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Processo legal devido no âmbito disciplinar.

(Des)necessidade de defesa técnica?

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11/01/2009 às 00:00
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2. DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Como já se afirmou alhures, a temática do processo administrativo se afigura de extrema relevância diante das concepções do Estado de Direito, amparadas pelo ordenamento jurídico pátrio.

Assim, é de se reconhecer, na esteira do pensamento de José Roberto Pimenta Oliveira, que:

Com a consagração do devido processo legal na Constituição de 1988, e a importantíssima concretização de seus vários desdobramentos em leis disciplinadoras do processo administrativo (destacadamente, pela abrangência, a Lei Federal nº 9784/99), o fenômeno da procedimentalização da atividade administrativa já se pode considerar uma tendência consolidada, com inúmeras conseqüências positivas para o desempenho da função administrativa, dentro dos parâmetros exigidos pela Lei Maior.

A outorga de relevância ao procedimento administrativo é corolário inseparável da consagração do Estado Democrático de Direito, pautado na cidadania e na dignidade da pessoa humana (Parte III, Cap. 3, tópico 3.2.1). Serve o mesmo de instrumento primordial de controle interno e externo da forma como se exerce a função administrativa, bem como de pressuposto inequívoco do bom desempenho desta função, na cura dos interesses públicos que lhe são impostos a implementar. [23]

É de ver-se que o tratamento jurídico dispensado ao processo administrativo assume, com o passar dos anos e diante d’outra concepção do exercício da função administrativa, a feição de garantia indispensável ao cumprimento dos princípios e deveres administrativos, mormente quando importem em interferência no cotidiano dos administrados.

De fato, o procedimento administrativo passa a significar a concretização da vontade administrativa por meio de atos concatenados, circunstância que, per si, já desperta o interesse em seu controle na esfera dos direitos e garantias fundamentais.

Impende ressaltar que, a teor dos artigos 8º e 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a garantia ao processo foi erigida ao patamar de direito humano universal, nestes termos:

Artigo VIII

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem  os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.   

Artigo X

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.   

Assim garantido, surge a primeira problemática em derredor da matéria no âmbito administrativo. Será correto, como referido, utilizar-se indistintamente as expressões processo e procedimento?

2.2. Questão terminológica: processo ou procedimento?

No âmbito da doutrina brasileira, existe grande dissenso em derredor da adequada terminologia a ser aplicável ao exercício da função administrativa. Assim é que, tal como na esfera judicial, busca-se o emprego da expressão "processo administrativo", em evidente alusão ao "processo judicial". Em defesa de tal denominação, os doutrinadores expõem que a terminologia "processo" transcende ao direito processual, estando no campo da Teoria Geral do Direito e podendo ser empregada sempre que se trate de expressão de legítimo exercício de poder, sendo irrelevante tratar-se da esfera judicial, administrativa, legislativa ou política. [24]

De outra sorte, entendem, alguns autores, que a expressão "processo" é reservada estritamente ao deslinde dos casos contenciosos, sendo adequada, para os demais casos, a aplicação da terminologia "procedimento", como modalidade ritual de cada processo.

No tocante ao tratamento legislativo, em que pesem serem recentes os estudos mais aprofundados sobre a temática [25], percebe-se a utilização da terminologia processo administrativo [26], bem como, para outros, o emprego do "procedimento administrativo" [27].

Roberto Dromi, na análise do ordenamento jurídico argentino, utiliza-se da expressão "procedimiento administrativo", para designar o instrumento jurídico que viabiliza a relação entre administrado e Administração. Assim, expõe que:

"específicamente el procedimiento administrativo indica las formalidades y trámites que deben cumprir la Administración (en el ejercicio de la función administrativa) y los administrados (en su gestión de tutela individual com participación colaborativa en el ejercicio de la función administrativa" [28]

A disciplina normativa do ordenamento jurídico argentino contempla uma grande variedade de mecanismos de proteção administrativa, como, por exemplo, os recursos, reclamações e denúncias conforme a atividade administrativa referenciada. De forma exemplificativa, pode-se mencionar a lei nº 19.549, e modificações posteriores. Nessa norma, referencia-se tratar de disposições atinentes ao procedimento aplicável à Administração Pública Nacional direta e indireta, inclusive os organismos autárquicos, excepcionando-se, de outro modo, as organizações militares.

