A Medida Provisória (MP) nº 449, de dezembro de 2008, promoveu diversas alterações na legislação tributária federal, introduzindo o artigo 16-A na Lei nº 10.887/04, que dispõe sobre a aplicação de disposições da Emenda Constitucional (EC) nº 41/03, especificamente no tocante ao regime previdenciário do servidor público federal.
De acordo com a nova redação do referido dispositivo legal, a contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público - PSS, decorrente de valores pagos em cumprimento de decisão judicial, mesmo em fução de homologação de acordo, será retida na fonte, no momento do pagamento ao beneficiário ou seu representante legal, pela instituição financeira responsável pelo pagamento.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em cumprimento à nova determinação, editou a Orientação Normativa (ON) nº 1, de 18 de dezembro de 2008, dispondo sobre o desconto da contribuição previdenciária dos servidores públicos federais (PSS) decorrentes de pagamento de Precatórios e Requisições de Pequeno Valor - RPVs.
Preliminarmente, apesar de estar inserida no contexto normativo da contribuição previdenciária do servidor público incidente sobre a remuneração, o artigo 16-A da Lei nº 10.887/04 e a Orientação Normativa do STJ não fazem nenhuma distinção no tocante à natureza jurídica das verbas percebidas judicialmente e a incidência direta da contribuição previdenciária.
No que diz respeito à incidência de contribuição previdenciária sobre verbas recebidas em decorrência de decisão judicial há de se perquirir, de antemão, acerca da natureza jurídica dos valores percebidos: se remuneratória, supostamente atraentes da contribuição, se indenizatória, pacificamente imunes à incidência da contribuição previdenciária.
Vale lembrar que a própria Lei nº 10.887/04, no § 1º de seu artigo 4º, excluiu as parcelas de natureza indenizatória da base de cálculo da contribuição previdenciária, uma vez que não repercutem na aposentadoria do servidor, sendo impassíveis de incorporação. É claro que, mediante opção expressa do servidor, algumas parcelas podem ser incluídas na base de cálculo do tributo, passando a refletir no cálculo dos proventos, para aqueles que não fazem jus à aposentadoria com proventos integrais (servidores que não foram abrangidos por nenhuma regra de transição ou ingressaram no serviço público após a EC nº 41/03).
Porder-se-ia supor que, em uma interpretação sistemática, as verbas judiciais de natureza indenizatória estariam automaticamente livres do bloqueio em conta do percentual de 11% (onze por cento) referente à contribuição previdenciária. Contudo, não é o que parece prever a normativa em análise, que faz menção indiscriminada às verbas judicialmente recebidas pelos servidores por intermédio de Requisições de Pequeno Valor - RPVs e precatórios.
O reflexo que esses valores terão na aposentadoria dos servidores está intrinsecamente ligado à natureza jurídica das verbas judicialmente percebidas e ao respectivo desconto da contribuição. Ainda remetendo ao plexo normativo da Lei nº 10.887/04, o princípio da contributividade previdenciária implica a incorporação dos valores taxados para efeitos do cálculo dos proventos de aposentadoria. Equivalhe dizer, o desconto previdenciário apenas encontra suporte normativo válido na hipótese de incorporação da parcela tributada aos proventos do servidor, o que, via de regra, não ocorre com as verbas judicialmente percebidas. Daí o inafastável discrímen que a lei e a orientação normativa parecem não fazer.
Por outro lado, ao passo que o servidor terá automaticamente bloqueado os valores decorrentes de sua suposta contribuição previdenciária, fica no ar a promessa de que a União arcará com o recolhimento dos mesmos valores. Isso porque, ao prever o desconto imediato dos 11% (onze por cento) sobre os valores aos quais o servidor fará jus em função de acordo ou decisão judicial, a lei deveria determinar o imediato aporte da União, na mesma proporção. Sobre esse importantíssimo aspecto para a vida contributiva do servidor o dispositivo legal e a orientação do STJ quedaram-se silentes.
Mas não é só. Sob o prisma tributário, a constitucionaldiade dessa nova hipótese de taxação há de ser analisada à luz do artigo 40 da Constituição que prevê a incidência da contribuição previdenciária sobre dois fatos geradores distintos mas intrinsecamente ligados: a remuneração e os proventos do servidor. Nessa perspectiva emerge a seguinte pergunta: todas as verbas percebidas pelos servidor em decorrência de demandas judiciais possuem, necessariamente, essa dúplice natureza jurídica? A resposta parece ser negativa. Existem vários passivos judiciais que encontrarão sua gênese no dever de indenizar do Estado por não cumprir com suas obrigações legais, ainda que se trate de obrigação remuneratória.
Ao prever a incidência automática da contribuição previdenciária do servidor público sobre as verbas percebidas judicialmente, independentemente de sua natureza jurídica ou da sua incorporação ao patrimônio jurídico do servidor por intermédio do recálculo dos proventos de aposentação, o artigo 16-A da Lei nº 10.887/04, com a redação dada pela MP nº 449/08, cria nova hipótese de incidência tributária, não prevista na Constituição e desvinculada do princípio da retributividade direta previdenciária.
Ademais, ainda que se admita a constitucionalidade da taxação, a ampliação da base de cálculo da contribuição previdenciária, mediante a criação de novo fato gerador do tributo, atrairia o princípio da antecedência nonagesimal. Nessa perspectiva, o fato gerador do tributo contribuição previdenciária deixa de ser aqueles originalmente previstos nos artigos 4º a 6º da Lei nº 10.887/04. A base de cálculo da contribuição previdenciária do servidor público federal, por sua vez, é ampliada, passando a abranger quaisquer parcelas percebidas em virtude de decisão judicial. Tanto o é que a Norma Provisória prevê expressamente a isenção das parcelas percebidas antes de sua edição, tornando clara a irretroatividade da taxação.
Logo, a constitucionalidade da ampliação da base de cálculo da contribuição previdenciária do servidor público federal passa pela definição da natureza jurídica das verbas percebidas judicialmente e sua consequente incorporação aos patrimônio jurídico subjetivo do servidor. De outro turno, a taxação prevista nos dispositivos normativos em comento apenas poderá ocorrer no prazo de noventa dias a partir da edição da norma provisória, sob pena de violação ao princípio da anterioridade nonagesimal.