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Publicidade abusiva na internet

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03/03/2009 às 00:00
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Capítulo III A QUESTÃO DA PRIVACIDADE

3.1 UMA PUBLICIDADE OFENSIVA À PRIVACIDADE

No mundo da publicidade virtual, as informações que dizem respeito ao potencial consumidor têm grande valor. Com tais informações, os anunciantes tentam direcionar suas ofertas com mais eficácia, enviando a um determinado usuário da internet publicidade de algum serviço ou produto que supostamente, a julgar pelos seus hábitos frente à rede, lhe possa ser útil.

Jean Jacques Erenberg diz que:

Para melhor direcionar suas campanhas publicitárias, os fornecedores se valem das facilidades tecnológicas proporcionadas pelo ambiente virtual para colher um grande número de informações dos visitantes de seus sites [59].

E continua:

Para isso, recorrem a várias formas de coleta de informações: preenchimento de formulários de registro ou de participação em promoções e concursos; aferição do trajeto do usuário no site (por onde ingressou, quanto tempo permaneceu em cada página, onde clicou, etc); registro de preferências (armazenando-se as informações sobre os produtos adquiridos ou pesquisados por cada usuário); o data mining; os polêmicos cookies; e mesmo, mais recentemente, "programas espiões" [60].

Conforme Sidney Guerra, é a internet "um espaço aberto, utilizável para divulgação de textos, imagens e informações, por vezes, ensejadora de violação do direito fundamental à privacidade" [61].

Para Patrícia Peck Pinheiro, resta ao novo ramo chamado "Direito Digital" a função de equilibrar a tensa relação que existe entre interesse comercial, privacidade, responsabilidade e anonimato. Para reger tal relação, fruto nos novos veículos de comunicação, o Direito Digital deve determinar procedimentos de vigilância e punibilidade de infrações. A referida autora afirma que "cresce a cada dia o número de empresas que disputam os consumidores da Internet e, conseqüentemente, a publicidade virtual, com preenchimento de formulários e cadastros" [62].

As informações coletadas acerca dos potenciais consumidores, seja através do preenchimento de formulários, seja por meio de cookies, compõem um banco de dados de grande utilidade para os publicitários. A especialista acima mencionada afirma:

Essa nova mídia, em termos de tecnologia de banco de dados relacional, tem capacidade de gerar um banco de dados de consumo como nunca houve, o que nos leva à questão da privacidade das informações [63].

Ricardo Alcântara Pereira, em obra coordenada por Renato Opice Blum, afirma que, naquilo "que tange ao direito de privacidade, outra questão que já está gerando controvérsias no campo do Direito é a do uso dos cookies na Web" [64]. E continua, afirmando que existem duas coisas que lesam tanto a moral, por conta de razões éticas, quanto o Direito, devido a violações legais – é o abuso e o uso de informações pessoais sem autorização alguma e, na maioria das vezes, sem o conhecimento do internauta [65].

Há diversos meios utilizados para a obtenção desses dados, que servirão para o direcionamento da publicidade do fornecedor. Ocorre que, muitas vezes, a sua obtenção fere o direito constitucional à privacidade, por exemplo, pela utilização de programas invasivos como os cookies. Poderá haver invasão de privacidade até mesmo na utilização dos dados coletados, que serão úteis para o direcionamento da publicidade abusiva. Ricardo L. Lorenzetti julga ser o envio de e-mail não desejado uma flagrante ofensa à privacidade, que é invadida com tal prática. Conforme o autor, o envio de spams é considerado violação à privacidade pelo Código Civil argentino, que tem artigo analogicamente aplicável a tal situação [66].

Quanto à obtenção dos dados, Patrícia Peck Pinheiro afirma que o modus operandi da publicidade na internet "é de abordagem direta, durante o processo de comunicação". E também afirma que "esse é um mundo mais invasivo e traz riscos que não podem ser menosprezados" [67].

Também se referindo à obtenção dos dados do consumidor, Sidney Guerra, didaticamente, afirma que:

todas as vezes que navegamos pela internet deixamos os nossos rastros, os nossos caminhos, as nossas preferências, os nossos hábitos e sobretudo nossos dados. É possível, pois, que uma determinada pessoa venha a utilizar estas informações que são disponibilizadas na internet para provocar lesões à privacidade de outrem, ensejando a reparação do dano devido [68].

