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O controle de constitucionalidade do direito estadual e municipal na Constituição Federal

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01/08/2000 às 00:00
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5. O Controle da omissão legislativa no plano estadual

Muitas Constituições estaduais consagraram, ao lado do controle abstrato de normas, a ação direta por omissão. Assim sendo, é de se indagar se as unidades federadas estariam autorizadas a instituir o procedimento de controle da omissão, tendo em vista especialmente o disposto no art. 125, § 2º da Constituição Federal.

Tal como reconhecido pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, configura-se omissão legislativa não apenas quando o órgão legislativo não cumpre o seu dever, mas, também, quando o satisfaz de forma incompleta.

Nesses casos, que configuram, em termos numéricos, a mais significativa categoria de omissão na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, é de se admitir tanto um controle principal ou direto, como um controle incidental, uma vez que existe aqui norma que pode ser objeto de exame judicial.

Embora a omissão do legislador não possa ser, enquanto tal, objeto do controle abstrato de normas, não se deve excluir a possibilidade de que essa omissão venha ser examinada no controle de normas.

Dado que no caso de uma omissão parcial há uma conduta positiva, não há como deixar de reconhecer a admissibilidade, em princípio, da aferição da legitimidade do ato defeituoso ou incompleto no processo de controle de normas, ainda que abstrato.

Tem-se, pois, aqui uma relativa, mas inequívoca fungibilidade entre a ação direta de inconstitucionalidade e o processo de controle abstrato da omissão, uma vez que os dois processos – o de controle de normas e o de controle da omissão – acabam por ter – formal e substancialmente – o mesmo objeto, isto é, a inconstitucionalidade da norma em razão de sua incompletude.

Essa peculiaridade restou evidenciada na ADIn 526, oferecida contra a Medida Provisória nº 296, de 29 de maio de 1991, que concedia aumento de remuneração a segmento expressivo do funcionalismo público, em alegado desrespeito ao disposto no art. 37, X, da Constituição. Convém se registre passagem do voto proferido pelo eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do pedido de concessão de medida cautelar:

"Põe-se aqui, entretanto, um problema sério e ainda não deslindado pela Corte, que é um dos tormentos do controle da constitucionalidade da lei pelo estalão do princípio da isonomia e suas derivações constitucionais.

Se a ofensa à isonomia consiste, no texto da norma questionada, na imposição de restrição a alguém, que não se estenda aos que se encontram em posição idêntica, a situação de desigualdade se resolve sem perplexidade pela declaração da invalidez da constrição discriminatória.

A consagração positiva da teoria da inconstitucionalidade por omissão criou, no entanto, dilema cruciante, quando se trate, ao contrário, de ofensa à isonomia pela outorga por lei de vantagem a um ou mais grupos com exclusão de outro ou outros que, sob o ângulo considerado, deveriam incluir entre os beneficiários.

É a hipótese, no quadro constitucional brasileiro, de lei que, à vista da erosão inflacionária do poder de compra da moeda, não dê alcance universal à revisão de vencimentos, contrariando o art. 37, X, ou que, para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas, fixe vencimentos díspares, negando observância à imposição de tratamento igualitário do art. 39, § 1º, da Constituição.

A alternativa que aí se põe ao órgão de controle é afirmar a inconstitucionalidade positiva de norma concessiva do benefício ou, sob outro prisma, a da omissão parcial consistente em não ter estendido o benefício a quantos satisfizessem os mesmos pressupostos de fato subjacentes à outorga (Canotilho, "Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador", 1992, 333 ss.; 339; "Direito Constitucional", 1986, pág. 831; Gilmar F. Mendes, "Controle de Constitucionalidade", 1990, págs. 60 ss.; Regina Ferrari, "Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade", 1990, págs. 156 ss.; Carmem Lúcia Rocha, "O Princípio Constitucional da Igualdade", 1990, pág. 42); "a censurabilidade do comportamento do legislador" – mostra Canotilho ("Constituição Dirigente", cit., pág 334), a partir da caracterização material da omissão legislativa – "tanto pode residir no acto positivo – exclusão arbitrária de certos grupos das vantagens legais – como no procedimento omissivo – emanação de uma lei que contempla positivamente um grupo de cidadão, esquecendo outros".

