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Adoção por pares homoafetivos.

Uma tendência da nova família brasileira

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A jurisprudência, além de reconhecer a família formada por par do mesmo sexo, tem decidido, ainda que timidamente, pela adoção de menores por casais homoafetivos que vivem em moldes semelhantes à união estável.

RESUMO: inegáveis são as mudanças sofridas pela sociedade brasileira em meio ao dinamismo do mundo globalizado. Nessa esteira, com a crise da família patriarcal, surgem novos núcleos familiares que merecem a proteção jurídica do Estado. Dentre eles, a família homoparental, formada por pares homoafetivos que, diante da impossibilidade biológica de gerarem filhos entre si, recorrem à adoção como meio de realizar o desejo da maternidade ou da paternidade afetiva, contraindo todos os direitos e deveres do referido instituto em face das crianças e adolescentes que, por motivos diversos, não gozam do amparo e do amor dos pais biológicos. Assim, através da interpretação analógica, reconhece-se a possibilidade jurídica da equiparação da união estável à família homoafetiva e, conseqüentemente, da adoção homoparental. Esse entendimento já começa a encontrar guarida na jurisprudência que, além de reconhecer a família formada por par do mesmo sexo, tem decidido, ainda que timidamente, pela adoção de menores e adolescentes por dois homens ou duas mulheres que convivem afetivamente nos moldes da união estável.

PALAVRAS-CHAVE: Adoção Homoparental; Família Homoafetiva; União Estável; Possibilidade Jurídica.


1. Noções Preliminares

É sabido que as leis estão a serviço da sociedade e que são necessárias para a organização de um Estado Democrático de Direito. Quanto a isso, não há o que se discutir. No entanto, principalmente a partir da segunda metade do século XX, com o avanço das mais variadas tecnologias, percebe-se uma aceleração nas mudanças sociais e, conseqüentemente, nas próprias relações familiares.

Nesse ritmo contínuo de modificações, a humanidade acompanha, no ápice da globalização, os aparelhos de televisão tradicionais (até duas décadas passadas, transmitindo imagens em preto e branco) sendo rapidamente substituídos por outros mais modernos com transmissão de imagens coloridas e, atualmente, pela tecnologia LCD.

Da mesma forma, as máquinas de datilografar deram lugar aos desktops e, em pouquíssimo tempo, aos lap-tops. Nesse contexto, também as cartas foram substituídas por e-mails e as notícias de esfera mundial chegam a todos os países do planeta em tempo real. É a nova face do mundo globalizado.

Assim, inevitáveis modificações na realidade cultural das famílias brasileiras ocorreram, principalmente nas últimas décadas. Os valores mudaram e os legisladores e juristas, como parte dessa transformação, também se modificaram conceitualmente em meio a tamanha dinamicidade.

Agora, a afetividade ganha relevância em detrimento do poder marital ou patriarcal. A Constituição de 1988 prevê que é princípio basilar a dignidade da pessoa humana e que os cônjuges agora são iguais em direitos e deveres. As pessoas não mais são obrigadas a permanecer convivendo sem o afeto, sem a livre escolha, pois o Código Civil tornou livre a constituição, o desenvolvimento e a extinção das entidades familiares. Também instituiu a isonomia na proteção jurídica dos filhos biológicos, adotados e socioafetivos.. Tais inovações modificaram o estatuto jurídico da família brasileira, mas ainda não atendem à necessidade da atual diversidade.

São muitas as transformações e, com isso, a base familiar sofre alterações significativas. Tal evento repercute no meio social e essa troca de influências assimiladas pelas modificações da família e da sociedade não pode ser desconsiderada pelo Estado. Entre tantas alterações, novas formas familiares passam a coexistir ao lado da família tradicional, constituída através do casamento. Dentre elas, a família homoafetiva, formada por pares homossexuais.

Nesse diapasão, faz-se necessário esclarecer o significado de homoafetividade, homossexualismo e homossexualidade. O termo homossexualismo era empregado, no Brasil e no mundo, para designar uma das espécies de distúrbios mentais e emocionais, era considerado um "desvio ou transtorno sexual". Felizmente (embora tardiamente), em 1973, a APA (Associação Americana de Psiquiatria) retirou-o da lista de patologias.