Sobre as informações que o internauta pode, involuntariamente, deixar disponível para publicitários dela se utilizarem, Omar Kaminski, em obra organizada por Aires José Rover, afirma:

Uma das formas mais simples de intrusão à privacidade: ao visitar uma página na Internet, poder-se-á saber qual é e onde se localiza seu provedor de acesso (Internet Service Provider – ISP), qual a página virtual visitada por último, qual navegador se está utilizando e quais páginas foram visitadas no site [69].

Patrícia Peck Pinheiro crê que a questão da violação ou não da privacidade depende da autorização do potencial consumidor em ter seus dados guardados para fins de publicidade e direcionamento de campanhas. A especialista em questão conclui que os

princípios são básicos, portanto, para que a privacidade seja preservada: por exemplo, a utilização de banco de dados sem a autorização daqueles que estão cadastrados configura invasão de privacidade, mas a solicitação de conferência de dados para efetuar uma transação, não. Outro exemplo: malas diretas, publicidade virtual e outros itens só podem ser recebidos mediante autorização do usuário [70].

A Professora Liliana Minardi Paesani dá um motivo pelo qual o envio de mensagens eletrônicas não solicitadas deve ser considerado prejudicial e nocivo à privacidade. Afirma a autora:

Ao correio eletrônico relaciona-se a questão da privacidade. O envio de mensagens publicitárias por meio de e-mail constitui uma forma de televendas das mais comuns na rede. A mesma prática, efetuada pela expedição normal, é tolerada pelos vários direitos nacionais, desde que não obsessiva e contrária à ordem pública. No entanto, a Internet, por suas características, torna inaplicáveis tais normas. Os titulares de uma caixa postal eletrônica (mailbox) pagam para poder ter acesso à leitura das mensagens que lhes é enviada, e a remessa continuada de publicidade eletrônica pode provocar a perda de outras mensagens [71].

Dessa forma, identificamos, até o momento, duas formas de violação da privacidade: uma, referente ao envio indiscriminado de material publicitário via e-mail, material que não é solicitado e que acaba por ocupar espaço na caixa postal eletrônica do usuário da internet, que perde tempo e dinheiro para deletar o spam, inclusive correndo o risco de deixar de receber mensagens importantes por e-mail justamente pelo fato de sua caixa postal eletrônica estar utilizando a capacidade máxima de armazenamento por abrigar mensagens não solicitadas; outra, pela coleta de dados inerentes aos hábitos dos internautas, através da utilização dos chamados cookies.

Note-se que há uma expansão do termo "privacidade" quando falamos de seu manto protetor cobrindo os usuários da internet. De acordo com Ricardo Luis Lorenzetti, em obra coordenada por Newton De Lucca e Adalberto Simão Filho, no contexto do presente estudo, "a privacidade não é apenas a reserva do ‘direito de estar só’, mas também um problema de comunicação: o dado ulteriormente utilizado sem consentimento para construir um perfil do sujeito". E o jurista argentino vai além:

Há uma rede visível e uma rede invisível na Internet, desconhecida para o usuário porque consiste em acordos dos servidores entre si e os provedores utilizando diversos meios técnicos [72].

Na mesma obra, Roberto Senise Lisboa afirma:

Há três esferas de privacidade: a pública (atos tornados públicos pelo seu titular), a privada (dados pessoais não sensíveis) e a íntima (dados pessoais sensíveis, relacionados com a liberdade de pensamento) [73].

Sidney Guerra afirma: "A privacidade [...] está intimamente ligada à dignidade da pessoa humana e, portanto, ainda que no mundo virtual, que tem desdobramento no mundo real, não pode ser vasculhada" [74].

Muitos responsáveis por tal publicidade, que se utiliza de dados privativos ao internauta, a justificam pelo fato de que, conhecendo os hábitos do destinatário, bem como as páginas eletrônicas (websites) por ele visitadas, as propagandas dirigidas ao usuário poderão ter um caráter pessoal, individualizado, já que se enquadrarão mais ao gosto de quem recebe os anúncios. Assim, buscam exaltar que a formação de um cadastro com dados da pessoa para a qual se direciona a propaganda é benéfica.

