Artigo Destaque dos editores

A reforma processual penal de 2008 e a ordem de inquirição das testemunhas após a novel redação do art. 212 do CPP

Exibindo página 2 de 6
Leia nesta página:

III. Do sistema de nulidades do CPP brasileiro, ainda em vigor, e a impossibilidade de declaração de nulidade sem a comprovação de prejuízo – princípio do pas de nullité sans grief

Importante pontuar, não obstante eventuais alegações em contrário, que mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988 e até a presente data o Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941 (código de processo penal brasileiro) continua em plena vigência e produzindo todos os efeitos legais dentro do ordenamento jurídico-penal brasileiro, tendo sido devidamente recepcionado pela Constituição Cidadã em todos os artigos cuja aplicabilidade não foi afastada pelo Excelso Pretório nesses quase 20 (vinte) anos de vigência da Carta Política.

Desse modo, analisando a possibilidade de interposição de eventual recurso contra ato de Juiz que, corretamente, inicie a coleta da prova testemunhal, imediatamente surge o seguinte questionamento: qual seria o prejuízo sofrido pelo MP, pela Defesa ou mesmo pelo acusado em razão de o Estado-Juiz, presidente do ato e destinatário imparcial das provas colhidas, ter iniciado as indagações às vítimas e testemunhas?

Esclareça-se: vítimas e testemunhas essas arroladas pelo órgão ministerial e/ou pela Defesa, trazidas para o bojo de uma ação penal onde a única missão do Juiz é a tentativa de descoberta da verdade real (ou verdade materialmente possível dentro das limitações do processo), por intermédio das provas (testemunhais, no caso) que lhe foram indicadas pelas próprias partes, limitando-se o Juiz, ainda, e com suas perguntas, a uma tentativa de encadear e registrar logicamente os fatos relevantes que tais testemunhas possam saber.

Repise-se que o fato de o Juiz iniciar a oitiva das testemunhas arroladas e indicadas exclusivamente pelas partes, além de ser a determinação sistêmica do próprio CPP, em nada viola o sistema acusatório e, muito menos, traz qualquer prejuízo às partes.

Note-se que no direito processual civil – onde a matéria submetida ao crivo jurisdicional geralmente é afeta ao rol dos direitos disponíveis dos cidadãos – os Juízes sempre iniciam a coleta dos depoimentos pessoais das partes e das testemunhas arroladas sendo que nunca houve qualquer tipo de questionamento acerca de eventual prejuízo às partes em razão do Órgão Judicial iniciar essa coleta ou mesmo que o ativismo jurisdicional comprometeria, de alguma forma, a imparcialidade do julgador.

O argumento utilizado pelos defensores de entendimento diverso é o de que as mudanças introduzidas pela nova Lei estariam assegurando um sistema garantista; a imparcialidade do magistrado e a própria efetividade do sistema acusatório puro, já previsto e determinado pela Constituição Federal de 1988 (art. 129, inciso I), mas ainda não devidamente praticado no ordenamento jurídico-penal brasileiro.

Surgem, então, alguns questionamentos.

Considerando a afirmação de que a Carta Magna Republicana, já desde 1988, teria introduzido o sistema acusatório puro no Brasil; considerando a alegação de que quando o Juiz inicia a inquirição de testemunhas estaria violando referido sistema acusatório; considerando, ainda, que a norma do art. 212 recém reformado – para a corrente que defende opinião contrária – não passaria de mera afirmação do sistema já introduzido pela Carta Política no art. 129, inciso I de seu texto, então todos os processos criminais julgados desde o advento da Constituição de 1988 até a presente data também estariam eivados de nulidades insanáveis, em virtude da imensa maioria dos Juízes Brasileiros (senão todos!) terem, supostamente, violado o sistema previsto pela Constituição Federal?

Haveria, então, a necessidade de se anular todos os processos criminais já julgados desde o dia 05 de outubro de 1988, até a presente data, para que se pudessem repetir todos os atos processuais viciados?

Ora, se fosse procedente a alegação de que o sistema acusatório puro foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1988 e se também fosse procedente a alegação de que quando o Juiz – imparcialmente – formula perguntas às testemunhas indicadas pelas partes isso, ipso facto, violaria o princípio acusatório e geraria nulidade insanável, então também teria de ser procedente a alegação de que todas as ações penais processadas e julgadas desde o advento da Constituição Republicana de 1988 – onde tenha havido oitiva de testemunhas – são nulas na origem e devem se repetir todos os atos processuais viciados, inclusive gerando para o Estado o dever de indenizar todos aqueles sentenciados que foram indevidamente processados, tiveram o trânsito em julgado de suas sentenças certificado e cumpriram integralmente suas penas!

