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A suspensão do CNPJ (cadastro nacional das pessoas jurídicas) por irregularidades na importação de bens

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Resumo:


  • A decretação da inaptidão do CNPJ de uma pessoa jurídica é inconstitucional e ilegal, pois é um ato abusivo que pretende regularizar uma medida mediante o risco de perda do CNPJ.

  • A suspensão preventiva do CNPJ da pessoa jurídica não observa a ampla defesa e o contraditório, ferindo princípios constitucionais.

  • A decretação da inaptidão do CNPJ baseada em uma Instrução Normativa hierarquicamente inferior ao Decreto que cria a exigência do CNPJ é ilegal e inconstitucional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O texto questiona o procedimento da Receita Federal, que tem decretado administrativamente a perda dos bens importados e a suspensão do CNPJ de empresas envolvidas em irregularidades de importação.

RESUMO: esse trabalho pretende questionar o procedimento da Receita Federal, que tem decretado administrativamente a perda dos bens importados e a suspensão do Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas de empresas envolvidas em irregularidades de importação.

PALAVRAS CHAVES: Importação – Perda de Bens – Suspensão de CNPJ – inconstitucionalidade – ilegalidade.

SUMÁRIO: Introdução; 2. Ilegalidade da declaração de inaptidão do CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - de uma empresa; 3. Falta de devido processo legal, ampla defesa e contraditório; 4. Natureza Jurídica da Instrução Normativa; 5. Os limites do poder de polícia; 6 Falta de motivação da decisão administrativa; 7. efeitos da decretação de inaptidão do CNPJ; 8. Impossibilidade do sócio ter nova pessoa jurídica; 9. Princípio da imunidade do mínimo existencial


Introdução

A Receita Federal, com base no Art. 45, da sua Instrução Normativa no. 478/07, instaura representação quando se depara com, em tese, irregularidade em operações de comércio exterior, amparada igualmente no art. 34, IV, da mesma Instrução.

Caso a representação seja acatada, determina a suspensão da inscrição do CNPJ da pessoa jurídica envolvida, bem como decreta a pena de perdimento das mercadorias importadas.

Ao nosso sentir, essa prática é irregular, abusiva, ilegal, senão inconstitucional.

Deste modo, iniciaremos o trabalho enfrentando a questão da declaração da inaptidão do CNPJ das pessoas jurídicas, argumentando tratar-se de ato inconstitucional, por ferir o devido processo legal, a motivação das decisões, e macular o princípio da preservação da empresa.

Após, trataremos da questão sobre os efeitos da inaptidão do CNPJ e da natureza jurídica da Instrução Normativa;

No item 5, o discurso pauta-se nos limites do poder de polícia.

Em seguida, enfrentaremos a polêmica da falta de motivação da decisão administrativa e dos efeitos da decretação de inaptidão do CNPJ.

Empós, reportaremos aos efeitos desta decretação de inaptidão em relação aos sócios.

E, nas considerações finais, focaremos nossos posicionamentos pessoais.

A pesquisa é amparada em referências bibliográficas doutrinárias e jurisprudenciais e se valeu do método dedutivo.


2. Ilegalidade da declaração de inaptidão do CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - de uma empresa

O art. 34, IV, da Instrução Normativa Receita Federal 478/07, prevê:

Art. 34. Será declarada inapta a inscrição no CNPJ de entidade:

..........

IV - que não efetue a comprovação da origem, da disponibilidade e da efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior, na forma prevista em lei;

Deste modo, quando um importador não conseguir demonstrar a origem dos bens importados, ou a disponibilidade e efetivo pagamento dos recursos empregados na importação, a Receita Federal poderá decretar a inaptidão da inscrição do CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - da empresa.

O Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas é uma criação legal, precisamente do Decreto 3000/99, cujo artigo 214, dispõe:

Art. 214. As pessoas jurídicas em geral, inclusive as empresas individuais, serão obrigatoriamente inscritas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ, observadas as normas aprovadas pelo Secretário da Receita Federal.