Nesse sentido, escreve Marcel Leonardi, em obra coordenada por Regina Beatriz Tavares da Silva e Manoel J. Pereira dos Santos, que:

quando uma empresa de comércio eletrônico mantém um registro dos produtos adquiridos pelo consumidor, justifica sua conduta como sendo verdadeira prestação de um serviço, informando-o sobre outras mercadorias que podem ser de seu interesse, ainda que o consumidor não o tenha solicitado e que isso ajude a vender mais produtos [75].

Continua o referido autor, dizendo que:

a privacidade é geralmente colocada de lado em tais situações, sob o argumento de que não há nada de maléfico ou danoso na coleta e troca de informações, e que seus benefícios justificam sua própria existência [76].

O referido argumento não merece proceder, já que há um conflito entre o direito à privacidade, por parte do consumidor, e os dados pessoais coletados por empresas privadas [77], que, em regra geral, os utilizarão para fins nada ortodoxos, como, por exemplo, a sua comercialização com outra empresa.

A violação da privacidade de um indivíduo, em si, já faz com que ele tenha o direito à indenização, pois teve um direito constitucional ferido.

Eis o disposto no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação [78].

Logicamente, o dano do indivíduo será maior caso a transposição da barreira imposta pelo terreno da privacidade gerar-lhe algum prejuízo direto, o qual também deverá ser reparado conforme a legislação vigente. Assim nos explica Sidney Guerra:

Transpondo a problemática que envolve o direito à privacidade, quando ocorre a violação ao direito à privacidade no âmbito do Estado nacional é possível solucionar as controvérsias e in casu aplicar a legislação vigente, no que concerne a reparação do dano [79].

Concluindo, podemos afirmar, na esteira do jurista Ricardo Luis Lorenzetti, que "cabe a ação de reparação de danos contra o fornecedor que divulgue propaganda não solicitada e que continue a fazê-lo apesar da insistência do usuário para que cesse a prática" [80].

3.2 PRIVACIDADE: EXPLANAÇÃO E DIREITO COMPARADO

3.2.1 Direito brasileiro

3.2.1.1 Direito à privacidade como componente da personalidade

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, X, afirma que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" [81].

Nos dizeres de Sônia Aguiar do Amaral Vieira, tanto a intimidade como a vida privada são partes integrantes da categoria dos direitos da personalidade, constituindo, ambos, um atributo da própria personalidade [82].

Os direitos inerentes à personalidade não devem ser listados taxativamente, apesar de Sílvio de Salvo Venosa, oportuna e convenientemente, afirmar que eles "decompõem-se em direito à vida, à própria imagem, ao nome e à privacidade" [83].

Conforme ensina Cláudio Luiz Bueno de Godoy, os direitos da personalidade não derivam de concessão estatal, mas teriam como gênese a condição humana do indivíduo [84].

Para Sônia Vieira, deve a ciência jurídica,

através do ordenamento jurídico, sujeitar-se a estes direitos, (e não ditar-lhes a existência), tutelando-os de forma eficaz, sem o que não se atinge o indispensável desenvolvimento físico, moral, espiritual e psíquico do ser humano [85].

3.2.1.2 Violação da privacidade por meio da tecnologia

Como sustenta Marcel Leonardi, o sigilo e a privacidade hodiernamente enfrentam desafios. Assim escreve o mencionado autor:

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A coleta de informações por governos, agências governamentais e corporações privadas não representa um fenômeno novo [86]. A diferença que a era tecnológica traz, no entanto, pode ser resumida em cinco fatores: a maior quantidade de informações disponíveis, os diversos tipos de informações disponíveis, a enorme facilidade e maior escala de intercâmbio de informações, os efeitos potencializados de informações errôneas e a duração perpétua dos registros [87].

Continua o referido autor:

A privacidade é necessária para que possamos desenvolver relacionamentos de confiança e intimidade. Quando o indivíduo perde o controle sobre a informação que é divulgada a seu respeito, perde, também, a capacidade de estabelecer e influenciar suas relações pessoais. O indivíduo sabe que será visto e tratado de certa maneira de acordo com as informações disponíveis a seu respeito – quer sejam verdadeiras, quer sejam falsas. Uma vez divulgada uma informação errônea, torna-se muito difícil retornar ao estado anterior, sendo praticamente inviável conhecer e entrar em contato com cada uma das pessoas que teve acesso à informação equivocada [88].

Mesmo que haja veracidade nos dados divulgados, a propagação das informações sem o consentimento do indivíduo ao qual elas são inerentes é atividade ilícita.