Não nos parece que essa seja uma interpretação razoável.

Primeiramente, e não obstante o profundo respeito deste autor por todos aqueles que defendam eventuais posicionamentos em contrário, tenho que – além de não haver, efetivamente, nenhuma ofensa ao sistema acusatório quando o Juiz-Imparcial é o primeiro a colher o depoimento das testemunhas arroladas pela partes – o art. 212 do CPP e seu parágrafo único não determina que as perguntas sejam iniciadas pelo Ministério Público, não reserva ao Juiz o papel de mero espectador e, muito menos, também não relega a atividade judicial a uma atividade meramente supletiva.

Como é cediço, os códigos de processo têm como destinatários principais os Órgãos do Poder Judiciário.

Ou seja, as normas processuais, em sua grande maioria, são confeccionadas com vistas a orientar a atuação jurisdicional bem como esclarecer como deve ser o impulso oficial ao qual os processos estão subordinados.

Dessa forma, não é raro as normas processuais – quando endereçam seus comandos aos Órgãos do Poder Judiciário – omitirem a menção expressa à autoridade judiciária, não obstante estarem a ela endereçadas.

E assim ocorreu, por exemplo, com o reformado art. 212 do CPP, o qual, mesmo antes da vigência da atual Constituição, não dizia que o Juiz era o primeiro a formular as indagações às partes e, mesmo assim, os Juízes, como destinatários das provas, sempre iniciaram a coleta das provas.

De outro modo, também não é incomum que as leis processuais indiquem, expressamente, qual dos sujeitos processuais deve fazer o quê e em que ordem.

Assim é que, no próprio sistema desta micro-reforma do CPP, o art. 473 (alterado pela Lei Federal n. 11.689/2008), determina que prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o Juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação.

Como imaginar que, dentro de um mesmo sistema processual co-exista uma norma que – em sede de julgamento plenário pelo Tribunal do Júri, onde o destinatário da prova é o Conselho de Sentença e, não, o magistrado – determine que o Juiz-Presidente inicie a tomada de declarações das pessoas que devem ser ouvidas e, dentro do mesmo sistema, determine que outro sujeito processual – nos feitos submetidos ao julgamento pelo Juiz singular – inicie as perguntas impedindo que a autoridade judiciária busque a verdade material no momento processual que achar mais adequado?

Da mesma forma, o art. 201, caput, do CPP (alterado pela Lei Federal n. 11.690/2008) determina que sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

Tendo em vista que o Código não diz, expressamente, qual sujeito processual deverá qualificar, perguntar sobre as circunstâncias da infração e tomar por termo suas declarações, quem deverá fazê-lo?

Será o Juiz.

E o fará primeiramente, passando a palavra ao Órgão da acusação e, posteriormente, à Defesa.

Note-se que a novel redação do art. 201 e seguintes do CPP não diz, em nenhum momento, que após a coleta das declarações do ofendido o Juiz deve dar a palavra às partes para que também formulem suas perguntas.

E não diz justamente porque é lugar comum entre os operadores do direito que deve haver o exercício do contraditório relativamente a qualquer prova produzida nos autos, bem como se deve possibilitar aos réus em ação penal a mais ampla defesa possível.

Do mesmo modo ocorre com a nova redação do art. 212 do CPP.

O artigo 212 – nem na antiga nem na nova redação – nunca disse que o Juiz seria o primeiro a formular suas perguntas às testemunhas.

Entretanto, o Juiz sempre iniciou a coleta dos depoimentos.

Isso em razão de sua imparcial e desinteressada atividade de tentativa de descoberta da chamada verdade real, ou mesmo em razão do próprio mandamento legal, que ainda hoje determina que é o Juiz quem deve redigir e reduzir a termo o depoimento prestado pelas testemunhas (artigos 215 e 216 do CPP), o que só poderá ocorrer de forma minimamente lógica e encadeada se for o próprio Juiz quem iniciar a coleta.