À margem do dissenso apontado, Celso Antônio Bandeira de Mello expõe que o procedimento administrativo ou processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo [29]. E complementa, afirmando que:

Não há como negar que a nomenclatura mais comum no Direito Administrativo é procedimento, expressão que se consagrou entre nós, reservando-se, no Brasil, o ‘nomen juris’ processo para os casos contenciosos, a serem solutos por um ‘julgamento administrativo’, como ocorre no ‘processo tributário’ ou nos ‘processos disciplinares de servidores públicos’ [30].

Desta forma, a par da discrepância conceitual existente na doutrina e legislação pátrias, adotar-se-á, no presente trabalho, a terminologia "processo administrativo", porquanto, mesmo para aqueles que entendem pela predominância da expressão "procedimento administrativo" – como é o caso do eminente Celso Antônio Bandeira de Mello, reserva-se àquel’outra expressão aos feitos administrativos contenciosos, situação que se afigura in casu, haja vista tratar-se do âmbito administrativo disciplinar.

É certo que a terminologia "processo administrativo" não assumirá idêntica acepção em todos os diversos campos do Direito, nos mais diferentes ordenamentos jurídicos no mundo. No âmbito do Direito Brasileiro, por exemplo, a expressão poderá servir à constituição do crédito tributário, à análise de concessão, ou não, de benefícios e vantagens ou ao procedimento de apuração e imposição de sanções aos servidores públicos. Este último interessa-nos, sobremaneira, e a seu respeito, trataremos com mais vagar.


3. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Já na Magna Carta Inglesa, de 1215, vislumbram-se as reminiscências históricas do justo julgamento dos homens. Deveriam eles, ser julgados pelos seus pares e conforme a lei da terra. Costuma-se afirmar aí, a origem da cláusula do devido processo legal, expresso na 14ª emenda à Constituição Americana, mas, antes disso, não se pode olvidar da imprescindibilidade do direito ao processo.

Observando-se a Administração Pública Brasileira, centralizada ou não [31], e especificamente no que pertine aos seus servidores, reconhece-se a incidência de poderes administrativos, donde se destaca – em razão do objeto deste estudo, o poder disciplinar, através do qual se admite, mediante instauração de processo administrativo disciplinar, a imposição de sanções em virtude do cometimento de infração administrativa elencada no estatuto funcional específico.

O exercício do direito de defesa sobrevém da própria natureza do ser humano, enquanto considerado no seio social. Aliás, a sátira do processo kafkaniano causa espanto não só pela dificuldade de intelecção de suas regras e determinações como também, e principalmente, pela inexistência de qualquer forma de defesa pelo acusado.

Por oportuno, registre-se que a regulamentação do processo administrativo dependerá da edição de normas legais específicas de cada um dos entes federativos, em razão da competência legislativa própria, mas se admitindo a aplicação subsidiária da normatização federal.

No que pertine, especificamente, ao processo administrativo disciplinar, é de ver-se que seu tratamento normativo não deflui da generalidade das leis de processo administrativo, mas sim do estatuto especial dos servidores públicos, utilizando-se, subsidiariamente, daquelas normas gerais dantes mencionadas.

Em linhas gerais, os processos disciplinares comportam uma subdivisão em sindicância e processo administrativo disciplinar (PAD), sendo, o primeiro, um procedimento investigativo com intuito de esclarecer supostas irregularidades administrativas imputadas aos servidores públicos, resultando, eventualmente, na instauração de processo administrativo disciplinar contra aquele servidor ao qual se atribui a prática da infração administrativa.

Para Odete Medauar, "em essência, processo administrativo disciplinar é a sucessão ordenada de atos destinados a averiguar a realidade de falta cometida por servidor, a ponderar as circunstâncias que nela concorreram e a aplicar as sanções pertinentes" [32]

Impende registrar que os fatos apurados por meio do PAD podem advir de representação, queixa, denúncia ou mesmo do resultado de sindicância prévia, mas a sua instauração necessariamente se dará com a edição de portaria pela autoridade hierarquicamente superior ao servidor processado.

A portaria que inicia tanto a sindicância quanto o processo administrativo stricto sensu, determina a formação de uma comissão processante, composta por servidores públicos, que prestarão compromisso de trabalhar na busca da verdade dos fatos, sem dolo e sem malícia.