Se se adota a primeira solução – a declaração de inconstitucionalidade da lei por "não favorecimento arbitrário" ou "exclusão inconstitucional de vantagem" – que é a da nossa tradição (v. g. RE 102.553, 21-8-86, RTJ 120/725) – a decisão tem eficácia fulminante, mas conduz a iniquidades contra os beneficiados, quando a vantagem não traduz privilégio, mas imperativo de circunstâncias concretas, não obstante a exclusão indevida de outros, que ao gozo dela se apresentariam com os mesmos títulos.

É o que ocorreria, no caso, com a suspensão cautelar da eficácia da medida provisória, postulada na ADIn 525: estaria prejudicado o aumento de vencimentos da parcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem que daí resultasse benefício algum para os excluídos do seu alcance.

A solução oposta – a da omissão parcial –, seria satisfatória, se resultasse na extensão do aumento – alegadamente, simples reajuste monetário –, a todos quantos sofrem com a mesma intensidade a depreciação inflacionária dos vencimentos.

A essa extensão da lei, contudo, faltam poderes ao Tribunal, que, à luz do art. 103, § 2º, CF, declarando a inconstitucionalidade por omissão da lei – seja ela absoluta ou relativa, há de cingir-se a comunicá-la ao órgão legislativo competente, para que a supra.

De resto, como assinalam estudiosos de inegável autoridade (v.g. Gilmar Mendes, ob. cit. pág. 70), o alvitre da inconstitucionalidade por omissão parcial ofensiva da isonomia – se pôde ser construída, a partir da Alemanha, nos regimes do monopólio do controle de normas pela Corte Constitucional –, suscita problemas relevantes de possível rejeição sistemática, se se cogita de transplantá-la para a delicada simbiose institucional que se traduz na conveniência, no direito brasileiro, entre o método de controle direto e concentrado no Supremo Tribunal e o sistema difuso.

Ponderações que não seria oportuno expender aqui fazem, porém, com que não descarte de plano a aplicabilidade, no Brasil, da tese da inconstitucionalidade por omissão parcial. Ela, entretanto, não admite antecipação cautelar, sequer, limitados efeitos de sua declaração no julgamento definitivo; muito menos para a extensão do benefício aos excluídos, que nem na decisão final se poderia obter".

É certo que a declaração de nulidade não configura técnica adequada para a eliminação da situação inconstitucional nesses casos de omissão inconstitucional. Uma cassação aprofundaria o estado de inconstitucionalidade, tal como já admitido pelo Bundesverfassungsgericht em algumas decisões.

Portanto, a principal problemática da omissão do legislador situa-se menos na necessidade da instituição de determinados processos para o controle da omissão legislativa do que no desenvolvimento de fórmulas que permitam superar, de modo satisfatório, o estado de inconstitucionalidade.

Em julgado mais moderno, também relativo à suposta exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade, o Supremo Tribunal Federal vem de afirmar que não caberia à Corte converter a ação direta de inconstitucionalidade em ação de inconstitucionalidade por omissão. Tratava-se de argüição na qual se sustentava que o ato da Receita Federal, "ao não reconhecer a não incidência do imposto (IPMF) apenas quanto a movimentação bancária ocorrida nas aquisições de papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos promovidas pelas empresas jornalísticas, estaria impondo a exigência do imposto relativamente às demais operações financeiras de movimentação e transferência praticadas por essas empresas, em operações vinculadas à feitura do jornal, livros e periódicos, tais como pagamentos a fornecedores de outros insumos, pagamentos de mão de obra e serviços necessários à confecção do jornal (...)".

"Configurada hipótese de ação de inconstitucionalidade por omissão, em face dos termos do pedido, com base no § 2º do art. 103 da Lei Magna, o que incumbe ao Tribunal – afirma o Relator, Ministro Néri da Silveira – é negar curso à ação direta de inconstitucionalidade "ut" art. 102, I, letra "a", do Estatuto Supremo". Na mesma linha de argumentação, concluiu o Ministro Sepúlveda Pertence que "o pedido da ação direta de inconstitucionalidade de norma é de todo diverso do pedido da ação de inconstitucionalidade por omissão o que tornaria inadmissível a conversão da ação de inconstitucionalidade positiva, que se propôs, em ação de inconstitucionalidade por omissão de normas.

