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Da compatibilidade da GPL (General Public License) com a legislação brasileira

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A Lei nº 9.610/98, que dispõe acerca dos direitos autorais, na forma consagrada em seu art. 7º, XII, inclui os programas de computador na relação das criações tuteladas pela legislação autoral. Acontece que as peculiaridades que envolvem o desenvolvimento e a disseminação dos conteúdos digitais justificaram a edição de lei específica – Lei 9.609/98 (Lei do Software) –, justamente, para reger aspectos próprios pertinentes à proteção do titular de propriedade intelectual de programa de computador. Assim, de acordo com a previsão expressa do art. 2º da Lei nº 9.609/98 e em respeito ao princípio da especificidade, os direitos exercidos sobre programas de computador são disciplinados primordialmente pelos dispositivos da lei do software. Não se pode olvidar a aplicabilidade dos direitos e garantias da legislação dos direitos autorais para o titular do programa, desde que tais prerrogativas não conflitem com a legislação específica.

Pertinente, no início da exposição, a referência ao art. 9º da Lei 9.609/98, o qual estabelece o contrato de licença como instrumento de regramento do uso de programas de computador no Brasil. Para a regular disposição de prerrogativas acerca desta modalidade de criação do espírito humano, deve-se formalizar contrato de licença, através do qual são estabelecidas as regras entre o usuário e o titular dos direitos autorais. Destaque-se que o parágrafo único do referido dispositivo legal permite a substituição do instrumento de contrato por documento fiscal, na hipótese de aquisição comercial do programa.

Diante disso, propõe-se a análise sucinta, de acordo com a legislação nacional, dos principais dispositivos de uma das mais notórias licenças: a GPL – General Public License. Tal instrumento consiste em regras convencionais destinadas ao alastramento de free software em escala mundial. O movimento do software livre surgiu como oposição frontal ao modelo de software proprietário, cujos usuários não possuem acesso ao código fonte e são impedidos de redistribuir ou realizar modificações nas linhas de programação. A proposta do movimento do software livre, em contrapartida, consiste em permitir acesso ao código fonte, bem como a livre distribuição e ampla modificação do programa, de acordo com as necessidades do usuário. Desde já, ressalta-se que, no teor da GPL, não há qualquer vedação à comercialização do programa. Assim, software livre não se associa necessariamente à gratuidade.

Devido à sua origem norte-americana, o texto da GPL é disponibilizado em inglês, sendo que os criadores não permitem a tradução oficial para outras línguas, fato este que não impede a obtenção de versões não-oficiais em línguas diversas na Internet. Por isso, a linguagem representa o primeiro obstáculo na discussão acerca da adequação da referida licença à lei nacional, tendo em vista a exigência do art. 224 do Código Civil, que condiciona os efeitos de documentos redigidos em língua estrangeira à tradução para o português. Assim, em observância à legislação brasileira, ao distribuir ou modificar programas com base na ideologia própria do software livre, o interessado deve disponibilizar versão traduzida da licença. Deve-se esclarecer que não se exige a adesão aos termos da GPL para o caso de mera recepção e execução de softwares livres. A vinculação aos termos desta licença torna-se obrigatória em caso de distribuição e modificação do programa correspondente (Item 05 – GPL). Assim, o cuidado na disponibilização de versão da licença em português deve ser observado por quem deseja distribuir ou modificar códigos fontes, distribuídos com base na GPL.

A Teoria Geral dos Contratos, no Direito Privado, baseia-se na liberdade de forma, em face da previsão dos arts. 107 e 425 do Código Civil, os quais consagram, respectivamente, a regra da independência de forma especial para manifestação de vontade e a possibilidade de estipulação de contratos atípicos, desde que observadas as normas gerais do direito contratual. Acontece que, para as licenças relativas a programas de computador, a legislação específica estabelece regras cogentes, as quais, logicamente deverão ser observadas pelas pares contratantes.

Registra-se a previsão do art. 7º da Lei 9.609/98, o qual impõe, para as versões de programas que forem comercializadas, a indicação de prazo de validade técnica, em cujo lapso temporal aquele que as alienou restaria obrigado a prestar serviços técnicos, no sentido de assegurar o funcionamento do programa. Acontece que o item 11 da GPL assevera que não se oferece, em regra, qualquer garantia ao programa, sendo que o risco relativo à funcionalidade e desempenho do programa é assumido por cada usuário. Observa-se que o teor de tal dispositivo permite tratativa entre as partes envolvidas, no sentido de se vincularem a garantias expressas de qualidade. Diante do exposto, percebe-se que, nos casos de comercialização do software livre, em reverência ao art. 7º da Lei 9.609/98, ao comerciante deste produto não assistiria mera faculdade de acordar com o adquirente determinado prazo de validade técnica, posto que sua estipulação decorre de norma cogente. Já para as hipóteses de distribuição gratuita dos programas, com base na licença GPL, não se observa qualquer conflito com a legislação pátria, posto que esta somente vincula a garantia de funcionalidade, para a comercialização de programas de computador.

Quanto aos direitos sobre as modificações implementadas nos programas, deve-se anotar que tal processo de adaptação e mutabilidade representa a essência da ideologia na qual se fundamenta o software livre. A discussão ora proposta concentra-se nas regras impostas na GPL acerca dos direitos sobre tais modificações e sua compatibilidade com as leis pátrias pertinentes. A princípio, o idealizador de alterações em softwares livres não se vincula à divulgação destas modificações, mas, se decidir por fazê-lo, obrigatoriamente, há de seguir os termos da licença do GPL. O art. 5º da Lei 9.609/98 dispõe que os direitos sobre as derivações autorizadas pelo titular do programa pertencerão à pessoa autorizada que os fizer. Tal preceito, contudo, consagra uma regra dispositiva, posto que é ressalvado, no próprio texto legal, que as partes contratantes podem estabelecer condições diversas, por convenção contratual na licença. No caso do software livre, ao receber o código fonte, o usuário resta autorizado a realizar alterações e, em regra, deteria os direitos sobre as mesmas, mas, em perfeita consonância com o permissivo legal do art. 5º da Lei nº 9.609/98, impõe-se restrição aos direitos do agente da inovação, à medida que este deve, se optar pela distribuição do produto de seu engenho, disponibilizar o conteúdo com base na GPL.

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Assim, ciente da impossibilidade de esgotar o tema em estudo tão breve, pretende-se com o presente texto fomentar a discussão e o estudo da regulamentação do software livre, através de análise comparativa entre os dispositivos da GPL e as normas brasileiras aplicáveis à matéria.

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Sobre o autor
Marcos Antonio Cardoso de Souza

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí (1999). Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Assessor jurídico da ATI - Agência de Tecnologia da Informação do Estado do Piauí - e Sub-coordenador do Curso de Direito do Centro de Ensino Unificado de Teresina. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcos Antonio Cardoso. Da compatibilidade da GPL (General Public License) com a legislação brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1933, 16 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11844. Acesso em: 2 nov. 2024.

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