Quanto aos aspectos formais atinentes à instauração do procedimento disciplinar, Odete Medauar explicita:

A portaria inaugural e o mandado de citação, no processo administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado. Ninguém pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe são imputadas. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer às regras do devido processo legal [33]

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Com o início do procedimento, o acusado é citado para apresentar defesa prévia e é exatamente neste ponto que reside o cerne da questão: tal defesa deverá ser elaborada por profissional do Direito, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil e devidamente constituído por mandato, ou a apresentação de razões pelo próprio acusado ou terceiros é suficiente para a efetivação da garantia do devido processo legal? Sobre tal indagação, tratar-se-á detidamente no momento oportuno.

Instaurado o processo administrativo e citado o servidor, abre-se-lhe o prazo de cinco dias para oferecimento da defesa prévia, através da qual, de regra, apresenta-se um arrazoado genérico dos fatos na visão do acusado e pugna-se pela realização de provas, especialmente a testemunhal, na oportunidade da audiência de instrução.

Genericamente, as testemunhas são intimadas por meio de mandado encaminhado pela própria Comissão processante ou, quando se tratem também de servidores públicos, são requisitadas diretamente aos seus superiores hierárquicos. Outras provas podem ser realizadas na fase de instrução, a depender da situação que se apura e consoante interesse do acusado ou determinação da Comissão Processante.

Excepcionalmente, o estatuto funcional pode estabelecer regras diversas quanto à formalização do PAD, como se observa, v.g., com a lei baiana 10.845/2007, que trata da Organização do Poder Judiciário Estadual e, por óbvio, também disciplina as regras do regime disciplinar. Neste passo, dispõe-se o prazo de dez dias (e não cinco) para apresentação da defesa prévia no PAD que, também regido por provimentos da Corregedoria de Justiça, serão presididos por um juiz auxiliar da Corregedoria ou o próprio Juiz de Direito da Vara ou Comarca à qual o servidor se encontra vinculado. [34]

Retomando-se a análise das fases do PAD e resguardando-se as excepcionalidades de cada estatuto específico, após a produção probatória, inclusive a audiência das testemunhas, e da oitiva do acusado, em interrogatório, tem-se a apresentação das alegações finais, no prazo de dez dias do encerramento da instrução, oportunidade em que a defesa fará uma sinopse das provas produzidas em confronto com o seu arrazoado inicial, de modo a permitir-lhe a absolvição quanto à infração administrativa que lhe fora imputada, ou a redução da gravidade do ilícito, e minoração da sanção imposta.

Em conclusão, a Comissão Processante elaborará um parecer conclusivo, opinando pela condenação ou absolvição do servidor processado e submeterá sua análise à autoridade hierarquicamente superior, a quem cabe a decisão final do PAD, e sobre a qual ainda cabe a interposição de recurso administrativo.

Saliente-se que, de todo modo, esgotadas as instâncias administrativas, é possível ainda ao servidor público, a proposição de ação judicial tendente à anulação da decisão administrativa, em homenagem ao princípio da inafastabilidade do controle judicial, consignada no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, cuja análise, pelo objeto deste estudo, não será aprofundada.


4. DAS GARANTIAS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO:

Conquanto se encontrem registrados precedentes jurisprudenciais [35], são outros os tempos aqueles em que se admitia a supressão de um direito – como os proventos de aposentadoria, sem a garantia do processo administrativo.

Atualmente, à vista das consolidadas bases do Estado Democrático das quais erigem o contraditório e a ampla defesa, não se há de permitir a imposição ou restrição de direitos sem que seja oportunizado o devido processo legal, sob pena de invalidação pelo Poder Judiciário ou pela própria Administração Pública, com fulcro no princípio da autotutela [36].

Na seara do processo administrativo, Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, em obra inteiramente dedicada ao tema, observam, brilhantemente, que:

Somente se pode pensar em efetiva realização do princípio democrático quando e onde se possa o administrado participar da feitura do querer administrativo, ou da sua concretização efetiva. Para tanto, imprescindível é que se assegure ao cidadão o postular junto à Administração, com a mesma sorte de garantias que lhe são deferidas no processo jurisdicional – particularmente as certezas do contraditório, da prova, do recurso e da publicidade [37].

Em última instância, amparando-se na lição dos citados doutrinadores, o processo administrativo se constitui em instrumento seguro de demonstração do "querer administrativo", o qual, num Estado de Direito que se pretende Democrático, somente poderá advir das garantias constitucionais que lhe são asseguradas.