O acesso a informações privadas de determinada pessoa ocorre com ou sem a utilização de fraude. Um ilícito é a obtenção dos dados privativos à vítima; outro, a sua divulgação. Desta forma, ensina Paulo José da Costa Júnior:

Faz-se mister distinguir ambas as hipóteses. Numa, a intimidade é agredida, porque violada. Noutra, a intimidade é lesada, porque divulgada. No primeiro caso, a aquisição das notícias íntimas é ilegítima. No segundo, embora legítima a aquisição das notícias, não é lícita a ulterior revelação. Aqui, a violação opera de dentro para fora, ao serem difundidas as intimidades legitimamente conquistadas. Acolá, a violação se faz de fora para dentro no instante da interferência indevida [89].

Sigilo e privacidade são protegidos em ambiente virtual do mesmo modo como também o são nas demais situações sociais. São direitos de toda pessoa (física ou jurídica) e sua proteção é assegurada de modo amplo – independentemente do instrumento empregado para eventual transgressão [90].

Quanto à proteção legal, o Código Civil traz, em seus artigos 11 a 21, disposições que tutelam os direitos da personalidade. São de maior relevância, para proteção do sigilo e da privacidade, os artigos 12 e 21:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma [91].

Assim, conclui Marcel Leonardi:

Parece inegável que dispomos de menos privacidade em decorrência da utilização maciça de bancos de dados e da Internet. Isso não significa, no entanto, conformar-se com os abusos porventura cometidos, os quais devem ser combatidos e, quando necessário, levados à apreciação do Poder Judiciário [92].

3.2.2 A tutela da privacidade frente à tecnologia em outros países

3.2.2.1 Estados Unidos

Promulgada em 17 de setembro de 1787, composta de apenas sete artigos, a Constituição americana não menciona expressamente o direito à privacidade. Em 1791, foram aprovadas as dez primeiras emendas à Constituição, comumente conhecidas como Bill of Rights. Em síntese, pode-se dizer que, enquanto a Constituição autoriza o governo americano a agir, o Bill of Rights lhe limita tal possibilidade [93].

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy escreve:

A Declaração de Direitos (Bill of Rights) dos Estados Unidos da América é documento ratificado em 15 de dezembro de 1791, composto por dez emendas ao texto constitucional original. Baseia-se em concepções federalistas e foi originalmente concebido como instrumento de proteção do indivíduo em face do poder central [...] [94].

O direito à privacidade previsto pelas normas modernas não poderia realmente estar presente na Constituição americana, que começou a viger em um tempo em que não havia a telecomunicação nem a mídia como as conhecemos hoje – tampouco existiam computadores e internet [95].

Assim, o spamming [96] é desenvolvido nos Estados Unidos por conta da falta de uma tutela normativa da privacidade que se possa aplicar diretamente contra tal conduta. A tutela existente é jurisprudencial [97].

Ocorre que o fato de o Bill of Rights não prever expressamente a privacidade como direito não lhe exclui uma interpretação extensiva no sentido de que cada indivíduo sob sua égide tem o direito de, separadamente da população, viver uma vida privada [98].

No ano de 1974, surge, como objetivo de proteger a privacidade dos cidadãos, uma lei conhecida como Privacy Act [99]. Já no ano de 1986, surge o Eletronic Communication Privacy Act – documento que visa regulamentar a comunicação feita entre computadores e proteger a privacidade com relação a e-mails e arquivos armazenados em servidores de provedores de serviços on line [100].

Há dez anos, o faturamento obtido através da publicidade na internet, nos Estados Unidos, alcançou o montante de dois milhões de dólares. Na época, isso foi possível principalmente por conta da utilização de banners. Porém, mesmo este artifício é nos Estados Unidos considerado uma invasão da privacidade dos internautas, que são obrigados a visualizar no monitor mensagens publicitárias não solicitadas [101]. Bom lembrar que, hoje em dia, os cookies têm o poder de escolher qual publicidade aparecerá em um banner – e o fará conforme os hábitos do usuário nele registrados.

Também considerada, nos Estados Unidos, como invasão de privacidade, a utilização de cookies é feita para futura análise dos hábitos e comportamentos do internauta na rede. Assim, as empresas podem personalizar sua publicidade para cada usuário ou grupo de usuários. Quem recebe cada publicidade na forma de banners sem estar interessado tem a sensação desagradável, que corresponde à verdade, de ter tido seu perfil traçado sem autorização [102].