§ 1º A obrigatoriedade da inscrição de que trata o caput será exigida a partir de 1º de julho de 1998.

§ 2º Os cartões do Cadastro Geral de Contribuintes - CGC serão substituídos automaticamente a partir da data mencionada no parágrafo anterior, mantido, em relação à pessoa jurídica, o mesmo número de inscrição no CGC para o CNPJ.

§ 3º Fica extinto, a partir de 1º de julho de 1998, o CGC.

Esse Decreto é regulamentado pela Instrução Normativa RFB 748/97, que propõe:

Da Obrigatoriedade de Inscrição no CNPJ

Art. 10. As entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas por equiparação, estão obrigadas a inscreverem no CNPJ, antes de iniciarem suas atividades, todos os seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior.

Destarte, é obrigatória a inscrição ao CNPJ para toda e qualquer pessoa jurídica. Sem essa inscrição, a pessoa jurídica é irregular e impedida de exercer suas atividades. Ficará impossibilitada, dentre outras coisas, de emitir notas fiscais, promover os depósitos de FGTS dos seus funcionários, recolher o INSS dos seus empregados e sequer poderá dar baixa nos contratos trabalhistas. Neste passo, a inaptidão do CNPJ é tolher a pessoa jurídica do constitucional direito de trabalho. É, em outras palavras, inviabilizar a atividade empresarial, calcada na livre iniciativa.

Um dos princípios mais modernos do ordenamento jurídico, em especial do processo falimentar, é o da preservação da empresa. Isto porque a empresa é composta não somente de sócios para gerir seu ativo e passivo, mas também de empregados que servem para a mão-de-obra, dos fornecedores que produzem riquezas vendendo matéria-prima, serviços e outros tipos de implementos para o acontecimento do produto final; inclusive do fisco que se beneficia dos tributos que lhe serão recolhidos; dos consumidores que vão comercializar os produtos e serviços apresentados pela empresa; e vários outros.

Conforme explica Elaine Cristina de Oliveira:

Esse principio não veio para proteger ou "passar a mão na cabeça" de empresa alguma, e sim para resguardar os interesses de todos os envolvidos com aquela empresa. Pois vivemos em um clico vicioso no qual, se uma empresa deixa de prestar os serviços, toda a sociedade sofre com isso.

Neste propósito, a Nova Lei de Recuperação de Falências tenta evitar o desaparecimento das empresas. E o motivo de seu surgimento esta bem claro no seu artigo 47:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise economico-financeira do devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica.

O princípio da preservação traz a idéia de necessidade, pois a empresa gera empregos, tributos e, em geral, fomenta a economia, nos termos das lições de Fábio Ulhoa Coelho:

Muito já se escreveu acerca da importância da empresa no regime econômico de livre iniciativa, como é o caso do brasileiro. Tal é o papel que ela tem na economia, que o direito contemporâneo está desenvolvendo mecanismos de preservação da empresa, em face dos infortúnios que envolvem o empresário ou os sócios da sociedade empresária."

E, para Oscarino Arantes,

A preservação da empresa é um princípio constitucional positivado e disperso no texto de nossa Carta Política de 1988, consagrado no princípio fundamental do valor social da livre iniciativa, (Art. 1º, inciso IV) e como derivação direta da garantia do direito de propriedade privada e sua imprescindível função social (Art. 5º, XXII e XXIII), expressamente conjugados no Art. 170, relativo aos fundamentos da ordem econômica.

Este princípio da preservação da empresa deve ser analisado aliado ao princípio da função social e do interesse público. E tanto o interesse social, quanto o interesse público, abjetam a idéia de uma empresa ter suas atividades encerradas por um procedimento administrativo destituído de constitucionalidade.

É evidente que a administração pública tem poder de fiscalização. Entretanto, tal poder de polícia não pode prejudicar a manutenção e a viabilidade do próprio funcionamento da atividade, em respeito, repita-se exaustivamente, ao princípio da preservação da empresa, que, como visto, foi erigido ao nível de garantia constitucional.