Também na ADIn 1458, da relatoria do eminente Ministro Celso de Mello, reiterou o Supremo Tribunal Federal essa orientação, como se pode depreender da leitura da ementa do acórdão, verbis:

          "SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL.

- A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica.

- A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

- As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário.

INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR.

- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF.

- A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional".

Ao contrário do afirmado nas referidas decisões, o problema, tal como já amplamente enfatizado, não decorre propriamente do pedido, até porque, em um ou em outro caso (impugnação de ato normativo ou de omissão parcial), tem-se sempre um pedido de declaração de inconstitucionalidade de uma dada situação normativa.

Em se tratando de omissão, a própria norma incompleta ou defeituosa há de ser suscetível de impugnação na ação direta de inconstitucionalidade, porque é de uma norma alegadamente inconstitucional que se cuida, ainda que a causa da ilegitimidade possa residir na sua incompletude.

Portanto, a questão fundamental reside menos na escolha de um processo especial do que na adoção de uma técnica de decisão apropriada para superar as situações inconstitucionais propiciadas pela chamada omissão legislativa.

Se se entender que, na verdade, as ações diretas por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão têm, em grande parte, um objeto comum – a omissão parcial –, então parece correto admitir que a autorização contida na Constituição Federal para a instituição da representação de inconstitucionalidade no plano estadual é abrangente tanto da ação direta de inconstitucionalidade em razão da ação, como da ação direta por omissão.

Assim sendo, as Constituições estaduais que optaram por disciplinar, diretamente, o controle abstrato da omissão acabaram por consagrar fórmula plenamente compatível com a ordem constitucional vigente.


6. O Controle de Constitucionalidade no âmbito do Distrito Federal

6.1. Considerações Preliminares

A Constituição não contemplou expressamente o direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade pelo Governador do Distrito Federal. O texto constitucional também não esclarece sobre a aplicação do art. 125, § 2º no âmbito do Distrito Federal.

Embora o status do Distrito Federal no texto constitucional de 1988 seja fundamentalmente diverso dos modelos fixados nas Constituições anteriores, não se pode afirmar, de forma apodíctica, que a sua situação jurídica é equivalente à de um Estado-membro.

Não seria lícito sustentar, porém, que se estaria diante de modelos tão diversos que, no caso, menos do que uma omissão, haveria um exemplo de silêncio eloqüente, que obstaria à extensão do direito de propositura aos órgãos do Distrito Federal em ação direta de inconstitucionalidade, no plano do Supremo Tribunal Federal, bem como a adoção do controle abstrato de direito distrital perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

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O texto constitucional, em vários de seus dispositivos, procura distinguir a situação jurídica dos Estados da do Distrito Federal:

          – art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (...);

–art. 18: A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, (...);

– art. 18, § 3º: Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros ou formarem novos Estados ou Territórios Federais (...);

– art. 19: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...);

– art. 20: É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como aos órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo (...);

– art. 21: Compete à União:

(...)

XII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;

XIV - organizar e manter a polícia federal, a polícia rodoviária e ferroviária federais, bem como a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal e dos Territórios;

– art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre (...) organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios (...).

– art. 34: A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...).

Essas disposições, se não permitem afirmar que o modelo constitucional consagrado para o Distrito Federal é de todo idêntico ao estatuto dos Estados-Membros, não autorizam, igualmente, sustentar que as dessemelhanças sejam tão acentuadas que deveriam mesmo levar à negação do direito de propositura.

Assinale-se que se afigura decisivo para o desate da questão a disciplina contida no art. 32 da Constituição, que outorga ao Distrito Federal poder de auto-organização, atribui-lhe as competências legislativas dos Estados e Municípios e define regras para a eleição de Governador, Vice-Governador e Deputados Distritais, que em nada diferem do sistema consagrado para os Estados-Membros.

Dessarte, para os efeitos exclusivos do sistema de controle de constitucionalidade, as posições jurídicas do Governador e da Câmara Legislativa do Distrito Federal em nada diferem das situações jurídicas dos Governadores de Estado e das Assembléias Legislativas.

