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Possibilidade de efetivação do direito à razoável duração do processo

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06/09/2008 às 00:00
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4.Conclusão

Em síntese, pretendemos demonstrar neste breve trabalho a possibilidade de efetivação da norma constitucional que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, o direito fundamental à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, LXXVIII).

Sustentamos que o reconhecimento de eficácia meramente contida à sobredita norma constitucional constitui posição contrária ao que defende a moderna doutrina do Direito Constitucional e que, a depender das leis, cuja aprovação leva em conta critérios políticos determinantes de maiorias parlamentares, estaremos condenados a um indefinido estado de letargia.

Por essas razões, ponderamos que se lhe deve reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata, a ser assegurada a todos aqueles que se valem do instrumental do processo.

Nesse sentido, caberá ao intérprete a realização de duas principais tarefas. A primeira delas situa-se na fixação de diretrizes que orientem o julgador quando da definição, caso a caso, do conceito de razoável duração do processo, mister que competirá especialmente aos advogados e aos Tribunais, em seu trabalho diário de construção e aperfeiçoamento do Direito. A segunda reside na identificação dos instrumentos legais voltados à consagração da celeridade processual e fiscalização de sua cabal observância.

Por fim, obtemperamos que a não observância dessas garantias – que deverá, obviamente, ser apurada com a devida parcimônia – ensejará a violação de direito líquido e certo, cujo regular exercício poderá ser assegurado pela via do mandado de segurança.

Com isso, espera-se ter fomentado a discussão do tema, que ainda se mostra incipiente diante das inovações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45/04.


5.Nota de atualização

Desde a primitiva elaboração desde trabalho, até o presente momento, correu tempo suficiente para que significativas modificações legislativas ocorressem e para que a jurisprudência dos Tribunais, notadamente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, enveredassem na interpretação do direito fundamental à razoável duração do processo (art. 5º, LVIII, da Constituição Federal).

Em matéria de inovação legislativa, devem ser mencionadas as seguintes leis, todas direta ou indiretamente ligadas à preocupação com a razoável duração do processo: (i) Lei nº 11.418/2006 (repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário); (ii) Lei nº 11.672/2008 (procedimentos relativos ao julgamento de recursos especiais repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça) (iii) Lei nº 11.689 (novo procedimento do Júri); (iv) Lei 11.719 (novo procedimento no processo penal).

Quanto à evolução jurisprudencial, é preciso reconhecer que o Supremo Tribunal Federal, em sua atual composição, pródiga na incorporação de modernas teorias jurídicas, em geral ligadas ao chamado pós-positivismo, vivencia uma "nova era" do Judiciário brasileiro, de vertiginosa ascensão (como tem dito Luís Roberto Barroso), sendo chamado cada vez mais à solução de questões mais complexas e de significativa repercussão prática, como os casos das células-tronco, do aborto do feto anencéfalo, da contribuição dos inativos à previdência, de terras indígenas, afora as questões relacionadas às grandes operações realizadas pela Polícia Federal para o desmantelamento de organizações criminosas sofisticadas. Essa "nova era" também tem sido marcada pela destacada preocupação da mais alta Corte do país com a celeridade da prestação jurisdicional e, entre as medidas que o confirmam, estão: (i) o já considerável número de enunciados que integram a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, atualmente em número de 13 (agosto de 2008); (ii) a regulamentação do instituto da repercussão geral e seus efeitos práticos já captados pela estatística do Tribunal (Regimento interno do Supremo Tribunal Federal, artigos nºs 322-A e 328, com a redação da Emenda Regimental nº 21/07, artigo nº 328-A, com a redação da Emenda Regimental nº 23/08 e artigo nº 13, com a redação da Emenda Regimental nº 24/08).

Some-se a isso a incontestável atribuição de caráter normativo ao direito à razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal), como direito fundamental de eficácia plena e aplicabilidade imediata, independente de qualquer regulamentação infraconstitucional para ganhar efetividade, como defendemos originalmente. E também como defendemos na primitiva publicação deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal tem decidido, caso a caso, possíveis violações à razoável duração do processo, como se nota nos seguintes julgados:

"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. CONVERSÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PEDIDO DE PARCELAMENTO.