Ademais, a repentina supressão do CNPJ da pessoa jurídica viola a segurança jurídica em relação a terceiros, em especial consumidores, trabalhadores e fornecedores. Também por isso, a declaração de inaptidão do CNPJ da autora é ato arbitrário, ilegal e inconstitucional.

Com efeito, privar uma pessoa jurídica de seu CNPJ equivale a decretar sua falência, uma vez que não será possível mais atuar em nenhum ramo de atividade. Por conseguinte, não lhe sobrará alternativa senão fechar.

Por outro lado, a inaptidão do CNPJ implica em várias infrações ao ordenamento jurídico. Entre eles:


3. Falta de devido processo legal, ampla defesa e contraditório

A Receita Federal, quando pretende inabilitar a inscrição do CNPJ da pessoa jurídica, inicialmente decreta a suspensão e somente após abre a possibilidade de defesa administrativa, com a intimação para normalizar a situação.

No entanto, tal possibilidade de defesa não elide o ato abusivo porque essa intimação posterior à suspensão concede ampla defesa e contraditório somente parciais, pois não reparou o prejuízo decorrente da suspensão efetuada manu militari liminarmente.

Vê-se a empresa suspensa preventivamente numa situação de paralisia econômica e operacional, pois não possuíra mais o CNPJ ativo para prosseguir com suas atividades normais.

Portanto, a irregularidade procedimental já se dá desde a gênese do procedimento. E em razão do princípio da causalidade, a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam conseqüência. Deveras, anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes que dele dependam.

Eis que a inaptidão decorre da prévia suspensão, e esse sobrestamento é nulo por inconstitucional, haja vista não ter assegurado ampla defesa e contraditório, os atos que lhe são subseqüentes – exatamente a declaração de inaptidão – igualmente serão nulos.


4. Natureza Jurídica da Instrução Normativa

A criação do CNPJ se deu através de um Decreto, qual seja, Decreto 3000/99. Deste modo, somente um ato normativo de hierarquia igual ou superior poderia modificá-lo. E as Instruções Normativas são normas de hierarquia inferior.

As Instruções Normativas explicitam leis e decretos e possuem como destinatários os servidores públicos em seus relacionamentos com os contribuintes em geral. Logo, as Instruções Normativas limitam-se a "explicitar" as leis e decretos. Nunca, contudo, poderão inovar ou extrapolar seus limites, sob pena de crassa ilegalidade.

Neste passo, a decretação de inaptidão do CNPJ, instituída por Instrução Normativa, extrapola os limites impostos pelo Decreto instituidor do CNPJ, que nada dispôs quanto a isso.

Sendo assim, a Instrução Normativa não tem o condão de criar a perda de aptidão do CNPJ, exatamente porque o Decreto não previu essa hipótese.

Ademais, a instrução normativa, tratando-se de ato normativo infralegal, não tem o poder de instituir e impor obrigações ao contribuinte em desprestígio ao direito de propriedade constitucionalmente assegurado. A propósito:

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INSCRIÇÃO NO CNPJ (ANTIGO CGC/MF) – INSTRUÇÕES NORMATIVAS – RESTRIÇÕES ÀS PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS QUE SE ENCONTRAM COM PENDÊNCIAS TRIBUTÁRIAS – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA LEGAL – 1. Não pode o Fisco estabelecer meios coercitivos indiretos de cobrança de tributo impedindo a inscrição no CNPJ, que substitui o antigo CGC/MF, com base em instrução normativa que extrapola a letra da lei, caso tenha o contribuinte débito para com a Fazenda Pública. 2. Com o advento da Constituição de 1988, somente é possível estabelecerem-se sanções ou restrições a direitos, através de lei formalmente editada, resultante do processo legislativo, sob pena de ferir-se o princípio da reserva legal. 3. Os documentos exigidos quando do registro comercial dos atos constitutivos das empresas estão dispostos no art. 37 da Lei nº 8.934/94, sendo vedada, em seu parágrafo único, qualquer outra exigência. 4. Apelação e remessa oficial não providas. (TRF 3ª R. – AMS 182098 – (97.03.068516-1) – SP – 4ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Manoel Álvares – DJU 02.08.200208.02.2002 – p. 786)