No ano de 2003, foi aprovado o Can-Spam Act, uma lei federal que tem o escopo de regulamentar o envio de e-mails comerciais nos Estados Unidos, além de estipular penas aos infratores. A lei ordena que os e-mails comerciais tenham, além do domínio, um cabeçalho válido, o que identificaria o remetente da mensagem; um título (assunto) que corresponda realmente ao corpo e objetivo da mensagem recebida; e um meio eficaz para que o internauta possa optar pelo não recebimento de novas mensagens não solicitadas daquele remetente [103].

3.2.2.2 Argentina

Ricardo Luiz Lorenzetti afirma ser a proteção da privacidade "a principal antítese da liberdade de expressão e da liberdade de comércio". E continua: "Diversos conflitos dependem do adequado juízo de ponderação entre estes princípios competitivos" [104].

De acordo com o referido autor, na Argentina houve equiparação do e-mail com a correspondência privada. Afirma que o artigo 1.071 do Código Civil argentino torna infrator da intimidade o indivíduo que se intromete, de forma arbitrária, na vida alheia, seja publicando fotografias, molestando a vítima em seus costumes ou sentimentos, divulgando correspondência ou mesmo perturbando, de qualquer outro modo, sua intimidade [105].

Segundo Lorenzetti, a intimidade é parte constitutiva do indivíduo que não se comunica com o seu exterior, embora este possa exercer influência no campo íntimo do sujeito [106].

A Argentina já acordou para o problema da violação da privacidade através de instrumentos informáticos. Nas IX Jornadas Nacionais de Direito Civil da Argentina foi proposta a regulamentação do uso da informática, evitando agressões à vida privada dos indivíduos, dando-lhes os seguintes direitos: examinar o alcance e o conteúdo das informações obtidas; requerer e obter a conformidade e atualização de informações; restringir o direito de acesso a informação nos casos em que há um direito legítimo; e ter seus dados empregados para o desígnio pelo qual foram fornecidos [107].

3.2.2.3 Direito comunitário europeu

Vejamos agora as medidas que vêm sendo tomadas pelo Direito comunitário europeu.

O tratamento e a circulação de dados pessoais ganharam importante proteção com a Diretiva 95/45/CE, legislação comunitária que deu um grande passo na regulamentação do próprio conceito de dados pessoais, dando-lhes tratamento legal, atribuindo-lhes princípios fundamentais, exigindo finalidades específicas para sua manutenção e regulando o acesso a eles [108].

No ano de 1997, o Parlamento e o Conselho Europeu promulgaram a Diretiva 97/66/CE, que lançou o tratamento dos dados pessoais e da privacidade para o setor de telecomunicações.

Em 12 de julho de 2002, foi promulgada a Diretiva 2002/58/CE, relativa à privacidade dos dados nas comunicações eletrônicas. O instrumento definiu regras aplicáveis ao tratamento, pelos fornecedores de rede e de serviços, das informações de tráfego e de localização gerados pela simples utilização da comunicação eletrônica [109].

Assim, restou estipulado que os dados devem ser eliminados ou tornados anônimos logo que cumprirem sua função para efeito de utilização do meio eletrônico e que podem, mediante consentimento dos interessados, ser tratados para efeitos de oferecimento e comercialização de serviços.

Em 2006, foi proposta a Diretiva 2006/24/CE, que possui regulamentação específica quanto aos dados obtidos através do uso de endereço eletrônico e da simples navegação pela internet: os dados que podem ser conservados são aqueles referentes aos serviços prestados pelos provedores, para fins de cobrança e controle dos serviços prestados. Tal Diretiva está de acordo com os direitos fundamentais e com os princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, assegurando aos cidadãos o respeito pela privacidade, pelas comunicações e pela proteção dos dados pessoais.

Desta forma, faz-se cumprir o disposto nos artigos 7º ("Respeito pela vida privada e familiar") e 8º ("Proteção de dados pessoais") da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia. Eis o conteúdo do artigo 8º da referida Carta:

1. Todas as pessoas têm direito à proteção dos dados de caráter pessoal que lhes digam respeito.

2. Esses dados devem ser objeto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva retificação.

3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma autoridade independente [110].

Tais Diretivas estão sendo, gradativamente, incorporadas pelo direito interno dos Estados Membros da União Européia, o que se dá por meio de promulgação de leis nacionais.