1. A despeito da falta de informação a respeito do julgamento do habeas corpus no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a hipótese comporta certa relativização do enunciado nº 691, do Superior Tribunal de Justiça, notadamente em razão da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII), bem como de circunstâncias relacionadas ao caso concreto, a impor a suspensão, ao menos provisória, dos efeitos da decisão do magistrado que converteu as prestações pecuniárias em penas privativas de liberdade.

2. A razoável duração do processo, especialmente no segmento do habeas corpus, foi alçado à garantia fundamental no Direito brasileiro, não se revelando admissível que matéria não tão complexa demore mais de dois anos sem merecer solução adequada pelo Superior Tribunal de Justiça." (HC 92476 / SP - SÃO PAULO, HABEAS CORPUS Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Julgamento:  24/06/2008           Órgão Julgador:  Segunda Turma)

"AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decretação em sentença de pronúncia. Excesso de prazo. Caracterização. Custódia que perdura por mais de quatro (4) anos e quatro (4) meses. Instrução processual ainda não encerrada. Demora não imputável à defesa. Dilação não razoável. Constrangimento ilegal caracterizado. HC concedido. Aplicação do art. 5º, LXXVIII, da CF. Precedentes. A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar do réu, sem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal, consubstancia constrangimento ilegal, ainda que se trate da imputação de crime grave." (HC 87676 / ES - ESPÍRITO SANTO, HABEAS CORPUS, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO Julgamento:  06/05/2008, Órgão Julgador:  Segunda Turma)

"HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. PRISÃO PREVENTIVA. CONCESSÃO DA ORDEM, NO STJ, REVOGANDO, AB INITIO, A AÇÃO PENAL POR INOBSERVÂNCIA DO RITO DA LEI N. 10.409/02. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, CONSIDERADO O FLAGRANTE POR CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES (LEI N. 11.343/06). EXCESSO DE PRAZO. JULGAMENTO EM PRAZO RAZOÁVEL (CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, ART. 5, INC. LXXVIII). CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

1. Paciente preso em flagrante e condenado pelos crimes tipificados nos artigos 12 e 14 da Lei n. 6.368/76 e 14 e 16 da Lei n. 10.826/03.

2. Anulação, ab initio, da ação penal pelo Superior Tribunal de Justiça, por inobservância do contraditório prévio determinado no artigo 38 da Lei n. 10.409/02, sem expedição de alvará de soltura.

3. Prisão cautelar que perdura desde o dia 5 de fevereiro de 2004. Ausência de previsão quanto à renovação dos atos processuais, em cumprimento à decisão do Superior Tribunal de Justiça. Situação configuradora de constrangimento ilegal, pouco importando tratar-se de paciente preso em flagrante por delito de tráfico de entorpecentes.

4. A Constituição do Brasil determina em seu artigo 5º, inciso LXXVIII que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

5. No caso dos autos, não é razoável, ainda que a título cautelar, o cumprimento antecipado de quatro anos de eventual pena, especialmente quando sequer há previsão do término da instrução criminal. Ordem concedida. (HC 93116 / SP - SÃO PAULO, HABEAS CORPUS, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Julgamento:  08/04/2008, Órgão Julgador:  Segunda Turma)

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Finalmente, no Superior Tribunal de Justiça não tem sido diferente. Além da edição da Resolução n. 8 (em vigor desde 08/08/08), que define procedimentos para a aplicação da Lei n. 11.672/2008 (julgamentos de recursos repetitivos no âmbito do STJ), reiterados julgados vêm reconhecendo efetividade ao direito à razoável duração do processo em feitos de natureza civil, penal e administrativa:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. PACIENTES PRESOS EM FLAGRANTE EM 10.10.07. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL DECORRENTE DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. DECRETO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI. EXCESSO DE PRAZO. INEXISTÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

(...) 4. A concessão de Habeas Corpus em razão da configuração de excesso de prazo é medida de todo excepcional, somente admitida nos casos em que a dilação (1) seja decorrência exclusiva de diligências suscitadas pela acusação; (2) resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5o., LXXVIII da Constituição Federal; ou (3) implique em ofensa ao princípio da razoabilidade. (...)"

