanção pecuniária ao litigante de má-fé nas hipóteses de entrave ao andamento regular do processo nos seguintes casos: (i) oposição de resistência injustificada (CPC: art. 17, IV); (ii) comportamento temerário em qualquer incidente ou ato processual (art. 17, V); (iii) apresentação de incidentes infundados e (iv) interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório (art. 17, V);

-Imposição de multa à parte que pratica ato atentatório contra a dignidade da Justiça (CPC: artigos 600 e 601).

-Sujeição da atividade jurisdicional aos princípios da continuidade e da eficiência dos serviços públicos;

-Responsabilização civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional.

Com a verificação de que quaisquer dessas ou outras garantias voltadas à efetividade da jurisdição não foram asseguradas ou com a constatação de que, por outras razões, houve demora excepcional e injustificada no andamento do processo, restará configurada injusta violação de direito líquido e certo, abrindo caminho para correção da lesão pela via do mandado de segurança, desde que previamente esgotados, com esse objetivo, todos os recursos previstos no ordenamento (destacando-se que a palavra recursos aparece, aqui, em sentido lato).

Evidentemente, questões surgirão a respeito do cabimento do mandado de segurança para efetivação do direito à razoável duração do processo.

Primeiramente, nota-se que, na espécie, a lesão ao referido direito fundamental repousa em um non facere, isto é, na omissão do Judiciário em assegurar o julgamento em tempo razoável. E a segurança, se concedida, deverá sê-lo para determinar ao órgão julgador a adoção das medidas necessárias ao prosseguimento do processo ou à realização do julgamento, quando em termos para tanto.

Em hipóteses semelhantes, em que a violação ao direito consiste num ato omissivo, já se reconhece a viabilidade da ação constitucional, como salienta EDEMIR NETTO DE ARAÚJO [29]:

"(...) a omissão da autoridade na prática de atos, despachos ou decisões sem prazo, a que tem direito o administrado, não pode eternizar-se, impondo-se a concessão da segurança quando essa omissão ultrapassar níveis razoáveis, fixados através de construção jurisprudencial, à ausência de norma legal específica."

Também a jurisprudência reconhece tal possibilidade, assentando ainda que, neste caso (de omissão), "o prazo decadencial não flui, podendo a segurança ser impetrada a qualquer tempo para fazer cessar a omissão" (STJ – 2ª Turma – RMS nº 2.58-1/RJ, Relator Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, Diário da Justiça, Seção I, 25 de novembro de 1996, p. 46.171).

Outra relevante questão, como já dito, refere-se à necessidade de esgotamento prévio de todas as vias previstas no ordenamento para assegurar o exercício do direito em exame, tais como os recursos processuais e as reclamações cabíveis ao CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, órgão ao qual compete, nos termos do artigo 103-B, § 4º, da Constituição:

"(...) o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes",

com destaque para os poderes que lhe foram conferidos nos sete (7) incisos deste quarto parágrafo, como o de receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário (inciso III) ou o de elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidades da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário (inciso VII).

Dessa forma, somente em casos excepcionais, em que tais vias tenham possivelmente falhado, é que o interessado poderá se valer do mandamus.

Por fim, poder-se-á argumentar-se que o direito à razoável duração do processo não se reveste dos atributos de liquidez e certeza necessários ao cabimento do mandado de segurança, pois seus contornos e sua extensão não estariam perfeitamente delimitados pela lei.

Afasta-se esse argumento com base em duas razões.

A primeira delas tem por fundamento a advertência de HELY LOPES MEIRELLES [30] no sentido de que o conceito de líquido e certo – que o legislador atribuiu erroneamente ao direito – deve ser empregado aos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito.

Vale dizer: não é o direito que deve ser líquido e certo (este sempre o é !), mas sim os fatos e situações que ensejam sua violação. Eles é que deverão ser comprovados de plano na petição inicial do remédio de urgência. Também a esse propósito, J.M. OTHON SIDOU endossa tal crítica, sugerindo que melhor seria se o constituinte houvesse utilizado a expressão: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger os direitos fundamentais não assegurados pelo ‘habeas corpus’, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder". [31]

A segunda razão é que a eventual complexidade dos fatos e a dificuldade de interpretação do texto (legal ou constitucional) que contenha o direito a ser reconhecido não constituem óbice ao cabimento do mandamus, pois se admite na Jurisprudência que: "As questões de direito, por mais intrincadas e difíceis, podem ser resolvidas em mandado de segurança" (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in RT 254/104).

Com efeito, mesmo no procedimento célere dessa medida constitucional de urgência, haverá espaço para a interpretação, desde que os fatos sejam comprovados de plano.

São essas, ao que nos parece, as principais questões que poderão surgir a tal respeito, sem prejuízo de outras, que se espera sejam enfrentadas pela Jurisprudência com os olhos voltados à efetividade da garantia constitucional abordada.

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Sobre o autor
Frederico Liserre Barruffini

Bacharel em Direito pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Civil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Autor de artigos nas áreas de Direito Civil, Direito de Família e Direito Processual Civil. Advogado em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRUFFINI, Frederico Liserre. Possibilidade de efetivação do direito à razoável duração do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1893, 6 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11685. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Trabalho republicado com acréscimos. Originalmente publicado na Revista de Processo (Repro), São Paulo, RT, 139, ano 31 p. 265-279, set. 2006 (publicação oficial do Instituto Brasileiro de Direito Processual).

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