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Dispensa e inexigibilidade de licitação: uma visão geral

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22/11/2008 às 00:00
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A contratação direta não deve ser a regra e, nesse sentido, é imperioso observar fielmente os preceitos contidos na Lei nº 8.666/93 e na legislação correlata.

I. INTRODUÇÃO: ASPECTOS INICIAIS

A licitação corresponde ao processo administrativo voltado à seleção da proposta mais vantajosa para a contratação desejada pela Administração Pública e necessária ao atendimento do interesse coletivo. Repita-se, então, que a licitação não se limita apenas e tão-somente a procurar pelo melhor preço, mas sim pela melhor proposta. Significa dizer que a Administração busca a maior qualidade da prestação e o maior benefício econômico.

As normas gerais acerca de licitação e contratos administrativos estão contidas na Lei nº 8.666/93, bem como na Constituição Federal que consagra princípios e regras fundamentais acerca da organização do Estado. De acordo com o art. 22, inc. XXVII, da CF, compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação. Por outro lado, a Constituição também reservou competência legislativa para cada esfera política legislar sobre normas específicas acerca da matéria, respeitadas as normas gerais previstas na Lei nº 8.666/93. Portanto, o já aludido inc. XXVII do art. 22 trata da competência privativa da União para dispor apenas sobre as normas gerais que serão de observância obrigatória para as demais esferas do governo. Nesse sentido, Odete Medauar faz um alerta:

"A competência da União para fixar normas gerais de licitação e contrato possibilita que Estados, Municípios e Distrito Federal legislem sobre normas específicas, para seus respectivos âmbitos de atuação. O problema está na separação precisa entre normas gerais e normas específicas. De regra, Estados e Municípios ou editam leis sem dispositivos que contrariem a lei da União, ou não editam lei específica e pautam suas licitações por aquela" (Direito Administrativo Moderno, 8ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 214).

A Lei de Licitações vincula os Três Poderes das entidades políticas: Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim é porque os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário também desenvolvem atividades administrativas, embora em menor grau, razão pela qual ficam vinculados ao cumprimento da Lei nº 8.666/93. Também é certo que a Administração Indireta encontra-se vinculada ao cumprimento das normas gerais sobre licitações com pequenas variações observada a situação jurídica própria de cada entidade. Em relação às empresas públicas e sociedades de economia mista, a EC nº 19/98 deu nova redação ao art. 173 da CF, que passou a prever que essas entidades da Administração Indireta, exercentes de atividade econômica, passariam a sujeitar-se a estatuto próprio no tocante às licitações, observados os princípios gerais da Administração Pública. A intenção certamente era aliviar as restrições contidas na Lei nº 8.666/93 e compatibilizar as contratações realizadas no âmbito dessas entidades com a prática empresarial. Entretanto, enquanto não for editado o referido estatuto próprio para essas entidades, a matéria invariavelmente continuará sob a disciplina da Lei de Licitações, ressalvadas as exigências incompatíveis, é claro, com as características de sua atuação. Assim, por exemplo, em uma sociedade de economia mista que opera em regime similiar aos bancos da iniciativa privada, não se exigirá licitação para promover a venda de produtos e serviços bancários à população em geral. Trata-se da própria atividade-fim para a qual a entidade foi criada, nesse caso, de atuar na excepcional exploração de atividade econômica, conforme permitido pelo texto constitucional.

Sobre a natureza da licitação diverge a doutrina se acaso seria procedimento ou verdadeiro processo administrativo. Para resolver essa questão há de se considerar que processo é espécie do gênero procedimento e o próprio art. 38 da Lei nº 8.666/93 demonstra isso, realçando a relação gênero/espécie, e caracterizando a licitação como processo, devido a sua inerente beligerância. A propósito do assunto, Odete Medauar afirma que "a licitação é um processo administrativo porque, além da sucessão de atos e fases, há sujeitos diversos, os licitantes, interessados no processo, que dele participam, perante a Administração, todos, inclusive esta, tendo direitos, deveres, ônus, sujeições" (ob. cit., p. 214).