O eventual interesse na preservação da autonomia de suas unidades contra eventual intromissão por parte do legislador federal é em tudo semelhante. Também o interesse genérico na defesa das atribuições específicas dos Poderes Executivo e Legislativo é idêntico.

Portanto, ainda que se possam identificar dessemelhanças significativas entre o Estado-Membro e o Distrito Federal e, por isso, também entre os seus órgãos executivos e legislativos, é lícito concluir que, para os fins do controle de constitucionalidade abstrato, as suas posições jurídicas são, fundamentalmente, idênticas.

Não haveria razão, assim, para deixar de reconhecer o direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade ao Governador do Distrito Federal e à Mesa da Câmara Legislativa, a despeito do silêncio do texto constitucional.

O direito de propositura do Governador do Distrito Federal foi contemplado expressamente pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 645, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa "por via de interpretação compreensiva do texto do art. 103, V, da CF/88, c/c o art. 32, § 1º, da mesma Carta".

Assim, não existe razão jurídica para afastar do controle abstrato de constitucionalidade os órgãos superiores do Distrito Federal.

Razões semelhantes militam em favor do controle de constitucionalidade de ato aprovado pelos Poderes distritais no exercício da competência tipicamente estadual.

É que, não obstante as peculiaridades que marcam o Distrito Federal, os atos normativos distritais – leis, decretos, etc. – são substancialmente idênticos aos atos normativos estaduais, tal como deflui diretamente do art. 32, § 1º, na parte em que atribui ao Distrito Federal as competências legislativas reservadas aos Estados.

Assinale-se, porém, que a própria fórmula constante do art. 32, § 1º, da Constituição, está a indicar que o Distrito Federal exerce competências legislativas municipais, editando, por isso, leis e atos normativos materialmente idênticos àqueles editados pelos demais entes comunais.

Nessa hipótese, diante da impossibilidade de se proceder ao exame direto de constitucionalidade da lei municipal em face da Constituição perante o Supremo Tribunal, tem-se de admitir, com o Supremo Tribunal Federal, que descabe "ação direta de inconstitucionalidade, cujo objeto seja ato normativo editado pelo Distrito Federal, no exercício de competência que a Lei Fundamental reserva aos Municípios", tal como "a disciplina e polícia do parcelamento do solo".

Vê-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal levou em conta o propósito ampliativo do constituinte em relação ao controle de constitucionalidade no âmbito estadual para reconhecer que também o Distrito Federal deveria ser compreensivamente abrangido pelas normas do art. 102 e 103 da Constituição a respeito do controle direto de constitucionalidade.

          6.2 A possibilidade de instituição de ação direta de inconstitucionalidade no âmbito do Distrito Federal

Tal como observado, a Constituição dotou o Distrito Federal de autonomia política, outorgando-lhe competências legislativas específicas dos Estados-membros e dos Municípios e atribuindo-lhe poder para votar uma Lei Orgânica. Cumpre indagar, ainda, se ao Distrito Federal seria lícito, igualmente, definir um modelo de controle de constitucionalidade, tal como previsto no art. 125, § 2º da Carta Magna.

A pergunta pode ser assim formulada: estamos diante de uma lacuna que pode ser superada por analogia ou, ao revés, diante de um inequívoco silêncio eloqüente do texto constitucional?

Não subsiste dúvida de que, ao contrário da Constituição de 1967/69, o texto constitucional de 1988 fez uma opção deliberada em favor de um duplo sistema de controle direto do direito estadual e de um sistema de controle direto do direito municipal em face da Constituição estadual (CF, art. 125, § 2º).

Tendo o Distrito Federal personalidade jurídica de direito público e autonomia política que lhe permite não só editar uma Lei Orgânica, a título de Constituição local, mas também legislar, no âmbito de seu território, sobre todas as matérias de competência dos Estados e Municípios, afigura-se estranho que se lhe negue faculdade assegurada a todos os entes federados.