(HC 98.448/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 24.06.2008, DJe 18.08.2008)

"Processo civil. Reconvenção. Julgamento de improcedência do pedido formulado na ação principal, e de procedência do pedido formulado na reconvenção. Pretensão, da parte derrotada, de anulação de todo o processo, com fundamento na circunstância de não ter sido atribuído valor da causa à reconvenção. Hipótese em que não foi dada, ao reconvinte, a oportunidade para saneamento do vício. Impossibilidade de anulação de todo o processado, que afrontaria ao princípio da instrumentalidade. Recurso não conhecido.

- Nos termos da jurisprudência da Terceira Turma deste Tribunal, a ausência de valor à causa ''não macula a petição inicial a ponto de provocar o indeferimento, à medida que a jurisprudência já assentou que em tais casos o valor é o mesmo da ação principal.

- Ademais, seria atentar contra o princípio da instrumentalidade e da razoável duração do processo anular todo o procedimento que já se desenvolveu por diversos anos, com dispêndio de recursos públicos e de material humano, meramente por apego a uma formalidade, notadamente na hipótese em que não se possibilitou, ao autor reconvinte, que emendasse sua petição inicial, na origem. Recurso especial não conhecido."

(REsp 761.262/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.04.2008, DJe 30.04.2008)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. RÉUS CUSTODIADOS HÁ MAIS DE DOIS ANOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. DEMORA INJUSTIFICADA. PRECEDENTES. PACIENTE FORAGIDO. ÉDITO CONSTRITIVO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR.

1. Na hipótese, os Réus, com exceção do Paciente José Gleibson Dias, foram presos preventivamente no dia 23 de janeiro de 2006, situação essa que perdura até o presente momento.

2. A instrução criminal ainda não foi encerrada, encontra-se com audiência de inquirição de testemunha de acusação marcada, somente, para o dia 23/07/2008. Como não existem justificativas suficientes para amparar a morosidade do feito, bem como não se vislumbra nos autos qualquer informação que pudesse atribuir exclusivamente à defesa o motivo do atraso, afigura-se flagrante o constrangimento ilegal contra os Pacientes, diante da violação ao princípio da tempestividade do processo ou da razoabilidade dos prazos processuais.

3. A Emenda Constitucional n.º 45/2004 inseriu o princípio da razoável duração do processo dentro das garantias fundamentais asseguradas a cada indivíduo, insculpido no no art. 5.º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.

4. Noticiado nos autos que a ordem de prisão sequer foi consumada, em razão de o Paciente José Gleibson Dias encontrar-se foragido, fato que motivou, inclusive, a suspensão do processo nos termos do art. 366, do Código de Processo Penal, para que não prejudicasse o andamento da instrução processual em relação aos outros Acusados, reforça-se a necessidade da cautela determinada pelo Juízo condutor da instrução criminal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

5. Ordem concedida para relaxar, em razão do excesso de prazo na formação da culpa, a prisão cautelar dos Pacientes Wilson Tenório Soares e Alexandre Sebastião da Silva, salvo se por outro motivo não estiverem presos. E denegada a ordem quanto ao Paciente José Gleibson Dias." (HC 94.774/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17.04.2008, DJe 12.05.2008)

"MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE ANISTIA INDEFERIDO. RECURSO. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

1. A dilação probatória é estranha ao âmbito de cabimento do mandado de segurança.

2. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo.

3. A despeito do grande número de pedidos feitos ao Ministro da Justiça e dos membros da Comissão de Anistia, seu órgão de assessoramento, serem pro bono, aqueles que se consideram atingidos no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, não podem ficar aguardando, indefinidamente, a apreciação do seu pedido, sem expectativa de solução num prazo razoável.

4. Ordem parcialmente concedida. (MS 12.847/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28.03.2008, DJe 05.08.2008)"

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Sobre o autor
Frederico Liserre Barruffini

Bacharel em Direito pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Civil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Autor de artigos nas áreas de Direito Civil, Direito de Família e Direito Processual Civil. Advogado em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRUFFINI, Frederico Liserre. Possibilidade de efetivação do direito à razoável duração do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1893, 6 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11685. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho republicado com acréscimos. Originalmente publicado na Revista de Processo (Repro), São Paulo, RT, 139, ano 31 p. 265-279, set. 2006 (publicação oficial do Instituto Brasileiro de Direito Processual).

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