A licitação é regida por princípios gerais que interessam a toda a atividade administrativa, como os mencionados pelo art. 37, caput, da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Entretanto, existem alguns princípios específicos que acentuam as peculiaridades próprias do procedimento licitatório, em especial, do formalismo, da competitividade, do julgamento objetivo, da vinculação ao instrumento convocatório, do sigilo das propostas, da isonomia, da adjudicação compulsória, dentre outros (art. 3.º, Lei nº 8.666/93). Do conjunto de princípios que regem a licitação decorre o direito de todo cidadão de acompanhar o desenvolvimento do certame, incluindo a fiscalização de sua lisura através dos instrumentos jurídicos adequados: ação popular (art. 5.º, inc. LXXIII, CF), direito de petição (art. 5.º, inc. XXXIV, "a"), habeas data (art. 5.º, inc. LXXII) e até mesmo, quando cabível, o mandado de segurança (art. 5.º, inc. LXIX).

A par disso, um dos temas mais tormentosos do Direito Administrativo gravita em torno da dispensa e inexigibilidade de licitação. Acerca do assunto, todo cuidado é devido pelo operador do Direito que atua na área, uma vez que a Constituição Federal estabelece como regra a obrigatoriedade de licitação para obras, compras, serviços e alienações da Administração Pública. Nesse sentido, dispõe o já conhecido art. 37, inc. XXI, do texto constitucional:

"ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações".

Entretanto, em algumas situações previamente estabelecidas pela legislação, a regra de licitar cede espaço ao princípio da economicidade ou outras razões que revelem nítido interesse público em casos em que a licitação é dispensada ou considerada inexigível. De acordo com Jorge Ulisses Jacoby Fernandes isso ocorre porque "o princípio constitucional da licitação, como todas as regras de Direito, não têm valor absoluto, devendo ser coordenado com os outros princípios do mundo jurídico" (Contratação Direta sem Licitação, 5ª. ed., Brasília Jurídica, 2004, p. 178).


II – CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE MODALIDADES DE LICITAÇÃO

As três modalidades mais conhecidas de licitação são a concorrência, a tomada de preços e convite que objetivam a contratação de obras, serviços e compras, sendo delimitadas conforme o valor estimado para a licitação de acordo com o previsto no art. 23 da Lei nº 8.666/93. Já o concurso e o leilão têm objetivos próprios e diferenciados. As modalidades de licitação são expressas na lei, o que significa dizer que nenhuma outra, além delas, pode ser criada pela Administração. Tal proibição impede também que as modalidades sofram combinações entre si, o que equivaleria a criar nova hipótese. Nesse sentido, o art. 22, §8.º da Lei de Licitações é expresso: "É vedada a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo." Entretanto, leis federais podem criar outras modalidades de licitação, como fez a Lei nº 9.472/97, que regulamenta as licitações da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL.

A concorrência é a modalidade escolhida para licitações de grande vulto envolvendo obras, serviços e concessões de maior valor. Exatamente por causa dos recursos financeiros a serem empregados pela Administração serem elevados, essa modalidade é a que apresenta maior rigor formal e exige ampla divulgação. Da concorrência podem participar quaisquer interessados que demonstrem possuir os requisitos mínimos de qualificação fixados no edital (art. 22, I e §1.º). A concorrência também é exigida sempre que a Administração pretenda adquirir ou alienar bens imóveis, quando se tratar de licitação de abrangência internacional e quando pretende celebrar contrato de concessão de direito real de uso. Mais recentemente, a Lei nº 11.285/2006, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas, passou a exigir concorrência para a contratação de concessões florestais (art. 13, §1.º).

Em linhas gerais, a tomada de preços é a modalidade de licitação indicada para contratos de vulto médio que admite a participação de interessados previamente cadastrados, ou que atendam a todas as exigências para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas (art. 22, §2.º). A fase de habilitação é desnecessária na tomada de preços, uma vez que os interessados na contratação com o Poder Público já apresentaram os documentos no momento em que se inscreveram no registro cadastral e, dessa maneira, não precisam reapresentá-los quando há convocação pelo edital da licitação. O registro cadastral está previsto no art. 34 da Lei nº 8.666/93 e deverá ser atualizado pelo menos uma vez ao ano pelos órgãos públicos.

O convite é uma modalidade de licitação mais desburocratizada, geralmente utilizada para contratatações de menor valor. É a única modalidade em que o instrumento convocatório não é o edital e sim a carta-convite onde são estabelecidas, suscintamente, as regras da licitação. A carta-convite deverá ser enviada, no mínimo, para três interessados no ramo a que pertence o objeto do contrato, os quais são livremente escolhidos pelo administrador, entre empresas cadastradas ou não. Quando existirem na praça mais de três interessados, não podem ser sempre os mesmos, e apenas eles, os convidados. Assim, realizado novo convite, é obrigatório o chamamento de, no mínimo, um interessado que não tenha participado do certame anterior. É o que diz o art. 22, §6.º.