Em novembro de 2007, houve uma proposta de Diretiva do Parlamento Europeu, que, segundo sua Exposição de Motivos, possui dois objetivos: o primeiro, reforçar e melhorar a proteção dos consumidores nas comunicações eletrônicas, dando-lhes direito a mais informações sobre preços e condições de oferta; o segundo, aumentar a proteção da privacidade e dos dados pessoais no setor das comunicações eletrônicas [111].

3.2.2.4 Espanha

Conforme doutrina espanhola [112], a privacidade é uma característica aplicável não a uma pessoa em concreto, mas sim a informações que têm natureza particular. Desse modo, se pode falar em privacidade de uma informação, como, por exemplo, o caráter privado de dados concernentes a uma pessoa – não acessíveis ao conhecimento do público em geral.

Entende-se, assim, que privacidade diz respeito à parte da vida de um indivíduo que não está exposta ao conhecimento de outras pessoas. Proteger as informações privadas relativas a um determinado sujeito significa protegê-lo [113].

Desta forma, é compreendido que:

La "privacidad", o, por mejor decir, la "particularidad", la irrepetible "individualidad" de una persona (el individuo que es todo ser humano, la persona) desea: primero, no ser observada por cualquiera; después, si fuera observada y convertida en información notificable, difundible, que esa información sobre sí no sea difundida; y más tarde, si acaso difundida la información que a ella se refiera, desea no ser personalmente, ni físicamente, ni patrimonialmente, ni moralmente invadida: no sufrir (de resultas de esa observación que la convierte en noticia, en datos al alcance del conocimiento ajeno) agresión de tipo alguno; no sufrir el más mínimo dano: ni en su integridad física o en su salud en el más amplio sentido, ni en su patrimonio, ni en su estima propria o ajena, ni en su derecho al aislamiento voluntario, a que le dejen consigo mismo en paz [114]. (destaques do original.)

Já faz muito tempo que estudiosos espanhóis se deram conta da invasão da privacidade dada através dos cookies:

Otro caso, aparte de la difusión incontrolada de un fichero, un documento, un escrito, es la información sobre el usuario que a sua paso por la red va dejando marcas, huellas electrónicas de sí, que conoce el proveedor de su acceso a la Red: las llamadas "cookies". Constituyen las "cookies" un rastro de los lugares visitando el ciberespacio, de las páginas Web, por donde ha pasado, en su navegación asomándose a depósitos de información, el usuario [115]. (destaques do original.)

Desta forma, se outras pessoas passam a ter conhecimento de lugares visitados pelo internauta, este pode passar a sofrer incômodos decorrentes dessa violação de sua privacidade, tais como: críticas; invasão de ofertas publicitárias; chantagens; ataques à suas vidas pessoal, familiar e profissional; etc. Não são previsíveis todas as possíveis conseqüências de alguém conhecer o perfil individual de determinada pessoa sem que esta saiba, utilizando esse conhecimento contra a vítima, sua família e seu patrimônio [116].

A preocupação de juristas espanhóis acerca da utilização dos cookies é expressa nas seguintes palavras:

Estamos, por tanto, expuestos a la mirada rastreadora de los otros, de los demás usuarios de la Red, como está expuesto el pez en su pecera de cristal. Los otros [...] olfatean, olisquean, husmean nuestro yo apresado, dibujado, en los contenidos informativos del disco duro de nuestro ordenador conectado a la red [117].

A proteção legal espanhola à privacidade está na chamada Lortad (Ley Orgánica de Régimen del Tratamiento Automatizado de los Datos de carácter personal). O texto legal da Lortad visa proteger o afetado, o titular da privacidade violada. Se, antes, a interpretação jurisprudencial e doutrinária da referida lei abrangia apenas informações relativas a pessoas físicas, atualmente considera-se que seu texto também protege as informações concernentes a pessoas jurídicas, que também podem ter dados privativos, objeto de proteção legal [118].