Em 1995, na décima revisão do Código Internacional de Doenças (CID), "deixou de ser considerado doença, substituindo-se o sufixo ‘ismo’ por ‘dade’" (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 63). Assim, homossexualismo passa a ser homossexualidade, já que o sufixo anterior remetia a uma interpretação equivocada e sem qualquer comprovação nos estudos médicos. Afinal, não causa qualquer mal à saúde ou à conduta social que justifique um indivíduo ser tratado como doente por sentir atração por pessoa do mesmo sexo.

Para o Professor Enézio de Deus Silva Júnior, homossexualidade :

"é uma prática sempre presente na história da humanidade, por se constituir uma das possíveis orientações afetivo-sexuais humanas – caracterizada pela predominância ou manifestação de desejos por pessoas do mesmo sexo biológico que não se reduz a [sic] simples escolha ou opção." (2008, p.55)

Atualmente, a relação de afetividade entre homossexuais começa a receber, doutrinariamente, um novo sinônimo: homoafetividade. Este vocábulo está sendo introduzido pela desembargadora e jurista Maria Berenice Dias, a qual defende que o afeto é o fator mais relevante na atração que uma pessoa sente pelo mesmo sexo. Segundo ela, "Não se trata apenas de buscar palavras politicamente corretas, mas – sobretudo – posturas humanas e sociais, democráticas e libertárias corretas" [01].

Nota-se que não se trata apenas de uma relação de cunho sexual: é, sobretudo, um vínculo criado pela afetividade, pelo carinho, pelo desejo de estar com o outro numa convivência harmônica, duradoura e marcada pelo amor.

Indispensável esclarecer que o estudo aqui apresentado concentra-se nos pares homoafetivos e na possibilidade deles adotarem uma criança ou adolescente. Quanto à possibilidade de pessoa homossexual adotar, não existe motivo para se contestar, tendo em vista que, no ordenamento jurídico pátrio, desde que atenda aos requisitos estabelecidos pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e pelo Código Civil de 2002, qualquer pessoa pode adotar.

Perceba que aqui não há de se falar em casal, pois a doutrina mais tradicional entende por casal o conceito que os dicionários dão ao vernáculo [02]. Da mesma forma, o Código Civil, no artigo 1.514, dispõe in verbis que "o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados."

Em sentido semelhante, a Constituição de 1988, apesar dos avanços significativos, também se refere a um homem e uma mulher, como se o legislador desconhecesse que há famílias formadas por dois homens ou duas mulheres desde os primórdios da civilização humana. É o que se vê literis: "art. 226, § 3º Para efeito da proteção de Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento."

Em função disso, argumenta-se juridicamente que os únicos grupos familiares acolhidos pela legislação brasileira são os formados pelo casamento e pela união estável entre um homem e uma mulher, além dos formados por um dos pais e seus descendentes.

Para os autores que acreditam nessa interpretação restritiva da Constituição, qualquer outra forma de família que se deseje reconhecer deverá ser "criada" por emenda constitucional, não por projeto de lei. Contudo, como será aprofundado adiante, essa interpretação puramente dogmática da Carta Magna é equivocada e, além do preconceito, revela desconhecimento dos que a defendem.

Em contrapartida, o Projeto de lei 2.285/2007, conhecido como o "Estatuto das Famílias" está em trâmite junto à Câmara dos Deputados e, se aprovado, reformulará todo o conceito de família vigente no ordenamento jurídico brasileiro. Uma das mudanças mais significativas será a união homoafetiva nos mesmos termos da união estável.

Nessa esteira, se a própria Constituição Federal prevê a igualdade e não discriminação das pessoas, por cor, raça, sexo, condição social, o exercício da sexualidade está no plano da intimidade, também protegida constitucionalmente. Dessa forma, a união homoafetiva, preenchendo os requisitos da união estável, também dá ao par homossexual o direito de exercer a paternidade ou a maternidade responsável.