Restam ainda na Lei nº 8.666/93 as modalidades de concurso e leilão. O concurso é modalidade reservada para a escolha de trabalhos intelectuais (técnicos, científicos ou artísticos), mediante a instituição de prêmio ou remuneração aos vencedores. Não se confunde com o concurso público para contratação de servidores. Na modalidade de concurso o que se busca é selecionar um projeto de cunho eminentemente intelctual, razão pela qual a comissão julgadora deverá ser bastante criteriosa e apta para a tarefa. Por fim, o leilão é a modalidade utilizada para alienação de bens inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, sendo que o critério de julgamento nesta modalidade obrigatoriamente deve ser o de maior lance.

Existem ainda outras duas modalidades de licitação pública que surgiram a partir da legislação específica das agências reguladoras, inicialmente na Lei nº 9.472/97 aplicável no âmbito da ANATEL. O pregão é a modalidade de maior destaque atualmente na Administração Pública, tendo ganhado força através da regulamentação pela Lei nº 10.520/2002, destinada à aquisição de bens e serviços comuns, cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital por meio de especificações usuais no mercado. Nessa modalidade, é obrigatório o critério do menor preço no julgamento das propostas. A particularidade especial do pregão reside na adoção parcial do princípio da oralidade quanto à manifestação da vontade dos licitantes. Outra característica marcante do pregão é a inversão na ordem das fases de habilitação e julgamento das propostas.

Por fim, a modalidade de consulta é admitida somente para contratação realizada no âmbito das agências reguladoras, sendo vedada para obras e serviços de engenharia. O objeto da consulta consiste, basicamente, na elaboração de pareceres técnicos, projetos, entre outros trabalhos de natureza intelectual e bens infungíveis. Tanto na modalidade de pregão como na consulta não interessa a questão dos valores para a escolha da modalidade adequada. Nessas hipóteses, portanto, não se aplica o previsto no art. 23 da Lei nº 8.666/93.

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III – TIPOS DE LICITAÇÃO: CRITÉRIO DE JULGAMENTO

Não se confundem as "modalidades" e os "tipos" de licitação, uma vez que estes dizem respeito especificamente ao critério de julgamento das propostas e devem ser previamente estabelecidos no instrumento convocatório: Menor preço (usual); melhor técnica (o material mais eficiente, mais rentável, melhor); melhor técnica e preço (preço mais vantajoso e melhor técnica); e, por fim, maior oferta (oferta em leilão).

O art. 44 da Lei de Licitações estabelece que "no julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei". Por conta disso, a escolha do tipo de licitação influenciará diretamente no critério de julgamento das propostas recebidas. O tipo "menor preço" é resultado que decorre de verificação meramente objetiva, não apresentando maiores dificuldades por ocasião do julgamento. Já o tipo "melhor técnica" exigirá grande cuidado do administrador na confecção do instrumento convocatório justamente em função da complexidade de certas contratações. O mesmo vale para o critério "melhor técnica e menor preço".

A propósito das dificuldades no julgamento por conta da escolha do tipo de licitação, José dos Santos Carvalho Filho fez a seguinte observação:

"Os tipos de melhor técnica e de técnica e preço foram tratados com rara infelicidade na lei, para não dizer com injustificável complexidade e insondáveis mistérios" (Manual de Direito Administrativo, 17a. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 253).

De modo geral, os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo fazem a seguinte anotação a respeito:

"Para a contratação de bens e serviços de informática, a Administração adotará, obrigatoriamente, o tipo de licitação técnica e preço, permitido o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo" (Direito Administrativo, 12a. ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 391).


IV – LICITAÇÃO DISPENSADA, DISPENSÁVEL E INEXIGÍVEL: DISTINÇÕES

A doutrina tradicional estabelece distinções entre licitação dispensada, dispensável e inexigível, seguindo em termos gerais os critérios que são utilizados pela Lei nº 8.666/93. Entretanto, alerte-se que nem sempre será possível diferenciar os termos licitação "dispensada" e "dispensável" como se fossem conceitos referentes a situações de natureza distintas, sendo admissível seu uso como sinônimos por diversas ocasiões. Marçal Justen Filho, por exemplo, chega a afirmar que "não parece de maior utilidade a distinção entre licitação dispensada e dispensável" (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10a. ed., São Paulo: Dialética, 2004, p. 234). Por isso é que parte da doutrina trata das hipóteses de licitação "dispensada" e "dispensável" sob a mesma rubrica embora se refiram, em certo aspecto, a diferentes artigos de lei (arts. 17 e 24 da Lei nº 8.666/93, respectivamente).