Do ordenamento jurídico espanhol, extrai-se cinco princípios que protegem as informações privadas – cujas iniciais curiosamente compõem a palavra "disco": "Disponibilidad privada", segundo o qual é preciso o consentimento do titular das informações privadas para que outros tenham acesso a elas, além de ter, o titular das informações, o direito de acessá-las junto aos bancos de dados que as contêm e, se estiverem em desacordo com a verdade, retificá-las ou excluí-las, se for o caso; "Intervención pública": conforme este princípio, toda pessoa ou entidade que proceda à criação de banco de dados notificará previamente a Agencia de Protección de Datos; "Seguridad de los ficheros": este princípio afirma que o responsável pelo banco de dados deverá adotar as medidas técnicas e organizacionais necessárias para a segurança das informações nele contidas; "Confidencialidad": segundo este princípio, aqueles que têm acesso ao banco de dados estão obrigados a manter segredo profissional acerca das informações nele contidas, vez que a cessão de informações obedece a limites legais; e "Olvido": segundo o qual os dados, ao cumprirem as funções às quais se destinam, devem ser deletados [119].

Assim, pode-se concluir que, conforme a doutrina e o pensamento espanhóis:

por lo que se refiere a las particularidades de la violación de la intimidad en INTERNET hay que resaltar estos dos puntos: primero, que regen em el ciberespacio tanto las disposiciones de la Lortad sobre protección de datos de caracter personal como las del Código Penal em materia de ilícitos penales informáticos; segundo, que la información de caracter personal que salta a la red por libre decisión de su titular debe entenderse que no tiene caracter privado sino público, si bien la información residente em el disco duro del ordenador no puesta a disposición del público debe entenderse cono información reservada, de modo que quienes la observem, transmitan o manipulen invaden ilícitamente la intimidad ajena [120]. (destaques do original.)

3.2.2.5 Itália

Também os juristas italianos demonstram preocupação com a ameaça à privacidade por meio de instrumentos como os cookies. A doutrina itálica prega que o uso dos cookies deve ser de conhecimento dos usuários e ter prévia autorização.

Na Itália, considera-se que quaisquer informações armazenadas nos computadores pessoais dos internautas fazem parte de sua esfera privada, devendo, portanto, receber proteção contra uma eventual interferência externa. A utilização de spywares e cookies é considerada grave intrusão à vida privada do usuário, sendo que a utilização destes artifícios deve ser autorizada pelo internauta e ter finalidades legítimas e de seu conhecimento.

Desta forma, cookies poderiam ser admitidos para fins legítimos (ou seja, facilitar a prestação de serviços da sociedade da informação). Duas condições essenciais são: o fornecimento, aos usuários, de forma clara e precisa, de informações relativas a quais dados estão sendo captados pelos cookies instalados em seu microcomputador; e a opção de o usuário recusar a instalação de cookies em seu equipamento [121].

Cumpre observar que a prática de spamming, na Itália, assim como na Inglaterra, é crime, punível "com pesadas multas ou até três anos de prisão" [122].

3.2.2.6 Inglaterra

Não se pode dizer que, na Inglaterra, a privacidade seja um direito com blindagem constitucional. René David, em célebre obra, escreve que:

A Inglaterra nunca teve uma Constituição formal, enunciando solenemente os princípios sobre os quais estava fundado o governo. Na ausência de tal documento, ficamos embaraçados para dizer o que depende e o que não depende da ordem constitucional. A própria noção de Constituição é para os ingleses muito imprecisa [...] [123].

O direito inglês é fundado em princípios – os quais foram sendo agregados ao ordenamento jurídico bretão consuetudinariamente. Os primeiros esboços relacionados à privacidade surgiram na Inglaterra. Isso se deu através da positivação do princípio da inviolabilidade do domicílio, ainda no século XVII. Na Inglaterra daquele tempo, havia o princípio "man’s house is his castle", que delimitava o espaço físico privado do cidadão frente ao Estado [124].

Em 2003, foi aprovada, no parlamento britânico, a criminalização do envio do spam para e-mails pessoais. Com essa lei, torna-se crime enviar quaisquer mensagens eletrônicas a consumidores que não a solicitaram [125].

A lei que torna crime o spam é adequada ao sistema geral europeu acerca da privacidade do consumidor na internet: o positive option, segundo o qual "a utilização de uma lista de endereços eletrônicos só deve ocorrer após a manifestação inequívoca do consumidor, concordando com a ação" [126].

Uma brecha na referida lei permite o envio de spams a endereços não comerciais. Assim, mesmo com tal regra, em 2004, ano seguinte ao da aprovação da referida lei, 70% do total de mensagens eletrônicas enviadas na Inglaterra eram spams [127].