No entendimento de Ferraz e Dallari, aliás, podem ser considerados objetivos fundamentais do processo administrativo:

"disciplinar, conferindo transparência e objetividade, os meios pelos quais a Administração Pública por intermédio de seus agentes, toma decisões; e assegurar o respeito a todos os atributos da cidadania no relacionamento entre a Administração e os administrados, inclusive seus próprios agentes." [38]

A este entendimento, perfilha-se a lição da doutrina espanhola, extraída de Bandeira de Mello:

Tomás-Ramón Fernández, precitado, anota que o procedimento administrativo complementa a garantia da defesa em sede jurisdicional por dois ângulos: de um lado porque – uma vez disciplinada a conduta administrativa desde o 1º ato propulsivo até o ato final – impede que os interesses do administrador sejam considerados ‘ex post facto’, vale dizer, depois de atingidos, pois oferece oportunidades ao interessado de exibir suas razões antes de ser afetado. [39]

Deste modo, restará eternamente afastado o temor do autoritarismo e arbítrio que, por séculos, orientaram o desenvolvimento da função administrativa pelo Estado. Garantias processuais são, portanto, muito mais que instrumentos formais, são meios assecuratórios da efetividade dos direitos humanos consagrados há 60 anos, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e dos direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988.

Constata-se, por conseguinte, a preocupação do Constituinte em influir, diretamente, nas relações jurídico-processuais, de modo a assegurar a almejada isonomia material. Assim, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira:

Desta sorte, a Constituição passa a influenciar de forma direta a posição jurídico-material dos indivíduos perante os tribunais, garantindo posições jurídicas subjetivas, assumindo natureza de direitos de defesa perante os poderes públicos com dimensão objetivo-institucional, funcionando como princípios jurídico-objetivos para a conformação dos tribunais e do processo judicial. Sublinhe-se a grande riqueza oferecida pelo ordenamento constitucional brasileiro no concernente às máximas processuais, a evidenciar a visão essencialmente comprometida do Constituinte de 1988 com a garantia dos direitos processuais do cidadão e sua preocupação em evitar ou pelo menos minimizar o autoritarismo dentro do processo [40]

Neste sentido, como reflexos do contraditório e da ampla defesa, mencionam-se algumas garantias do acusado no âmbito do processo administrativo extraídas da Lei 9784/99, quais sejam: o direito de ser citado para tomar ciência da acusação que lhe é imputada, fazendo-se acompanhar de cópias de documentos que compõem os autos (art. 3º, II), o direito de requerer a produção de provas e formalidades (art. 38, caput da lei 9784/99 e 156 caput da Lei 8112/90 – Estatuto dos Servidores Públicos Federais), o direito de fiscalizar as provas colhidas pela comissão processante (art. 156 da L. 8112/90), o direito de não produzir prova contra si mesmo, em analogia aos princípios do processo penal, existindo também quem mencione o direito de nomeação de defensor ad hoc, mas sobre este aspecto tratar-se-á oportunamente.

Como já se disse alhures, o processo administrativo não ficou à margem desta proteção constitucional, mas, ao revés, restou expressamente abarcado pelas disposições da Constituição, principalmente ao se garantir aos acusados, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e a ampla defesa, consectários lógicos do devido processo legal, cuja análise se seguirá com mais vagar.

4. 2. Do Princípio do Devido Processo Legal:

Do que se disse até o momento, não se explicitou o "por quê" da escolha da expressão "processo legal devido" em detrimento da vasta aplicabilidade da terminologia do devido processo legal.

Nestes termos, é de se reconhecer que o processo – mormente o administrativo, deve estar vinculado às prescrições legais, e, in casu, pela influência da legalidade estrita, mas tal não se verificará devido, se não se lhe acudirem as garantias constitucionais da razoável duração do processo, dos consectários da ampla defesa e do contraditório, com vistas a atingir a finalidade última da Administração Pública: o atendimento dos interesses públicos, sem olvidar da proteção aos direitos individuais.