Na verdade, a chamada "licitação dispensada" se aplica basicamente às hipóteses de alienação de bens pertencentes à Administração e está sempre condicionada à existência de interesse público. Como já se afirmou, as situações a que se refere estão disciplinadas exclusivamente no art. 17 da Lei de Licitações.

Por outro lado, a "licitação dispensável" verifica-se em situações em que, embora teoricamente seja viável a competição entre particulares, o procedimento licitatório afigura-se inconveniente ao interesse público. Isso ocorre porque, em determinados casos, surgem circunstâncias especiais, previstas em lei, que facultam a não realização da licitação pela administrador, que em princípio era imprescindível. Dentre as hipóteses previstas no art. 24 da mencionada Lei, destacam-se a dispensa em razão do baixo valor; pelo advento de situações excepcionais, como guerra, grave perturbação da ordem, calamidades; nas hipóteses de licitação deserta ou fracassada; na contratação do fornecimento ou suprimento de energia elétrica com concessionário, permissionário ou autorizado; na aquisição de peças durante o período de garantia; dentre outras.

Em relação à "licitação inexigível", informa o art. 25 da Lei nº 8.666/93 que esta ocorrerá sempre que houver inviabilidade de competição. Entretanto, o conceito de viabilidade da competição não é simplisticamente reconduzível à mera existência de uma pluralidade de sujeitos em condições de executar uma certa atividade. Existem inúmeras situações em que a competição é inviável não obstante existirem inúmeros particulares habilitados a executar a atividade objeto da contratação. Isso se passa inclusive nos casos em que realizar a licitação acarretaria solução objetivamente incompatível com o interesse público, conforme será visto a seguir.

CONTRATAÇÃO DIRETA – EXCEÇÕES À REGRA DA LICITAÇÃO OBRIGATÓRIA

LICITAÇÃO DISPENSADA

LICITAÇÃO DISPENSÁVEL

LICITAÇÃO INEXIGÍVEL

Art. 17

Art. 24

Art. 25

Utilização facultativa

Utilização obrigatória

Rol taxativo

Rol legal exemplificativo


V – LICITAÇÃO DISPENSADA (ART. 17, I e II, LEI nº 8.666/93)

Como visto, as hipóteses de licitação "dispensada" se referem exclusivamente às hipóteses de alienação de bens pela Administração Pública. Mas a abrangência do dispositivo é ampla, atingindo todas as modalidades de transferência voluntária do domínio de um bem ou direito. O caput do art. 17 da Lei de Licitações prevê requisitos que autorizam a alienação, entre eles, a existência de interesse público, avaliação prévia, procedimento licitatório e autorização legislativa no caso de bens imóveis. Entretanto, as exceções à regra geral da licitação constam dos incisos do referido dispositivo legal. Justamente por esse motivo que Marçal Justen Filho alerta que "o art. 17 é eivado de sério defeito de técnica legislativa. O dispositivo cuida de dois temas diversos e inconfundíveis. Disciplina, conjuntamente, os requisitos para alienação de bens e direitos da Administração e as hipóteses de dispensa de licitação" (ob. cit., p. 171/172).

Outro aspecto interessante desse dispositivo é que rigorosamente uma lei federal não poderia dispor sobre alienação de bens públicos estaduais, municipais e distritais sob pena de ofender a forma federativa de Estado e, assim, o próprio texto constitucional. Daí se conclui que as regras do art. 17 vinculam especialmente à União que pode dispor legislativamente sobre o destino dos próprios bens que lhe pertencem. Entretanto, considerando especificamente o permissivo do inc. XXI do art. 37 da CF, é possível produzir interpretação conforme a Constituição no sentido de que as normas gerais poderiam dispor sobre as hipóteses de dispensa de licitação para a alienação.

Por outro lado, é importante salientar que nas situações descritas a seguir como sendo de licitação "dispensada", não poderá o administrador realizar o procedimento licitatório, uma vez que a própria lei a dispensou, tratando-se de verdadeira "inexigibilidade". Nesse sentido, informa a doutrina de Romeu Felipe Bacellar Filho:

"[...] a própria Lei, em seu art. 17, determina, independentemente de juízo de valor, compulsoriamente, a dispensa da licitação. Por esta razão, entende-se que houve uma impropriedade terminológica no art. 17, pois nos casos ali elencados verifica-se a impossibilidade de competição, de modo que a solução única é não licitar, o que faz da licitação dispensada uma verdadeira licitação inexigível. Assim, entende-se que a licitação dispensada é inexigível" (Direito Administrativo, 2ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 114/115).