3.2.2.7 França

Na França, há uma autoridade responsável pela proteção de dados pessoais: a CNIL – Commission nationale de l’informatique et des libertes. Trata-se de uma comissão administrativa independente existente há trinta anos e que, com força em lei, tem o objetivo de observar e proteger os cidadãos franceses de eventuais abusos advindos do uso da informática.

Com o advento da publicidade abusiva através da internet, a CNIL passou a se preocupar com práticas como spams e cookies. Recentemente, essa comissão administrativa criou uma espécie de "boîte à spam" (uma caixa postal com o objetivo específico de capturar spams e entender o fenômeno do spaming), estratagema que capturou, em um período aproximado de um ano, cerca de 203 mil mensagens comerciais não solicitadas – spams [128].

De acordo com uma decisão da CNIL, sites sujeitos ao direito francês devem alertar o usuário antes da utilização de cookies. Assim escreve Frédéric-Jérôme Pansier e Emmanuel Jez:

Il est à noter que, conformément à une recente décision de la CNIL (7 juillet 1998), lês fournisseurs d’hébergemente d’um site doivent, lorsqu’ils sont soumis au droit français, faire une déclaration préalable à l’utilisation d’éventuels cookies, consideres comme dês fichiers automatisés soumis à la loi de 1978 [129].

Tal determinação pode ser comparada a uma lei francesa que proíbe tornar público catálogos de dados pessoais sem prévia autorização de quem as informações dizem respeito e da própria CNIL.

3.2.2.8 Portugal

Em Portugal, há a Lei nº. 67/98 – conhecida como Lei de Protecção de Dados Pessoais. Ela estabelece um regime de proteção às pessoas que possuem seu nome inscrito em listas de endereços eletrônicos utilizadas por spammers [130]. Tal lei dá à pessoa na situação ora descrita o direito de ter seu nome excluído de tais registros [131].

Por sua vez, o Decreto-Lei nº. 07/2004 – Lei Anti-Spam – transpõe para o ordenamento jurídico português parte da Diretiva 2002/58/CE. Esta lei estabelece que o envio, por e-mail, de mensagens caracterizando marketing direto necessita de prévia autorização do destinatário. Em caso de coletividade de destinatários, deve haver a possibilidade de estes terem a real opção de não receber novamente a mensagem.

O artigo 22 da Lei Anti-Spam trata das comunicações não solicitadas:

Artigo 22.o

Comunicações não solicitadas

1 — O envio de mensagens para fins de marketing directo, cuja recepção seja independente de intervenção do destinatário, nomeadamente por via de aparelhos de chamada automática, aparelhos de telecópia ou por correio electrónico, carece de consentimento prévio do destinatário.

2 — Exceptuam-se as mensagens enviadas a pessoas colectivas, ficando, no entanto, aberto aos destinatários o recurso ao sistema de opção negativa.

3 — É também permitido ao fornecedor de um produto ou serviço, no que respeita aos mesmos ou a produtos ou serviços análogos, enviar publicidade não solicitada aos clientes com quem celebrou anteriormente transacções, se ao cliente tiver sido explicitamente oferecida a possibilidade de o recusar por ocasião da transacção realizada e se não implicar para o destinatário dispêndio adicional ao custo do serviço de telecomunicações.

4 — Nos casos previstos nos números anteriores, o destinatário deve ter acesso a meios que lhe permitam a qualquer momento recusar, sem ónus e independentemente de justa causa, o envio dessa publicidade para futuro.

5 — É proibido o envio de correio electrónico para fins de marketing directo, ocultando ou dissimulando a identidade da pessoa em nome de quem é efectuada a comunicação.
6 — Cada comunicação não solicitada deve indicar um endereço e um meio técnico electrónico, de fácil identificação e utilização, que permita ao destinatário do serviço recusar futuras comunicações.

7 — Às entidades que promovam o envio de comunicações publicitárias não solicitadas cuja recepção seja independente da intervenção do destinatário cabe manter, por si ou por organismos que as representem, uma lista actualizada de pessoas que manifestaram o desejo de não receber aquele tipo de comunicações.

8 — É proibido o envio de comunicações publicitárias por via electrónica às pessoas constantes das listas prescritas no número anterior [132].

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Sobre o autor
Diogo dos Santos de Oliveira

Advogado em São Paulo, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Diogo Santos. Publicidade abusiva na internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2071, 3 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12399. Acesso em: 17 nov. 2024.

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