Em apertada síntese e inequívoca conclusão: somente por lei – ou quando muito por um decreto de igual hierarquia - poderia ser criada a restrição que a requerida pretende, a saber, a inaptidão do CNPJ da autora.

A juíza Luciana de Souza Sanchez, da 10ª Vara Federal de São Paulo, assim decidiu em caso concreto:

Inegável reconhecer que, ainda que seja necessário o dever da Receita Federal em investigar com rigor as situações em que vislumbre a possibilidade de fraude fiscal, nem por isso a autoridade impetrada [delegado da Receita Federal de Administração Tributário — Derat encontra-se legitimada a se socorrer de expedientes infralegais de molde a regular a matéria e, em última instância, pautar a sua conduta (...) admitir tal despautério, ou seja, que a autoridade impetrada estaria autorizada a aplicar sanções e decretar a pena de perdimento de bens sem amparo legal, seria o mesmo que aceitar a ofensa ao princípio da estrita legalidade.

Deste modo, mostra-se absolutamente inconstitucional, por ofender a hierarquia das normas, a possibilidade de uma instrução normativa extrapolar os limites de um decreto ao qual se sujeita.


5. Os limites do poder de polícia

O controle e fiscalização das atividades dos particulares por parte da Administração e, eventualmente, a aplicação de sanções, é atividade que se desenvolve sob a égide do chamado "poder de polícia", e a perda do CNPJ tem tanto caráter de intervenção típica de poder de polícia quanto de modalidade própria de sanção tributária.

O atual estágio do poder de polícia em estados democráticos modificou-se profundamente. Se de um lado é extremamente importante, deve ser acompanhado de cautelas essenciais, valendo-se da razoabilidade, da proporcionalidade, da ponderação e adequação a cada situação, "para que não incorram em atividades odiosas e contrárias aos princípios constitucionais mais caros ao bom desenvolvimento de uma Administração própria de estados democráticos e comprometidos com o desenvolvimento da ordem econômica e do exercício dos direitos fundamentais."

E já se disse: "O poder de polícia não se pode converter no poder de destruir. Ele existe para preservar e manter. Cabível a ação extrema de proibição ao desempenho de atividades econômicas." Neste sentido:

APREEENSÃO DE MERCADORIA MEIO COERCITIVO DE COBRANÇA DE TRIBUTO. SANÇÃO POLÍTICA. IMPOSSIBILIDADE. A ordem jurídica brasileira mune o Poder Público de meios jurídicos eficazes para exigência de seus créditos, sendo inadmissíveis sanções políticas com o desiderato de compelir o contribuinte, pelo que se afigura inválida a apreensão de mercadorias com tal fim, consoante já assentado pela Súmula no. 323 do STF (TJCE, C 2003.0003.9137-4/1; 2ª. C. Civ., Relator Des. Ademar Mendes Bezerra, in RBDR 6/133)

Demais disto, a administração pública está adstrita aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na suas atuações. Neste diapasão determina o art. 2º., da Lei 9784/99:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

A razoabilidade e a proporcionalidade compõe o denominado substantive process of law. Por conseqüência, não vigora mais a idéia da discricionariedade clássica, na qual a oportunidade e a conveniência eram impenetráveis ao controle judicial. Logo, admite-se perfeitamente a análise de mérito do ato administrativo para verificar-se a ocorrência ou ferimento destes princípios.

