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Adoção por pares homoafetivos.

Uma tendência da nova família brasileira

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4. Da possibilidade da Família Homoparental ser Equiparada à União Estável

O ordenamento jurídico brasileiro, quando se refere ao casamento civil e à união estável, faz a menção à união entre "um homem e uma mulher". É o que se vê no Código Civil (artigos 1.514 e 1.723). Partindo desses dispositivos, a corrente contrária à equiparação da união homoafetiva à união estável entende que há defesa legal para tal possibilidade.

Acrescenta, ainda, tal corrente que, como o casamento civil também tem como requisito a existência de "um homem e uma mulher" e a Carta Magna prevê a facilitação da união estável em casamento civil, seria impossível casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. É o que está disposto no artigo 226, §3º da Constituição Federal: "para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento."

No entanto, a lacuna deixada pelo legisladore no que tange às relações homoafetivas é incontestável, tendo em vista que a própria Constituição de 1988 garante igualdade entre todas as pessoas independentemente de sexo. Além disso, se a "família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (artigo 226, caput), como justificar tal discriminação imposta a famílias que têm dois homens ou duas mulheres convivendo numa relação afetiva contínua, duradoura, pública e com objetivos comuns?

Esse silêncio do legislador, além de fruto do preconceito, também se origina no receio de desagradar parte da sociedade que insiste em fingir que a decadente família patriarcal ainda é a única possibilidade de núcleo familiar que merece o amparo do Estado. É claro que o reconhecimento da família informal (união estável) e da família monoparental como entidades familiares significaram um avanço. Mas ainda é pouco.

Verdade é que a Constituição de 1988 foi publicada antes do homossexualismo ser retirado do CID como patologia e o Código Civil de 2002 manteve os requisitos "um homem e uma mulher" para o reconhecimento familiar diante do Estado. Entretanto, com as mudanças ocorridas na mentalidade e no comportamento das pessoas, inclusive formando e assumindo novas formas de núcleos familiares, faz-se necessária uma interpretação analógica e extensiva da lei para que a união estável se estenda a pessoas do mesmo sexo.

Nesse sentido, a Lei 11.340/2006, conhecida como "Lei Maria da Penha", reconhece como família, "a união de pessoas relacionadas de forma espontânea e afetivamente, sejam ou não aparentadas, vivam ou não sob o mesmo teto, hetero ou homossexuais." [03]

É o que se vê no artigo 2º in verbis :

"Art. 2º  Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social."

Nessa esteira, como a referida Lei se destina a proteger a mulher da violência, nada mais natural que essa proteção se estenda contra lésbicas que agridam suas parceiras. Além disso, reconhece a família formada por pessoas do mesmo sexo quando prevê, no inciso III do artigo 5º, "em qualquer relação íntima de afeto", excluindo claramente a orientação sexual. É o que se vê literis:

"Art. 5º  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual."

Mas não é só: o Projeto de Lei 2.285 de 2007, intitulado de "Estatuto das Famílias", Encontra-se em trâmite junto à Câmara dos Deputados. Caso seja aprovado, será reconhecida legalmente a união entre duas pessoas do mesmo sexo. Isso significa que serão aplicadas às famílias homoafetivas as mesmas regras da união estável, incluindo regime de bens e qualificação.

Considerando que o atual Livro de Direito de Família do Código Civil foi concebido na década de 1960 e introduzido pelo Código Civil de 2002, nota-se incontestável defasagem e paralisia diante do quadro dinâmico das relações familiares no atual mundo globalizado. Nesse esteio, o Projeto Lei surge como uma esperança de evolução nas normas que regulam o direito de família.

Pelo referido projeto, o "Direito das famílias" será retirado do Código Civil e passará a viger lei autônoma para regular material e processualmente as relações de família.

"Nesse sentido, quer revogar totalmente o Livro IV- Do Direito de Família, do Código Civil, e também alguns dispositivos do Código de Processo Civil, a atual Lei de Alimentos (lei 5.478/68), a Lei de Divórcio (lei 6.515/77) e a Lei de Investigação de Paternidade de filhos havidos fora do casamento (lei 8.560/92), e ainda os artigos 70 a 76 da Lei de Registros Públicos." (PASSARELLI, 2008)

Nessa esteira, o entendimento doutrinário-jurisprudencial já está se pacificando quando reconhece que a união estável homoafetiva, por analogia, é possível, até que o legislador cubra essa lacuna. É o que se vê abaixo:

EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (TJRS Ap Civ 70012836755 – 7ª CC – j. 21.12.2005 – rel. Desa. Maria Berenice Dias)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem reiterado o posicionamento no sentido de considerar possível o pedido de reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. É o que se vê literis:

"HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. PPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possivel o processamento e o rteconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na constituição federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao mesmo sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso pais, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruido o feito. Apelação provida. (apelação n. 598362655, oitava câmara civel,Ttribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, rel. des.Jjosé Trindade, data do julgamento 01/03/2000)"

Isso significa que, para boa parte dos magistrados, se um par homoafetivo estabelece uma relação familiar com comunhão de esforços para a constituição ou a manutenção de patrimônio comum e um deles vêm a falecer, o sobrevivente não encontra amparo no direito de família, mas apenas no campo do direito das obrigações.

