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Sobre o (des)cabimento dos alimentos em sede de Lei Maria da Penha

27/01/2009 às 00:00
Leia nesta página:

        A medida de afastamento do lar e de proibição de aproximação, definidas pela nova lei popularmente conhecida por "Maria da Penha", são instrumentos que se mostram pertinentes à dinâmica da violência doméstica, pois evitam que o agente insista na conduta delitiva. No entanto, a solicitação de alimentos provisionais ou provisórios, apesar de prevista na polêmica lei "Maria da Penha", nos parece incabível.

        Inicialmente, percebe-se que o art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, preceitua que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (grifo nosso). A este propósito, Alexandre de Moraes ensina que "o referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se, não só a criação de tribunais de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e imparcialidade do órgão julgador" (grifo nosso). [01]

        Mais. Ao tratar sobre a diversidade de competências jurisdicionais, Tourinho Filho sustenta que "a distinção que se faz entre jurisdição penal e jurisdição civil assenta, única e exclusivamente, na divisão de trabalho. Determinados órgãos jurisdicionais são incumbidos de dirimir conflitos intersubjetivos de natureza civil, enquanto outros se encarregam de equacionar os de natureza penal". [02] Tal divisão acaba proporcionando um melhor enquadramento entre o perfil do Magistrado e a competência desempenhada, assim como gera benéfica especialização prático-teórica do Juiz na matéria apreciada, proporcionando maior confiabilidade na prestação jurisdicional.

        Assim, a intervenção de um Juízo criminal em questão cível cria não somente descabida sobrecarga para aquele Juiz (visto que a questão provavelmente será toda reavaliada no contexto de eventual separação judicial, no Juízo cível), mas proporciona, principalmente, insegurança jurídica para os jurisdicionados, dado o provável descompasso entre as decisões de juízos diversos.

        De fato, a possibilidade de o Juízo criminal decidir sobre matéria de natureza eminentemente cível – criada pela nova lei – nos parece burla aos princípios do juiz natural e da competência, razão pela qual deve ser rechaçada por inconstitucional e ilegal. [03]

        Mas não é só. A fragilidade – ou até mesmo completa ausência – do conjunto probatório trazido em sede de "pedido de medida protetiva" de fixação de alimentos é por demais temeroso para a constituição de um ônus dessa magnitude, visto principalmente o caráter irrepetível das prestações alimentares, máxime em regiões onde a renda média per capita é muito pequena. Tal fragilidade desembocaria, mais uma vez, no conflito de decisões, acaso o pedido fosse concedido em sede de Juízo criminal.

        Uma solução tecnicamente viável para o problema seria a aplicação analógica do art. 74, § 2º, do Código de Processo Penal, onde o Juiz criminal receberia o pedido de medidas protetivas de urgência, decidiria sobre as demais questões, e enviaria a fixação dos alimentos para o juiz competente: o cível. Tal medida atenderia, a um só tempo, à economia e celeridade processuais, pretensamente pretendidas pela nova disposição legal sob análise, visto que, num só petitório, demandas de natureza criminal e cível seriam atendidas; no entanto, por Juízos diferentes.

        Isto não significa dizer que a vítima de violência doméstica que pleiteia "medida protetiva de urgência" na modalidade "alimentos provisórios ou provisionais" não será assistida pelo Poder Judiciário, mas tão-somente que o pedido deve ser decidido pelo juiz competente. Inclusive, o rito processual dedicado à fixação de obrigação alimentar prevê pronta resposta do Judiciário àquele(a) que assim o pugnar.

        Percebe-se que a lei "Maria da Penha" é mais um dispositivo legal tecnicamente mal elaborado, incidindo em vício de natureza constitucional e legal quando prevê a fixação de alimentos por juiz criminal, devendo por isso ser afastada sua aplicação em sede de controle de constitucionalidade difuso.


Notas

  1. Direito Constitucional, 22ª ed. 2007. Editora Atlas. pg. 82.
  2. Processo penal – vol. 1. 23ª ed. 2001. Saraiva. pg. 19.
  3. As competências civil e criminal são respectivamente definidas no art. 1º e 86 e seguintes, do Código de Processo Civil, e art. 1º e 69 e seguintes, do Código de Processo Penal.
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Sobre o autor
Felício de Lima Soares

promotor de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Felício Lima. Sobre o (des)cabimento dos alimentos em sede de Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2036, 27 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12247. Acesso em: 23 dez. 2024.

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