Se assim não fosse, e se de fato a lei – em algum momento futuro da história processual penal brasileira [09] – determinar que a acusação inicie a coleta do depoimento a ser prestado pela testemunha, o qual deverá ser redigido pelo Juiz (art. 215), mediante redução a termo (art. 216) que, no Distrito Federal é feito por intermédio de ditado direto do magistrado para o secretário de audiência, certamente haveria inúmeras dificuldades operacionais para a concretização de tal mudança, dificuldades essas que certamente seriam superadas com o esforço do labor dos magistrados brasileiros, mas que, dificilmente, espelharia a tradição jurídica de nossa sociedade e, muito menos, o real desejo de nossa população – a qual sempre depositou no Juiz a certeza de que seria um indivíduo encarregado da descoberta da verdade real e da administração da Justiça com eqüidade, imparcialidade e destemor, o que, a toda evidência, só é possível quando se conferem ao magistrado os poderes necessários para perscrutar a realidade.

Da mesma forma, verifico não proceder a alegação de que a presente interpretação ensejaria prejuízo à acusação ou à defesa e que o ato praticado seria nulo, acarretando a necessidade de sua repetição.

Bem sabemos que no direito processual penal nenhum ato será declarado nulo se o prejuízo não for demonstrado.

De acordo com o professor Fernando da Costa Tourinho Filho, "nulo é o ato imperfeito, defeituoso, atípico, a que se aplicou a sanção de ineficácia" [10].

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Mais adiante, e sobre o princípio do pas de nullité sans grief, leciona o respeitado mestre:

"Em matéria de nulidade, e para simplificar o rigorismo formal, foi adotado o princípio do "pas de nullité sans grief". Não há nulidade sem prejuízo. Para que o ato seja declarado nulo é preciso haja, entre a sua imperfeição e o prejuízo às partes, um nexo efetivo e concreto. Se, a despeito de imperfeito, o ato atingiu o seu fim, sem acarretar-lhes prejuízo, não há cuidar-se de nulidade. A não ser que se trate de "nulidade absoluta", cujo prejuízo é presumido. O prejuízo, aqui, evidentemente, é "juris et de jure"... inadmitindo prova em contrário". [11]

Guilherme de Souza Nucci, também escreve sobre os princípios que regem as nulidades. Senão vejamos:

"Registremos que a forma prevista em lei para a concretização de um ato processual não é um fim em si mesmo, motivo pelo qual se a finalidade para a qual se pratica o ato foi atingida, inexiste razão para anular o que foi produzido. Logicamente, tal princípio deve ser aplicado com maior eficiência e amplitude no tocante às nulidades absolutas, é presumido pela lei, não se admitindo prova em contrário". [12]

Dessa forma, considerando que a lei em nenhum momento determinou a alteração do rito procedimental no que pertine à ordem das inquirições, bem como que não há nenhum prejuízo efetivo – nem para a Defesa nem para a Acusação – não há falar-se em anulação de nenhum ato judicial sem que haja efetiva demonstração de prejuízo.

Neste particular, a exposição de motivos do Código de Processo Penal ainda em vigor, também deixa bastante claro que a intenção do sistema brasileiro como um todo é a sanabilidade dos atos. Vejamos excertos da exposição de motivos:

"Item XVII – AS NULIDADES – Como já foi dito de início, o projeto é infenso ao excessivo rigorismo formal, que dá ensejo, atualmente, à infindável série das nulidades processuais. Segundo a justa advertência de ilustre processualista italiano, "um bom direito processual penal deve limitar as sanções de nulidade àquele estrito "mínimo" que não pode ser abstraído sem lesar legítimos e graves interesses do Estado e dos cidadãos".

O projeto não deixa respiradouro para o frívolo "curialismo", que se compraz em espiolhar nulidades. É consagrado o princípio geral de que nenhuma nulidade ocorre se não há prejuízo para a acusação ou a defesa.

Não será declarada a nulidade de nenhum ato processual, quando este não haja influído concretamente na decisão da causa ou na apuração da verdade substancial. Somente em casos excepcionais é declarada insanável a nulidade.

Fora desses casos, ninguém pode invocar direito à irredutível à subsistência da nulidade.

(...)

Se a parte interessada não argúi a irregularidade ou com esta implicitamente se conforma, aceitando-lhe os efeitos, nada mais natural que se entenda haver renunciado ao direito de argüi-la. Se toda formalidade processual visa um determinado fim, e este fim é alcançado, apesar de sua irregularidade, evidentemente carece esta de importância. Decidir de outro modo será incidir no despropósito de considerar-se a formalidade um fim em si mesma.