As hipóteses de dispensa de licitação para alienação de bens imóveis estão relacionadas no art. 17, inc. I. e dizem respeito ao seguinte: dação em pagamento (inc. I, a), doação (inc. I, b), permuta (inc. I, c), investidura (inc. I, d), venda intra-estatal (inc. I, e) e titulação de terras por interesse social e outras alienações (inc. I, f). O rol é taxativo e não exemplificativo, isto é, não poderá ser ampliado pelo administrador para outras situações aqui não-contempladas.

Na hipótese da dação em pagamento, a Administração se libera de uma dívida sem desembolsar dinheiro, através da transferência do domínio de um imóvel. Assim é que a licitação é dispensada em função da impossibilidade de selecionar a proposta mais vantajosa. Entretanto, note-se que se credores diversos tiverem interesse de extingüir seus créditos mediante o mesmo procedimento, qual seja, da dação em pagamento, estarão presentes os requisitos autorizadores da licitação que deverão ser observados nessa hipótese. Também será dispensada a licitação na doação exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera do governo. A permuta é admitida quando for por outro imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a escolha. Da mesma forma, a alienação onerosa de bens praticada entre entidades integrantes da Administração Pública dispensa o procedimento licitatório.

Em relação à investidura, podem ocorrer duas situações: a primeira, na alienação aos proprietários de imóveis lindeiros (fronteiriços) de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que não ultrapasse a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais); a segunda, na alienação, aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão.

Por fim, a última hipótese de dispensa de licitação de bens imóveis diz respeito a "titulação de terras por interesse social e outras ''alienações''". A situação abrange diversas modalidades de transferência da posse de bens públicos para programas habitacionais de interesse social e nas operações vinculadas à reforma agrária. A regra é propositalmente ampla de modo a atender os diversos programas sociais promovidos pelo Governo visando beneficiar amplos extratos da população brasileira de baixa renda. Entretanto, a Administração Pública não está autorizada a simplesmente escolher arbitrariamente os beneficiários das transferências. Deverão ser concedidas oportunidades equivalentes a todos os potenciais interessados.

Em relação às hipóteses de dispensa de licitação para alienação de bens móveis da Administração, as situações autorizadoras estão previstas no art. 17, inc. II e se referem a: doação (inc. II, a), permuta (inc. II, b), venda de ações em bolsa de valores (inc. II, c), venda de títulos públicos (inc. II, d), venda de mercadorias como atividade operacional (inc. II, e) e alienações intra-estatais (inc. II, f). Essas seis hipóteses de dispensa de licitação para a alienação de bens móveis não requerem maiores comentários por serem facilmente compreendidas.

Em relação ao item "c" do inciso II, que trata da venda de ações através de bolsas de valores, não significa, em última análise, simplesmente dispensar o procedimento licitatório, mas sim sujeitar a alienação a um procedimento distinto. Isso ocorre porque as negociações ali realizadas são presididas pela lei da oferta e da procura. No caso da venda de títulos públicos, a justificativa para a dispensa é que essa negociação efetiva-se diretamente, através da qual se torna operacional a política monetária governamental. E no caso da letra "e" do mesmo inciso, que alude à venda de mercadorias como atividade operacional, o tema está relacionado às operações de compra e venda praticadas pelas entidades da Administração Indireta no exercício de suas atividades, razão pela qual não poderiam se sujeitar ao princípio da licitação, como já visto.

Por fim, além dessas hipóteses de licitação dispensada, previstas na Lei nº 8.666/93, existe a dispensa prevista no art. 2.º, §1.º, inc. III, da Lei nº 11.107/2005. Esse dispositivo prevê que o consórcio público celebrado entre a União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para a realização de objetivos de interesse comum poderá, para o cumprimento desses objetivos, ser contratado pela Administração Direta ou Indireta, dos entes da Federação consorciados, "dispensada" a licitação.

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Sobre o autor
Átila Da Rold Roesler

Procurador federal da Advocacia-Geral da União, especialista em Direito Processual Civil, autor do livro Execução Civil - Aspectos Destacados (Editora Juruá, 2007), ex-Delegado de Polí­cia Civil do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROESLER, Átila Rold. Dispensa e inexigibilidade de licitação: uma visão geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1970, 22 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11996. Acesso em: 19 mar. 2024.

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