É bem verdade que se afigura complexa uma leitura ampliativa do texto constitucional, no art. 125, § 2º, para admitir que a própria Câmara Legislativa do Distrito Federal possa disciplinar a instituição da ação direta perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

É que, como se sabe, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal é um órgão federal, competindo a União dispor sobre a sua organização e sobre a organização do Poder Judiciário do Distrito Federal (CF, art. 21, XII).

Ainda que haja boas razões para justificar a extensão ao Distrito Federal do tratamento constitucional que, na matéria, se conferiu ao Estados-membros, há de se ter por inquestionável que se o Tribunal de Justiça não é um órgão integrante do Distrito Federal, não pode ele ter suas competências acrescidas por decisão do órgão legislativo distrital.

Essa observação parece obstar que a própria Câmara Legislativa do Distrito Federal venha a instituir a ação direta de inconstitucionalidade.

Todavia, se se entende – como estamos a fazê-lo – que, em verdade, o texto constitucional não proíbe – antes recomenda – a instituição de um modelo duplo de controle direto de constitucionalidade do direito de índole estadual, então afigura-se legítimo indagar se a própria União não poderia, com fundamento em sua competência para legislar sobre direito processual federal e para dispor sobre organização do Judiciário local, disciplinar a ação direta do direito distrital em face da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Poder-se-ia sustentar que o silêncio do texto constitucional, na espécie, é um silêncio eloqüente, não se podendo superar a lacuna verificada senão mediante emenda constitucional.

Embora não se possa negar que eventual emenda constitucional daria uma solução definitiva à questão, é certo que a sistemática vigente sugere a possibilidade de disciplina do tema mediante decisão legislativa ordinária, desde que exercida pelos órgãos competentes.

Forte nesse entendimento, a Comissão de Juristas encarregada de formular um anteprojeto de lei sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade apresentou proposta que confere a seguinte disciplina ao tema :

"Art. 30. Acrescentem-se ao art. 8º da Lei nº 8.185, de 14 de maio de 1991, as seguintes disposições:

"Art. 8º ...........................

n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica;

....................................

§ 3º São partes legítimas para propor a ação direta de inconstitucionalidade:

a) o Governador do Distrito Federal;

b) a Mesa da Câmara Legislativa;

c) o Procurador-Geral de Justiça;

d) a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Distrito Federal;

e) as entidades sindicais ou de classe, de atuação no Distrito Federal, demonstrando que a pretensão por elas deduzida guarda relação de pertinência direta com os seus objetivos institucionais;

f) os partidos políticos com representação na Câmara Legislativa.

§ 4º Aplicam-se ao processo e julgamento da direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios as seguintes disposições:

a) o Procurador-Geral de Justiça será sempre ouvido nas ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade;

b) declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma da Lei Orgânica do Distrito Federal, a decisão será comunicada ao Poder competente para adoção das providências necessárias, e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias;

c) somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou de seu órgão especial, poderá o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Distrito Federal ou suspender a sua vigência em decisão de medida cautelar.

§ 5º Aplicam-se, no que couber, ao processo de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica, as normas sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal."

Tal como assente no Relatório que explicita as razões das propostas formuladas, o anteprojeto propõe que se altere a legislação ordinária federal (Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal) para admitir, expressamente, o controle abstrato de normas e o controle abstrato da omissão no âmbito do Distrito Federal com o propósito inequívoco de "colmatar significativa lacuna no sistema de controle de normas, uma vez que o texto constitucional não cuidou diretamente do tema".

Como se pode ver, o Projeto adota os lineamentos básicos do controle de constitucionalidade direto aplicáveis no âmbito do Supremo Tribunal Federal, determinando que as normas sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, são aplicáveis, no que couber, ao processo e julgamento do controle de constitucionalidade no âmbito do Distrito Federal.

A solução proposta parece inteiramente compatível com o ordenamento constitucional brasileiro, que reconhece hoje o processo abstrato de normas como instrumento regular de controle de constitucionalidade, no âmbito das unidades federadas.

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Sobre o autor
Gilmar Mendes

Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Professor adjunto da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Direito pela Universidade de Münster (Alemanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Gilmar. O controle de constitucionalidade do direito estadual e municipal na Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/122. Acesso em: 10 mai. 2024.

Mais informações

Texto publicado originalmente na Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto, edição de julho de 1999.

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