Neste sentido, Ferraz e Dallari:

"Sempre há de estar [o processo administrativo], contudo, o antecedente jus-filosófico inafastável: ‘processo legal devido’ – assim escandida a expressão:

Processo – seqüência de atos concatenados e encadeados em que todos os "interessados" (aí incluída a Administração – parte) tenham forças idênticas;

Legal – a anatomia e a fisiologia, ou seja o aparato e o procedimento, hão de estar previamente estabelecidos em lei, inteiramente reverentes à axiologia constitucional pertinente;

Devido – o processo legal há de ser eficiente, proporcional, transparente e isonômico no equacionamento da deflagração e do favorecimento das instâncias de dirimência. " [41]

Assim também, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira:

O princípio [do devido processo legal] não se esgota em assegurar a regularidade do procedimento, abrangendo também a possibilidade de ambas as partes sustentarem suas razões e apresentarem suas provas, e assim, influírem por meio do contraditório na formação do convencimento do juiz. Por tais razões, o aspecto mais essencial do devido processo legal é o de assegurar o contraditório e a ampla defesa. [42]

Sob ângulos distintos poderá ser entendida a cláusula do ‘due processo of law’: genérico, que se biparte em material e processual. O devido processo legal no sentido genérico tutela os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, devendo-se entender neste sentido a previsão do art. 5º, LIV da Constituição. No sentido material ou substancial (substantive due process), a cláusula versa a respeito dos direitos materiais e à sua proteção por meio de processo judicial ou administrativo. No sentido processual (procedural due process), tem o sentido de atribuir-se aos litigantes diversas garantias dentro da relação jurídico-processual [43]

Deste modo, concluindo-se pela incidência das garantias constitucionais no âmbito do processo disciplinar, deflui-se deste raciocínio, a importância da efetividade da ampla defesa do acusado. Se assim o é, somente com a participação efetiva de profissional habilitado, o Advogado, é que se poderá garantir defesa ampla ao servidor processado, resguardando-se, com isso, o processo legal devido. Aliás, nesta esteira de entendimento, está Odete Medauar:

"No processo disciplinar, exige-se a defesa técnica. Por isso, o indiciado deve constituir advogado para assisti-lo no processo; se não o fizer, a Administração é obrigada a indicar advogado dativo sob pena de anulação do processo.

Integram a garantia do contraditório, em especial: o advogado e o indiciado têm o direito de acompanhar o processo; têm direito a vista e cópia dos autos; o advogado deve ser cientificado de todos os atos da instrução, com certa antecedência (em geral, mínimo de 48 horas). Integram a ampla defesa, nessa fase, em especial: o indiciado, arrolar e reinquirir testemunhas, solicitar e produzir provas e contraprovas, formular quesitos na prova pericial". [44]

A inserção dos incisos LIV e LV no artigo 5º da Constituição Federal, especificamente no Título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", importa na demonstração de limitação da atuação estatal já que toda intervenção na liberdade e propriedade individuais deverá ser precedida do devido processo legal, com os consectários lógicos do contraditório e da ampla defesa.

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Malgrado se perceba a assimilação de "processo" ao âmbito judicial, é de ver-se a Constituição Federal, ao referir-se às garantias do devido processo legal, não restringe a terminologia ao processo judicial. Ao revés, garante expressamente a extensão ao âmbito administrativo.

A maioria da doutrina administrativa inclina-se para adoção da terminologia "processo administrativo" decorrente da generalidade da Ciência Processual, sem olvidar da aplicação de princípios e regras atinentes especificamente ao ramo do Direito Administrativo.

Neste diapasão, é de se recordar que não nos cabe uma análise aprofundada da generalidade do processo administrativo, mas sim o tratamento específico pertinente ao âmbito disciplinar e as garantias processuais que lhe são inerentes. [45]

Assentada a concepção processualista do "iter" administrativo, traz-se à baila a dúvida em derredor da imparcialidade no julgamento uma vez que a Administração Pública assumirá sempre dois papéis: o de interessada e também aquele de responsável pela instrução e julgamento. Para se evitar a quebra da imparcialidade é que se tem exigida a inclusão dos princípios constitucionais também no âmbito do processo administrativo, v.g. a cláusula genérica do "devido processo legal" que, muito além de constitucional, é base para o desenvolvimento de toda e qualquer atividade estatal no ordenamento jurídico constitucional.

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Sobre a autora
Bartira Pereira Dantas

Doutoranda em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Del Museo Social Argentino,especialista em direito pela Escola de magistrados da Bahia- EMAB/UCSAL, Servidora pública do Tribunal de Justiça da BA, professora universitária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Bartira Pereira. Processo legal devido no âmbito disciplinar.: (Des)necessidade de defesa técnica?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2020, 11 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12190. Acesso em: 26 abr. 2024.

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