Mais importante, a falta de reconhecimento desse tipo de união como núcleo familiar ofende o princípio da isonomia (igualdade jurídica sem distinções de qualquer natureza), insculpido no artigo 5º da Carta Magna, constituindo ainda ofensa à honra e a imagem dos integrantes desses núcleos (protegidos pelo inciso X do mesmo artigo), e atentando contra a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).


5. Processo de Adoção

Para que a adoção seja possível, não necessários alguns requisitos previstos pelo ECA, na Seção IV (Da Colocação em Família Substituta"), transcrita in verbis:

"Art. 165. São requisitos para a concessão de pedidos de colocação em família substituta

I - qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste;

II - indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não parente vivo;

III - qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos;

IV - indicação do cartório onde foi inscrito nascimento, anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão;

V - declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.

Parágrafo único. Em se tratando de adoção, observar-se-ão também os requisitos específicos."

Além do ECA, também o Código de Processo Civil regula a adoção no Brasil. Esse instituto pode ser utilizado tanto para maiores de dezoito anos de idade como também para crianças e adolescentes menores, porém só ocorre através de processo judicial, com a efetiva participação do Ministério Público, uma vez que se configura uma ação de estado, conforme previsto na legislação.

A tramitação deste tipo de ação ocorre nas varas de família, para ambos os tipos de adoção, maiores de idade ou crianças e adolescentes, independente do tipo de situação, mesmo em condições envolvendo litígio. Afora isso, somente nos casos em que haja situação de risco comprovado, a competência do processo para adoção de crianças e adolescentes migra para as varas da infância e juventude.

Além disso, o princípio do juízo imediato deve ser sempre observado quando da definição da competência do processo, devendo sempre ser observado o critério que melhor atenda aos objetivos e que possa ter a mais eficaz prestação jurisdicional. Para o cumprimento processual, é necessária que se promova um estudo social, realizado por uma equipe interdisciplinar, sendo ainda necessário estabelecer um estágio de convivência preliminar à concessão da adoção.

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Apesar deste estágio de convivência não ser previsto no Código Civil, ele é aplicado no processo de adoção de crianças e adolescentes, podendo ser dispensado pelo juiz condutor do processo quando ocorrer do adotando ter menos de um ano de idade, ou então, em caso de qualquer idade, se o mesmo já convive com o adotante por um tempo que permita avaliar a conveniência do vínculo já existente.

Mesmo o Código Civil não prevendo o estágio de convivência, ele prevê que quando o adotando tiver mais de doze anos, deverá ser ouvido e a opinião do mesmo deverá ser considerada no processo. A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada no Brasil (o que lhe confere força normativa), prevê que as opiniões das crianças sejam consideradas no processo, segundo a idade e maturidade das mesmas, de modo a colher a opinião dos menores sob todos os aspectos nos quais os seus direitos estão sendo decididos.

Em outras palavras, no sentido de melhor proteger o interesse da criança, é imprescindível que a mesma seja ouvida, qualquer que seja sua idade, língua falada ou grau de maturidade, sendo que esta atividade não deve ser do juiz, porém ser realizada por um profissional habilitado, de preferência da área de psicologia ou do serviço social.

Como o processo de adoção garante todos os direitos previstos na filiação, seu deferimento prevê a destituição do poder familiar. Caso os genitores não venham a concordar com a adoção, o normal é exigir com antecedência a desconstituição do poder familiar.

Inicialmente, quando se configurava a situação da não concordância do processo de destituição do poder familiar, o processo de adoção era extinto por se caracterizar numa impossibilidade jurídica do pedido. Atualmente, contudo, há jurisprudência no sentido de seguir simultaneamente com as demandas dos processos de adoção e destituição do poder familiar, porém formalismos processuais não prevalecem em processos pertinentes aos direitos de crianças e adolescentes.

Uma vez que o processo de adoção implica na perda do poder familiar, não há a necessidade de se ingressar com uma ação específica de destituição de poder, sendo que este pleito pode ser considerado implícito no processo de adoção, sendo a destituição do poder familiar reconhecida como resultado da sentença homologatória do processo de adoção. Nesse caso, é exigida somente a citação dos genitores, configurando, assim, o litisconsórcio necessário, exigível somente quando não ocorrer qualquer uma das condições em que a concordância dos genitores é dispensável.

O vínculo da adoção é processado através de sentença judicial que dispõe sobre a eficácia do ato e seus efeitos a partir de seu trânsito em julgado. Somente na hipótese de falecimento do adotante, durante o decorrer do processo de adoção, a sentença disporá de efeito retroativo à data do óbito, considerando já ter havido manifestação de vontade por parte do mesmo.

Dessa forma, a sentença será inscrita mediante mandado judicial, no registro civil, sem que seja indicada qualquer referência à origem do ato. Este interesse é tamanho que no registro de nascimento do adotado não deve consta nenhuma observação, sendo ainda vedado o fornecimento de certidão.

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Sobre a autora
Maria Aparecida Silva Matias Diniz

Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires), Advogada, Professora. Membro do IBDFAM, Bacharela em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC). Formada em Letras - Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Pós-graduada em Direito do Estado - Jus Podivm, Pós-graduada em Gestão Pública - UNYAHNA: Instituto de Educação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos.: Uma tendência da nova família brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1985, 7 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12059. Acesso em: 23 nov. 2024.

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