Contudo, biologicamente impensável a possibilidade de duas pessoas do mesmo sexo gerarem um filho. Haveria, nessa situação a necessidade genética do sexo diverso. Assim sendo, como um par homoafetivo poderia realizar o desejo (e necessidade, em muitos casos) da maternidade ou da paternidade?

Para esse tipo de impedimento de ordem natural, o ordenamento jurídico pátrio, tem o instituto da adoção. Assim, primeiramente faz-se oportuno conceituar aqui termo que é o ponto central deste trabalho: "A adoção é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente" (WALD, 2005, p.269).

Há, ainda, outros conceitos, dentre os quais o do doutrinador Wilson Donizeti Liberati, que define que a "adoção é um ato solene pelo qual se admite em lugar de filho quem por natureza não é." (LIBERATI, 2004, p. 17).

Vale destaque, que o tema aqui abordado é a adoção por pares do mesmo sexo, que tenham vínculo afetivo e convivam no que analogicamente se equipara à união estável. Não se trata, pois, de adoção por pessoa homossexual, o que já encontra proteção no manto da lei e na jurisprudência, conforme será exposto neste trabalho.


2. Evolução Histórica da Adoção

O instituto aqui analisado sofreu diversas modificações no decorrer das mudanças ocorridas pela raça humana no decorrer do tempo. Abordar-se-á, sucintamente, algumas dessas transformações acerca da adoção no mundo e no Brasil.

2.1. Antecedentes da Adoção no Mundo

Segundo Wald (2005), a adoção teria surgido atendendo a imperativos de ordem religiosa. A família primitiva era um verdadeiro estado dentro do Estado, pois possuiu unidade política, religiosa e econômica. Assim, a adoção permitia a integração do estrangeiro que aderia à religião doméstica. Como facultava a saída de uma família e a integração a uma outra, o mundo antigo pode, através dela (a adoção), desenvolver-se e civilizar-se de forma mais pacífica.

Além disso, no direito primitivo, a adoção tornou possível a perpetuação da religião e da família, assim como os bens desta, já que o testamento só iria surgir a posteriori. Foi uma forma de instituir direitos de herdeiros sem necessidade de maiores empenhos.

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Já tendo sido objeto de legislação na Grécia, a adoção também está presente na Bíblia, no Código de Hamurabi a nas Leis de Manu. Mas foi em Roma que o instituto ganhou importância política. Inicialmente vinculada ao culto dos mortos, os direitos do adotado passaram a ser protegidos na mudança de legislação que ocorreu na época de Justiniano: passou-se a distinguir a adoção plena da adoção menos plena. A primeira, realizada por ascendente do adotado; a outra, por estranho. Na época também, passou-se a limitar a diferença de idade entre adotando e adotado.

Posteriormente, em Roma, a adoção passou a ser utilizada pelos imperadores para indicar seus sucessores. Dessa forma, perdeu o status de direito privado e passou a configurar no direito público e a técnica cômoda, que outrora servia para instituir herdeiro, passa a ser utilizada para a escolha dos futuros chefes de Estado.

Na fase seguinte, no direito romano-helênico, o instituto da adoção passa a ser utilizado por casais estéreis, perdendo, assim, a função político-religiosa. Por outro lado, na Idade Média, limitava-se à sucessão e praticamente desapareceu. O direito canônico via com reservas a adoção. Para os sacerdotes, seria uma forma de reconhecimento de filhos ilegítimos (frutos de adultérios e de incestos) e de desestimular o casamento e a constituição da família legítima.

Finalmente, no século XIX, a França ressuscitou o instituto através da sua regulamentação no Código de Napoleão. Na verdade, o que impulsionou o imperador foi o interesse que tinha em adotar um dos sobrinhos. Na prática, a lei francesa foi de pouca aplicação devido à complexidade de suas exigências, dentre as quais a necessidade de o adotante ter completado cinqüenta anos.

A partir do século XX, outras leis passaram a facilitar o instituto da adoção, inclusive abaixando a idade mínima para adotar.