Conforme Mauro Roberto Gomes de Mattos:

... se a lei quer que o administrador tome a solução melhor para o fim de satisfazer a sua finalidade, vale dizer, a finalidade inscrita na lei, tem-se uma obrigação jurídica, por isso mesmo sujeita ao controle judicial. A doutrina é, na verdade, inovadora, inovadora e benfazeja. Ela altera conceitos, deixa longe o conceito clássico de mérito administrativo, aparta-se da afirmativa no sentido de que os motivos de oportunidade e de conveniência administrativa, utilizados pelo administrador, na prática do ato discricionário, são intangíveis ao controle judicial. Ora, diante de uma tal doutrina, o juiz passa a ter uma atuação política - não custa esclarecer, novamente, que quando falo em política, refiro-me à política em seu exato sentido, no seu sentido grego, não, evidentemente, à política partidária, que esse tipo de política nós, juízes, não praticamos e a queremos distante dos Tribunais - atuação política que confere preeminência à função jurisdicional. Essa doutrina de Direito Administrativo toma corpo, é objeto de considerações dos publicistas, constitui a tônica do moderno Direito Público (Sérgio Ferraz, "Controle Jurisdicional do Mérito do Ato Administrativo", em "Perspectivas do Direito Público", Del-Rey Ed., 1995, págs. 291 e segs.)."

O substancial due process é, pois, uma limitação substantiva geral ao poder de polícia do estado - lei, ou decreto, ou ato administrativo, que imponha qualquer limitação no direito à propriedade privada, liberdade contratual e demais direitos da pessoa humana.

Por exemplo, a Corte americana entende que tem direito a examinar qualquer lei e determinar se ela constitui um legítimo exercício do poder de polícia. Neste sentido, o que constitui legítimo exercício do poder de polícia torna-se agora uma questão judicial, e não meramente uma questão legislativa. Teoricamente, o desejo do legislador permanece respeitado pela Corte.

E no caso em tela não é razoável e tampouco proporcional estabelecer-se a supressão do CNPJ da empresa.

Assim, ao Judiciário mostra-se possível a análise do mérito da decisão, eis que extrapola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Sobretudo em casos como este. A jurisprudência é remansosa no desiderato de que a autoridade administrativa não pode interferir nos negócios diuturnos da atividade empresarial se, principalmente, tiver condições de receber seus tributos de outra forma. A propósito, eis a Súmula 547, do STF:

Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Aliás, desde há muito o STF perfilha entendimento sumulado de que "é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo".


6 Falta de motivação da decisão administrativa

Geralmente o aplicador do ato declaratório de inaptidão de inscrição de CNPJ, ao formular o Ato Declaratório executivo, em vez de motivá-lo detalhadamente, reporta-se a pareceres e decisões anteriormente constantes do procedimento administrativo. Para tanto, assenta-se na Lei 9784/99, art. 50, § 1º, que prevê:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

...

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

Ocorre que, amiúde, as decisões declaratórias são lacônicas, abstratas, geralmente nestes termos:

I – Inapta a inscrição do CNPJ no.. ..., concedida a. ....., por prática de irregularidade em operações de comércio exterior, conforme tratado no processo. ...

Porém, essas decisões não trazem de maneira expressa a irregularidade perpetrada pelas empresas. Tampouco estabelece quais os critérios utilizados para a perda do CNPJ. Não há, pois, a devida motivação.

A motivação das decisões, inclusive as administrativas, é garantia inerente ao estado de direito, erigida em princípio constitucional. Decisão sem fundamentação, sequer sucinta, agride o devido processo legal e mostra a face da arbitrariedade, incompatível com o já mencionado estado democrático de direito. Nas lições de Clito Fornaciari Júnior:

As decisões da Justiça devem buscar persuadir, convencer, demonstrar a quem não se dá razão porque ele não tem razão. Não é a atividade jurisdicional exercida por árbitros que apitam ou batem o martelo, dizendo sim ou não, sem precisar explicar a razão de assim ter compreendido. Vem daí, de longa data, a exigência de motivação, que se transformou, também em nosso país, em regra constitucional.