É igualmente firmado o princípio de que não pode argüir a nulidade quem lhe tenha dado causa ou não tenha interesse na sua declaração. Não se compreende que alguém provoque a irregularidade e seja admitido em seguida, a especular com ela; nem tampouco que, no silêncio da parte prejudicada, se permita à outra parte investir-se no direito de pleitear a nulidade."

Reafirmando a idéia de que o atual Código de Processo Penal foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, bem como todos os seus princípios – em especial no que pertine ao sistema de nulidades – encontram-se as recentíssimas decisões do Excelso Pretório (STF) [13] e do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), as quais afirmam que eventuais nulidades só podem ser declaradas se o efetivo prejuízo for demonstrado:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE ABSOLUTA. PROCEDIMENTO DO JÚRI. FALTA DE COMPARECIMENTO DE TESTEMUNHA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DOSIMETRIA DA PENA. CONTINUIDADE ESPECÍFICA. TENTATIVAS DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Duas são as questões de direito tratadas neste habeas corpus: a) pretensa nulidade absoluta no julgamento do paciente pelo tribunal do júri em razão do não-comparecimento de duas testemunhas; b) alegado equívoco na dosimetria da pena imposta ao paciente devido à continuidade delitiva. 2. No Direito brasileiro, a falta de qualquer das testemunhas não será motivo para o adiamento da sessão do tribunal do júri, salvo se alguma das partes houver requerido sua intimação, declarando expressamente não prescindir do depoimento, com indicação de seu paradeiro para intimação (CPP, art. 455, caput). 3. Com o advento da Lei n° 11.689, de 09 de junho de 2008 (que ainda não está em vigor, devido ao prazo de vacatio legis), há clara indicação do desestímulo quanto à não-realização da sessão de julgamento pelo tribunal do júri. Assim, o julgamento não será adiado em razão do não comparecimento do acusado solto, do assistente de acusação ou do advogado do querelante que fora regularmente intimado (nova redação do art. 457, do CPP). A respeito do não comparecimento de testemunha, o art. 461, do CPP (na nova redação dada pela referida Lei n° 11.689/08), reproduz substancialmente o tratamento atual. 4. Não houve o apontado vício na sessão de julgamento, tanto assim é que constou da própria ata de julgamento o requerimento feito pela defesa no sentido da substituição de testemunha, o que foi indeferido. 5. O Direito Processual Penal, na contemporaneidade, não pode mais se basear em fórmulas arcaicas, despidas de efetividade e distantes da realidade subjacente, o que é revelado pelo recente movimento de reforma do Código de Processo Penal com a edição das Leis n°s. 11.689 e 11.690, ambas de 09 de junho de 2008, inclusive com várias alterações no âmbito do procedimento do tribunal do júri. 6. O regime das nulidades processuais no Direito Processual Penal é regido por determinados princípios, entre os quais aquele representado pelo brocardo pas de nullité sans grief. A impetrante não indica, concretamente, qual teria sido o prejuízo sofrido pelo paciente. (...). 9. Habeas corpus denegado. (STFHC92819 / RJ, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Julgamento: 24/06/2008, Segunda Turma, public. 15-08-2008 – Grifei)

HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. (ART. 214 C/C ART. 224, AMBOS DO CPB). AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO DA PAUTA DE JULGAMENTO DOS RECURSOS DE APELAÇÃO. NULIDADE AFASTADA EM RAZÃO DO LAPSO TEMPORAL JÁ DECORRIDO E DA AUSÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER PREJUÍZO À DEFESA. PRECEDENTE. ORDEM DENEGADA.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, constitui prerrogativa da Defensoria Pública, ou de quem lhe faça as vezes, a intimação pessoal para todos os atos do processo, sob pena de nulidade absoluta por cerceamento de defesa, a teor dos arts. 5o., § 5o. da Lei 1.060/50 (acrescido pela Lei 7.871/89), 370, § 4o. do CPP e 128 da LC 80/94. 2. Contudo, a hipótese em comento apresenta particularidade apta a afastar tal orientação, porquanto o julgamento das Apelações manejadas pela acusação e pela defesa ocorreu em 24 de fevereiro de 2005, portanto, há mais de três anos. Outrossim, o mandado de prisão foi cumprido em 27 de setembro de 2007 (fls. 214), não tendo sido suscitada pela Defensoria Pública qualquer alegação de prejuízo, não sendo razoável acolher-se, somente nesse momento processual, a pretensão ora deduzida por meio de advogado regularmente constituído, sem que se vislumbre a existência de real prejuízo à defesa, consoante bem asseverado no parecer do MPF. 3. O Direito Processual Brasileiro é informado, no que toca às nulidades, pelo princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não se declara nulidade sem a efetiva demonstração de prejuízo para a parte que a alega, o que, deveras, não ocorreu na espécie. 4. Ordem denegada, em conformidade com a manifestação do Ministério Público Federal. (STJ – HC 97533 / MG, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 19/06/2008, Data da Publicação/Fonte: DJe 04.08.2008 – Grifei)