2.2. Antecedentes da Adoção no Brasil

No Brasil, a Consolidação das Leis Civis, aprovada pelo Imperador em 1858, tratou apenas de forma superficial a adoção nos seus artigos 1.635 a 1.640. Posteriormente, o Antigo Código Civil, na redação originária, transferia o pátrio poder para o adotante, apenas se este não tivesse filhos legítimos, se fosse mais velho pelo menos dezoito anos que o adotado e, ainda, se tivesse mais de cinqüenta anos (artigos 368 a 378). O instituto era feito por escritura pública, registrado na circunscrição competente de Registro Civil.

Na forma primitiva daquele código, "o filho adotivo era equiparado ao legítimo, mas em concorrência à herança com o filho legítimo superveniente, visto que o primeiro recebia a metade da cota atribuída ao segundo" (WALD, 2005, p.273).

Em 08 de maio de 1957, a Lei n° 3.133 é publicada e reformula a adoção. Isso significou, na época, um avanço, já que trouxe substanciais modificações que tornaram mais fácil a aplicação do instituto.

Essa lei reduziu para trinta anos a idade mínima para o adotante. Este, se casado, deveria ter pelo menos cinco anos de vida conjugal e ser no mínimo dezoito anos mais velho que o adotado. Com exceção de marido e mulher, apenas uma pessoa poderia adotar.

Também o tutor ou curador poderiam, após prestar contas da administração dos bens do pupilo ou do curatelado, adotá-lo. Importante ressaltar que a adoção era feita mediante consentimento do adotado ou do seu representante legal (se menor ou incapaz). Além disso, cessada a menoridade ou a interdição, o adotado poderia desligar-se desse vínculo através de acordo com o adotante ou nas formas em que a lei permitia a deserdação.

Mantida a forma de escritura pública como exigível para o ato da adoção, o parentesco limitava-se apenas às partes (adotante e adotado). A única exceção referia-se a impedimentos matrimoniais entre o adotante e o cônjuge do adotado; ou entre o adotado e o cônjuge do adotante; ou, ainda, entre o adotado e filho superveniente do adotante (artigos 376 e 183, III e V, do CC revogado).

Essa limitação trouxe dúvidas com relação aos direitos dos descendentes do adotado: eles teriam direito à herança do adotante no caso do genitor já estar morto? A doutrina e a jurisprudência não tratavam do assunto de forma pacífica e apenas lei posterior iria solucionar esse impasse jurídico.

Quanto ao parentesco natural, à exceção do pátrio-poder, que passava para a pessoa do adotando, os direitos e deveres permaneciam os mesmos. Isso significa, por exemplo, que, no caso do pai adotante não poder manter o adotado, este poderia pedir alimentos ao pai natural.

Após vários projetos tentarem resolver a questão da adoção no Brasil, é publicada, em dois de junho de 1965, a Lei 4.655, Essa lei finalmente legitima a adoção, o que era um anseio da parte da população interessada no tema.

A partir de então, a legitimação ocorria por decisão judicial e com acompanhamento do Ministério Público. De forma irrecorrível, a sentença provocava a averbação do registro da família natural. Outra modificação foi a possibilidade da adoção por pessoas com menos de trinta anos, desde que casadas há mais de cinco anos, provando ser estéril e ter vida conjugal estável.

A Lei n° 4.655 foi revogada pela Lei n° 6.697, conhecida como "Código de Menores", em 1979. Como a lei posterior não revogou a adoção simples, regida pelo Código Civil, passaram a coexistir duas formas de adoção: a plena, com legitimação adotiva; e a simples, pelo Código Civil e pelo Código de Menores (artigos 27 e 28).

O que particulariza a adoção plena é que, além de manter a legitimação adotiva, atinge, além do adotante, a família deste. Isso resolve a questão dos direitos sucessórios do adotado e de seus descendentes.

No ano de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 1990), no seu artigo 267, revogou expressamente a lei n° 6.697. Fundamentado na Doutrina Jurídica da Proteção Integral, regulamentou a adoção de menores, ao passo que manteve as regras do Código Civil para a adoção de maiores, de acordo com o artigo 227, parágrafo 5° da Constituição Federal.