Não é motivação, em momento algum, reportar-se simples e singelamente a pareceres ou decisões anteriores. Barbosa Moreira referira-se antes a A. A. Lopes da Costa, cuja lição merece ser transcrita:

Não é motivação, mas desta simples aparência, dizer o tribunal que confirma a decisão de primeira instância ''por ser conforme ao direito e à prova dos autos''. É um círculo vicioso, um idem per idem. É implícito que a confirmação de uma sentença declara-a certa e justa, de acordo com a lei e a prova. Então não carecia o tribunal vir dizê-lo. O que é necessário é externar porque ela não está errada, aplicando mal o direito, e não é injusta, mal apreciando a prova. Mostrar que a decisão é conforme ao direito e aos fatos não é proclamar dogmaticamente que ela não viola a lei, nem se afasta da prova. Dizer que um ato é justo não é o mesmo que expor as razões que levaram a tal afirmação... Penso que a sentença não motivada é nula. O preceito da motivação é de ordem pública. Ele é que põe a administração da justiça a coberto da suspeita dos dois piores dos vícios que possam manchá-la: o arbítrio e a parcialidade"

Destarte, "a motivação das decisões reclama do órgão julgador, pena de nulidade, explicitação fundamentada quanto aos temas suscitados"

Incisivamente, "a melhor prova da ausência de motivação válida de uma decisão judicial - que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a um caso concreto e singular - é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por dizer que não serve a nenhum"

Segundo Luiz Guilherme Marinoni:

A garantia da motivação das decisões tem relação com a necessidade de controle do juiz, que deve justificá-las não só para legitimar o exercício do seu poder perante a população, mas também para dar às partes o direito de compreendê-las e impugná-las perante os tribunais. Em outras palavras, aceitar uma decisão sem justificativa é o mesmo que impedir a adequada participação das partes e retirar a legitimidade do Poder Judiciário

E a motivação das decisões estendem-se igualmente à administração Pública, nos termos do art. 2º., da Lei 9784/99, que dispõe:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Com efeito:

A obrigatoriedade da motivação dos atos é imposta pelos artigos 5º, XXXV (princípio do acesso à justiça) e 37, caput (princípio da moralidade), ambos da Constituição Federal, sob pena de nulidade do ato. "a legitimação das decisões administrativas não se faz apenas pela invocação genérica e indeterminada do ‘interesse público’, mas exige que seja traduzida concretamente adotada pelo aplicador quanto ao fim por ele eleito para as decisões que adotar. " (curso de direito administrativo, marçal justen filho, são paulo: Saraiva, 2005, p. 169). Apelação desprovida. (TJ-PR; ApCiv 0406165-8; Curitiba; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Marcos de Luca Fanchin; DJPR 29/02/2008; Pág. 26) CF, art. 37

E, decisão sem fundamentação é decisão que padece do vício mais grave possível: a inconstitucionalidade.

Neste passo, a decisão administrativa só é válida se trouxer seus próprios fundamentos, não podendo, em hipótese alguma, simplesmente reportar-se a pareceres e decisões anteriores.

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Sobre os autores
Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

advogado sócio do escritório Zanoti e Almeida Advogados Associados; doutorando pela Universidade Del Museo Social, de Buenos Aires; mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; pós-graduado em Direito Contratual;pós-graduado em Direito das Relações Sociais; professor de Direito Civil e coordenador da pós-graduação da Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente/SP), professor da FEMA/IMESA (Assis/SP), do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL, da PUC/PR, da Escola Superior da Advocacia, da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná.

Fernando José de Souza Marangoni

advogado sócio do escritório de Consultoria BMM Consulting,especialista em Direito Tributário,doutorando pela Universidade Del Museo Social, de Buenos Aires

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo ; MARANGONI, Fernando José Souza. A suspensão do CNPJ (cadastro nacional das pessoas jurídicas) por irregularidades na importação de bens. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1958, 10 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11948. Acesso em: 22 dez. 2024.

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