Assim, além da nova redação do art. 212 não ter alterado a ordem das perguntas durante a audiência – devendo o Juiz continuar formulando, inicial e imparcialmente, seus questionamentos para, só após, passar a palavra ao Órgão de acusação e à Defesa que deverão inquirir diretamente a testemunha, sem a intermediação do Julgador – também não há falar-se em qualquer vício que autorize a interposição de recurso face à absoluta ausência de prejuízo concreto no sentido de que o Juiz, ao cumprir sua missão constitucional e legal de buscar a verdade materialmente possível dentro do processo, formulando suas perguntas dentro do sistema previsto no CPP teria de algum modo, causado qualquer tipo de dano às partes.

Fazendo uma sensata e aguda análise da árdua tarefa dos Juízes brasileiros, a eminente Ministra Ellen Gracie – durante o exercício da Presidência do Excelso Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, no dia em que o Poder Judiciário Brasileiro abriu mão do feriado do dia da Justiça, em 08 de dezembro de 2006, para realizar mutirões de conciliação em todos os Juizados Cíveis, Criminais, Trabalhistas e Federais do país – vaticinou com a serenidade que lhe é peculiar:

"Nós, magistrados, recebemos de segunda e terceira mão a realidade dos fatos; quem conhece as motivações explícitas e ocultas que estão por trás de cada processo judicial são as partes envolvidas. O que fazemos, com grande esforço, dedicação e seriedade, é uma tentativa de enxergar através desse nevoeiro e buscar a solução mais próxima da Justiça." [14]

Desta feita é que, data maxima venia aos entendimentos divergentes, não se nos afigura sequer imaginável a possibilidade de o Juiz "enxergar através do nevoeiro" dos fatos que lhes são trazidos pelas vítimas, testemunhas e demais provas carreadas aos autos, se não puder, responsável, consciente, imparcial, mas livremente e com independência, exercitar seus poderes instrutórios no curso da ação penal, poderes esses que – em primeira e única instância – servem, tão somente, para resguardar os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, tarefa atribuída ao Poder Judiciário desde a concepção Montesquiniana da tripartição de poderes.

Nunca é demais reforçar que a própria concepção ontológica do Juiz contemporâneo, entendido dentro de um Estado Democrático de Direito, faz com que sua atividade deva ser exercida de forma absolutamente imparcial e eqüidistante das partes, sendo certo que suas funções no mundo moderno jamais podem ser confundidas – como podem argüir os defensores do posicionamento contrário – com a atividade do Monarca-Julgador ou da Igreja-Inquisidora da idade das trevas.

Esse, aliás, é o próprio espírito do atual CPP, enumerado em sua exposição de motivos. Vejamos:

"Item XVIII – O ESPÍRITO DO CÓDIGO – Do que vem de ser ressaltado, e de vários outros critérios adotados pelo projeto, se evidencia que este se norteou no sentido de obter equilíbrio entre o interesse social e o da defesa individual, entre o direito do Estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e seguranças de sua liberdade. Se ele não transige com as sistemáticas restrições ao poder público, não o inspira, entretanto, o espírito de um incondicional autoritarismo do Estado ou de uma sistemática prevenção contra os direitos e garantias individuais."

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Pedro de Araújo Yung-Tay Neto

Juiz de Direito titular da 2ª Vara Criminal de Ceilândia (DF). Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YUNG-TAY NETO, Pedro Araújo. A reforma processual penal de 2008 e a ordem de inquirição das testemunhas após a novel redação do art. 212 do CPP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1902, 15 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11732. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos