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Início do prazo para pagamento voluntário de sentença condenatória.

Análise dos artigos 475-B e 475-J do CPC

02/04/2009 às 00:00
Leia nesta página:

Introdução

Trata o presente artigo da discussão acerca da contagem do prazo de quinze dias para cumprimento voluntário de sentença condenatória de quantia certa, interstício inserido no nosso sistema processual com o advento da Lei 11.232/2005, bem como da questão da necessidade ou não de intimação pessoal do devedor para o cumprimento da obrigação.

Com o trânsito em julgado da sentença, a sistemática processual estabeleceu dois caminhos a seguir: o art. 475-A, na hipótese de sentença ilíquida, ou o art. 475-B, caput, para sentença que dependa apenas de cálculos aritméticos.

A ênfase da discussão doutrinária está centrada no comando do art. 475-J do CPC, o que será devidamente analisado no presente artigo, em consonância com os demais dispositivos da reforma do cumprimento de sentença e dos princípios e garantias constitucionais.


2. Condenação ao pagamento de quantia certa:

A exigibilidade do cumprimento de sentença condenatória de quantia certa se dá com o trânsito em julgado, contudo para que o título goze de liquidez é necessário que o devedor saiba exatamente o valor a ser depositado.

Então, vejamos na prática um exemplo: uma sentença que em seu dispositivo condena o réu ao pagamento do valor de R$ 50.000,00 à título de danos materiais, valor a ser corrigido a partir da data do evento danoso, acrescido de juros de mora, correção monetária, honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, bem como das custas processuais.

Esse réu hipotético toma conhecimento, por meio de seu advogado particular constituído nos autos, de que a sentença transitou em julgado na 2ª instância, bem como que seu prazo para pagamento voluntário é de quinze dias e começou a fluir.

O devedor, a fim de não arcar com a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, procura imediatamente a Secretaria da Vara na qual foi proferida a sentença para efetuar o depósito judicial. Os autos ainda não retornaram à Vara de origem, pergunta-se: qual o valor da guia a ser expedida para a realização do depósito? Quem deverá informar o valor? O escrivão? O devedor? O magistrado?

Diante dessa questão que ora se coloca, torna-se de máxima importância dar especial atenção ao caput do art. 475-B do CPC, a saber:

Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo com a memória discriminada e atualizada do cálculo.

O art. 475-J, assim estabelece:

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze (15) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

Extrai-se, a partir do exemplo acima e da análise dos artigos, que o credor deverá requerer o cumprimento da sentença, apresentando os cálculos aritméticos, para que o título executivo judicial passe a gozar do requisito da liquidez.

Vejamos o que diz Araken de Assis [01] a respeito

O art. 475-J, caput, não estabelece qualquer procedimento especial para se realizar o depósito. Mas, como o prazo de espera flui a partir do momento em que o crédito se torna exigível, e a exigibilidade assenta na liquidez, presume-se que o executado conheça precisamente o valor da dívida.

Ousa-se discordar de Araken, para sustentar que o procedimento para realizar o depósito está sim previsto e é o estabelecido no art. 475-B, porque no momento em que vivemos de estabilização da Democracia e do desenvolvimento de uma cultura realmente democrática no Brasil, não é possível se falar em presunção do executado em saber precisamente o valor da dívida. Nessa linha de argumentação, caberá ao credor indicar o valor.

Ressalta-se, ainda, que a aplicação da multa prevista no art. 475-J é momento posterior ao decurso do prazo de pagamento voluntário, quer seja, ocorrerá com o início dos atos executórios, que consistem na expropriação de bens do patrimônio do devedor para garantia do crédito do credor.

"A pretensão a executar pressupõe o inadimplemento da condenação", concorda-se agora com as afirmações de Araken de Assis [02].

Estabelecido que o credor deverá fornecer o valor para que viabilize o pagamento por parte do devedor, permanece a questão: a partir de quando começará a fluir o prazo de quinze dias para o pagamento voluntário do débito?


3. Necessidade de intimação do devedor

Apresentado o valor do débito pelo credor, art. 475-B, ou liquidado o valor da condenação, art. 475-A, para o início da contagem do prazo de quinze dias deverá o devedor ser intimado, obedecidas às regras processuais previstas para as intimações, a teor dos artigos 234 e seguintes do CPC:

Art. 234: Intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.

É tão certo que o legislador não quis suprimir atos de intimação que, em caso de eventual demora na realização da intimação do devedor, previu a seguinte situação para a execução de título extrajudicial:

Art. 652 do CPC: O executado será citado para, no prazo de três (3) dias, efetuar o pagamento da dívida.

...

§ 4º A intimação do executado far-se-á na pessoa de seu advogado; não o tendo será intimado pessoalmente.

§ 5º Se não localizar o executado para intimá-lo da penhora, o oficial certificará detalhadamente as diligências realizadas, caso em que o juiz dispensará a intimação ou determinará novas diligências.

Vale lembrar que é obrigação das partes manterem seus endereços atualizados nos autos, sob pena de, em não fazendo, arcar com as implicações legais. Vejamos o teor do art. 238 do CPC:

Art. 238. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais e aos advogados pelo correio, ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria.

Parágrafo único. Presumem-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos, cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver modificação temporária ou definitiva.

Agregados aos dispositivos das intimações constantes no sistema processual, estão os princípios constitucionais, dentre eles, o do devido processo legal e da segurança jurídica.

Assim, não há que se falar em contagem de prazo com início nas instâncias superiores, quando sequer os autos retornaram à Vara de origem, local definido como competente para processar os atos de execução, acrescido da informação do valor a ser depositado, necessários ao cumprimento da sentença.


4. Quem deverá ser intimado: o devedor ou seu advogado

Ao lado de questionarmos quem deverá ser intimado para o pagamento no cumprimento de sentença, é importante ressaltar o que são as obrigações pessoais tratadas no Direito Civil, que vinculam uma pessoa à outra, através das declarações de vontade e da lei, tendo por objeto determinada prestação.

Washington de Barros Monteiro [03] entende mais completa a definição de obrigação como sendo a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantido-lhes o adimplemento através de seu patrimônio.

Cândido Rangel Dinamarco [04] acentua que a finalidade perseguida pelo Estado na execução "é um resultado que o próprio obrigado deveria realizar e só à falta desta realização é que os órgãos públicos (em princípio) intervêm: nisso reside o caráter substitutivo da atividade estatal na execução.

A obrigação, portanto, corresponde à relação de natureza pessoal, quer seja, só a própria pessoa vinculada à relação é que está obrigada ao cumprimento da prestação. Assim, não há que se falar em intimação do advogado, Defensor Público, ou publicação em Diário Oficial, para o pagamento de condenação.

Caso a intimação para o pagamento se torne entrave para o cumprimento da sentença, o nosso ordenamento jurídico contempla diversos dispositivos, a exemplos dos colacionados nessas linhas, para fazer valer o poder do Estado, tudo com respeito às garantias processuais e constitucionais.

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Conclusões

A Lei 11.232/2005 passou a tratar o processo de execução de título judicial como apenas uma fase distinta da cognição de um mesmo processo, diante da unidade da relação jurídica e de que a função jurisdicional não se esgota com a sentença, porque dependerá de atos que serão concretizados na fase executória, dispensando-se inclusive a citação, o que não significa dizer que o devedor não terá que ser intimado para efetuar o pagamento da condenação.

Ressalta-se que a Constituição Federal garante a todos o acesso à justiça, o que se realiza através do devido processo legal, que se encontra no patamar de garantia fundamental, na base dos demais princípios constitucionais, proporcionando em conjunto a busca de resultados justos.

O princípio do acesso à ordem jurídica, ao lado do princípio do devido processo legal, formam no entender de Mendonça [05]

fundamento básico de todo o sistema processual de efetivação das normas e de proteção dos direitos constitucional e infraconstitucionalmente prescritos. Ambos emergem como garantias substanciais da realização do Estado Democrático de Direito ao assegurarem para todos, indistintamente, a possibilidade de perseguir pela via judiciária, desenvolvida por autoridade estatal competente, com base no princípio do contraditório, através de instrumentos legais, dialéticos, igualitários e eficazes, a observância dos seus direitos.

É importante ressaltar que fundamental ao processo é assegurar a participação das partes para, querendo, exercerem as faculdades que a lei lhes coloca à disposição, sem dificultar com a imposição de formas desnecessárias, bem como, sem suprimir as garantias processuais, alicerces da segurança jurídica e do devido processo legal.

Assim, afirma-se que cabe ao credor fornecer o cálculo aritmético do seu crédito, a teor do art. 475-B do CPC, e, em seguida, o devedor deverá ser intimado pessoalmente para que se inicie a contagem dos quinze dias para pagamento voluntário da dívida.

Somente após o decurso do interstício de quinze dias, sem o cumprimento da obrigação, que será aplicada a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC e, a partir desse momento processual, se darão início aos atos de execução, consubstanciados na penhora e demais constrições legais.

O elo de ligação do Processo Civil com a Constituição está na observância aos princípios que se compatibilizem com a realidade e cultura da sociedade. É o que afirma Pedro Miranda de Oliveira [06]

O direito processual tem, dessa forma, sua base no direito constitucional, que lhe fixa os fundamentos essenciais, mormente quanto ao direito de ação e de defesa e ao exercício da jurisdição, função soberana e indelegável do Estado. Ajustando-se essa afinidade à circunstância de que são os princípios que distinguem e revelam os sistemas processuais, conclui-se que, por trás dos princípios que informam as normas processuais, sempre está um comando constitucional. Interligam-se, dessa forma, os preceitos constitucionais e os princípios que informam o processo, razão pela qual muitas vezes se identificam nos dois ramos do direito os mesmos princípios.

O sincretismo processual é uma tendência moderna do processo civil, que diz respeito a essa relação entre o processo de conhecimento e o processo de execução, se contrapondo ao princípio da autonomia, efetivado através da Lei 11.232/2005, que trouxe agilidade à prestação jurisdicional.

Contudo, não podemos, agarrados na falsa idéia de uma rápida prestação jurisdicional, tornar o processo civil um túnel do terror, no qual não se sabe qual o próximo susto se vai tomar.

Acima de tudo, devemos preservar o acesso à justiça, o devido processo legal e a segurança jurídica, para podemos, ao final, afirmarmos que estamos construindo uma cultura verdadeiramente democrática no nosso país.

Diante das ponderações levantadas, da doutrina e legislação analisadas, conclui-se que as alterações implementadas pela Lei 11.232/2005 ao processo de execução de título judicial, modificou a sistemática processual, sem contudo abalar as bases processuais garantidas na Constituição Federal.


5. Referências Bibliográficas

ASSIS, Araken de. Cumprimento de Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Constituição da República Federativa do Brasil – obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 13 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil IV. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

MENDONÇA, J.J. Forentino Santos, Deluse Amaral Rolim Florentino. Instrumentos para a efetivação do acesso à justiça. Recife: Bagaço, 2005.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2006.

NEGRÃO, Theotônio e GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

OLIVEIRA, Pedro Miranda de Constituição, Processo e o Princípio do Due Process Of Law. Texto extraído do Direito Civil e Processo, Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim, 2008.


Notas

  1. ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença, 2007, p. 212.
  2. Idem op. cit., p. 211.
  3. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol. IV, 2006, p. 8.
  4. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. IV, 2004, p.53.
  5. MENDONÇA, J.J. Florentino Santos. Instrumentos para efetivação do acesso à justiça. 2005, p. 161.
  6. OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Constituição, Processo e o Princípio do Due Process Of Law. p. 1096.
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Sobre a autora
Janete Ricken Lopes de Barros

bacharel em Direito, analista judiciário, Diretora da Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante/DF, pós-graduada em Processo Civil pelo IDP, mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Janete Ricken Lopes. Início do prazo para pagamento voluntário de sentença condenatória.: Análise dos artigos 475-B e 475-J do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2101, 2 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12567. Acesso em: 25 dez. 2024.

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