Assim, no que diz respeito à adoção de menores, o Estatuto revogou também o disposto no Código Civil de 1916 e passou a reger sozinho todas as disposições acerca do assunto.

Na Seção III, o ECA estatue as regras aplicáveis à família substituta. Na Seção IV, nos artigos 39 a 52, todos os aspectos relativos à adoção de menores de dezoito anos são regulamentados minuciosamente. Esses e outros aspectos serão apresentados no decorrer deste trabalho, de acordo com a pertinência do tema e, por isso, não será esgotado neste momento.

Finalizando, no Novo Código Civil, o legislador buscou afastar a distância entre o Código de 1916 e as necessidades de mudanças na matéria referente à filiação. Para isso, estatuiu no artigo 1597 que "os filhos, havidos ou não na relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".


3. Crise na Família Tradicional e Novas Famílias Possíveis

Tecendo um breve apanhado histórico, pode-se constatar que a condição sexual, que sempre serviu para estabelecer os vínculos que geram direitos e obrigações mútuas, tende a não subsistir diante do perfil da nova família.

Basta lembrar que as relações sexuais, na vigência do Código Civil de 1916, só eram legítimas dentro do casamento. Esse entendimento perdurou até a promulgação do "Estatuto da Mulher Casada" e da "Lei do Divórcio", o que significa dizer que só gozavam dos direitos referentes à filiação os filhos gerados dentro do casamento.

Como se não bastasse, a mulher casada era considerada relativamente incapaz para os atos da vida civil, o que a impedia de exercer ocupação remunerada e de tornar-se proprietária de bem imóvel sem autorização escrita do marido. Destarte, uniões consideradas contrárias à instituição família (extra-matrimoniais) eram condenadas pela sociedade que estigmatizava o casal e considerava "bastardos" e ilegítimos os filhos nascidos dessas relações.

Felizmente, a partir da publicação do Código Civil de 2002, observa-se uma crescente tendência ao reconhecimento, pela sociedade e pelo próprio Estado, das variadas formas de família. A afetividade nas relações passa ao eixo central em detrimento da sexualidade e dos vínculos puramente genéticos. Assim, uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo não podem mais ser tratadas como algo condenável ou que deva permanecer na obscuridade.

Nesse sentido, já é fato na jurisprudência pátria que é cada vez maior o número de julgados instituindo o direito obrigacional entre pares homoafetivos que constituíram, de forma contínua, durante um determinado espaço de tempo no qual somaram esforços comuns, uma relação familiar afetiva.

Para Enézio de Deus Silva Júnior,

"A decadente família patriarcal, por exemplo, foi erigida culturalmente (como já visto, com o reforço ideológico de todo um aparato político-religioso) à condição ideal indissolúvel de entidade familiar. Isso contribuiu para que se reduzisse a visão da dinâmica intersubjetiva da afetividade humana, em suas múltiplas possibilidades de manifestação e de organização, [sic] no âmbito histórico-social". (2008, p. 39)

Segundo ele, a estrutura familiar que deve ser defendida é, antes de qualquer coisa, o espaço psíquico e afetivo das pessoas. Isso exclui a compreensão da família como tendo "a verdade heterossexual estabelecida como padrão normal de sexualidade" (2008, p. 39).

Daí o reconhecimento de famílias plurais, defendido pela Desembargadora Maria Berenice Dias: são famílias matrimoniais, informais, homoafetivas, monoparentais, anaparentais, pluriparentais, paralelas e, ainda, eudemonistas.

Por família matrimonial entende-se a acepção familiar constituída através do casamento civil e/ou religioso. Até a atual Constituição, era a única entidade familiar admissível em direito.

Após a publicação da Carta Magna, as famílias informais passaram a ser acolhidas sob o conceito de união estável tendo, em linhas gerais, os mesmos direitos que as famílias tradicionalmente reconhecidas. É o que se vê no artigo 226, parágrafo 3° da Constituição Federal, in verbis: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento".

Por outro lado, a família monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes, encontra abrigo na Lei Maior, no seu artigo 226, parágrafo 4°. É o tipo de família que já representa um terço das famílias brasileiras e, por estranho que pareça, ainda não encontra abrigo no manto do Código Civil, o qual se omite quanto aos seus direitos.

Há, ainda a família anaparental, cuja convivência é marcada pela união de esforços durante um longo período de tempo sem conotação de ordem sexual. Parte da doutrina, a exemplo da Desembargadora Berenice Dias, acredita que, por analogia, cabe aplicar "as disposições de que tratam o casamento e a união estável" (2007, p. 47).

Seria um exemplo fático, a convivência duradoura de duas irmãs no mesmo domicílio, comungando esforços na construção de um patrimônio comum. Morrendo uma delas, seria cabível dividir igualmente os bens adquiridos com o trabalho das duas entre todos os demais irmãos? Pelo entendimento aqui defendido, caberia invocar a Súmula 380 do Superior Tribunal Federal, reconhecendo como sociedade de fato ou, ainda e preferencialmente, utilizar-se da analogia e reconhecer relação familiar equiparada à união estável.

Também chamadas de mosaico, a família pluriparental traz, no seu bojo, uma multiplicidade de vínculos decorrentes de novas formações resultantes de fatos como o divórcio, a separação, novos casamentos, além das famílias não-matrimoniais e das famílias frutos de desuniões.

Realidade cada vez mais presente na sociedade brasileira, esse tipo familiar parece ser desconhecido pelos legisladores que, em momento algum, fazem qualquer referência a ela, salvo quando possibilitaram, no artigo 1.626, parágrafo único do Código Civil, que o companheiro da mãe pudesse adotar o enteado, desde que com a permissão do pai registral. Na prática, essa possibilidade de adoção parece mais uma ficção, uma vez que dificilmente o pai biológico permite a adoção por parte do companheiro da mãe da criança.

Outro tipo de família aqui abordado é o da família eudemonista, ligada pela afetividade, pela busca da felicidade e da realização pessoal.

"A família identifica-se pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca.

(...) não mais existem razões morais, políticas, físicas ou naturais que justifiquem a excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas" (DIAS, 2007, p. 53)

Acrescenta-se, ainda, a família paralela, tratada pelo direito como concubinato. Tal modalidade não encontra apoio nas leis do Estado, uma vez que, no Brasil, a monogamia é condição indispensável para o reconhecimento de núcleo familiar. Dessa forma, mantendo a coerência legal, o direito brasileiro protege os filhos nascidos da relação de cuncubinato, já que a Carta Magna equiparou todos os filhos havidos dentro ou fora do casamento civil. No entanto, já há alguns julgados reconhecendo os direitos de concubino supérstite que convivia há mais de quarenta anos concomitantemente ao casamento do de cujos.

Finalmente, no final do século XX, desponta um novo tipo de formação familiar, até então escondida, camuflada ou rejeitada pela sociedade: a homoafetiva, composta por pares do mesmo sexo. A esse tipo de família era negado o reconhecimento (por preconceito ou receio do legislador que ainda não a normatizou, como fez com a união estável).

Contudo, a Lei Maria da Penha, nos artigos 2° e 5°,§ único, faz ressalva acerca da opção sexual da pessoa que sofre violência doméstica. Dessa forma, "Como veio proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar, definiu família e albergou no seu conceito as uniões homoafetivas". (DIAS, 2007, p. 46)

Como exposto, várias são as possibilidades de formação familiar, o que evidencia a crise da tradicional família patriarcal e o surgimento de novos núcleos familiares ainda ignorados pelo Estado, mas cada vez mais freqüentes e aceitos pela sociedade neste início de século XXI.

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Sobre a autora
Maria Aparecida Silva Matias Diniz

Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires), Advogada, Professora. Membro do IBDFAM, Bacharela em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC). Formada em Letras - Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Pós-graduada em Direito do Estado - Jus Podivm, Pós-graduada em Gestão Pública - UNYAHNA: Instituto de Educação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos.: Uma tendência da nova família brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1985, 7 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12059. Acesso em: 23 dez. 2024.

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