I – INTRODUÇÃO
Atualmente avolumam-se nas Subseções Judiciárias Federais da fronteira do Brasil com o Paraguai centenas de mandados de segurança impetrados por brasileiros residentes no Brasil que pleiteiam a não apreensão, em eventuais ações fiscalizatórias da Receita Federal, de veículos licenciados no Paraguai
O tema tem recebido um tratamento deveras simplificado por parte dos Tribunais e Juízes Federais.
Tem-se firmado um entendimento Jurisprudencial pautado apenas na interpretação do artigo 71 do Código Civil, qual seja, a possibilidade de estabelecimento do duplo domicílio do indivíduo, no Brasil e no Paraguai, o que justificaria a aquisição dos veículos em território paraguaio e sua livre circulação do lado de cá da fronteira.
Retrata tal posicionamento o julgado abaixo:
"Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO
Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL
Processo: 200772000020371
UF: SC
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data da decisão: 19/11/2008
Documento: TRF400173333
TRIBUTÁRIO. PERDIMENTO DE VEÍCULO ESTRANGEIRO. PROPRIETÁRIO. DUPLO DOMICÍLIO. LIVRE CIRCULAÇÃO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. 1. O proprietário de veículo estrangeiro tem direito à livre locomoção no território brasileiro, desde que seja ele domiciliado no país de procedência do bem ou, ainda, que também tenha domicílio no Brasil, existirem razões concretas para o trânsito entre os países, tais como vínculos de natureza familiar e negocial. 2. A Resolução MERCOSUL 35/2002, que permite o ingresso de veículos comunitários do MERCOSUL, de uso particular e exclusivo de turistas, não esgota as possibilidades de internação temporária. 3 - Hipótese em que restou demonstrado que a empresa proprietária do veículo é domiciliada no Paraguai e que o bem estava circulando no País transitoriamente, já que o sócio tem domicílio no Brasil, em cidade fronteiriça."
E, é neste contexto de "carência jurídica" que surge a necessidade de tecer algumas considerações um pouco mais aprofundadas sobre o tema.
1. CONTEXTO FÁTICO DA AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS NA FRONTEIRA
Inicialmente, convém discorrer brevemente sobre a situação fática envolvendo os veículos emplacados no Paraguai em trânsito na região da fronteira.
Tal abordagem visa afastar toda e qualquer ingenuidade na análise das inúmeras questões postas em Juízo.
Pois bem, qualquer indivíduo que visitar a cidade de Foz do Iguaçu, em qualquer dia e horário da semana vai se deparar com uma imensa quantidade de veículos com placas paraguaias em circulação.
O interessante em se notar é que não se trata de veículos comuns, utilizados em atividade profissional, mas sim carros super-luxo, tais como modelos top AUDI, BMW, MERCEDES BENZ, HONDA, MAZDA, HIUNDAI, entre outros.
Também, cabe salientar que a circulação dos veículos se dá em horários de expediente do comércio paraguaio, geralmente conduzidos por pessoas domiciliados no Brasil e que não exercem nenhuma atividade estável em território paraguaio.
Aliás, sem qualquer preconceito contra o sexo feminino, mas o fato é que se avultam os casos em que os veículos paraguaios ficam à disposição das mulheres dos proprietários, durante todo o tempo, em circulação no Brasil.
Agora, no que se refere à atividade paraguaia do proprietário do veículo, criou-se a desculpa de que veículos com placas brasileiras representam um grande risco de assaltos no país vizinho, o que justificaria a aquisição de automóveis paraguaios para a circulação naquele país.
Tal desculpa, excluídos casos esporádicos, não prospera; uma pessoa que teme assaltos no Paraguai com certeza não iria adquirir um carro super-luxo, mas sim adquiriria um modelo básico.
Também, no que se refere à insegurança, não é só no Paraguai que se roubam carros, roubam-se muito mais aqui no Brasil para levá-los para o outro lado.
Tal insegurança é facilmente suprida com a contratação de um seguro automóvel com vigência no MERCOSUL, o que garantiria a propriedade em caso de furto/roubo.
Em suma, o que se vê é a aquisição de "carrões" subfaturados no Paraguai para serem utilizados exclusivamente em território nacional.
Tais aquisições além de fraudarem os tributos incidentes na importação, ainda causam sérios transtornos à administração pública e à população brasileira da fronteira.
Primeiramente, sendo os veículos emplacados no Paraguai, os mesmos não serão tributados com IPVA, ou seja, utilizarão nossa infra-estrutura viária sem contribuir com nenhum centavo na sua conservação.
Em seguida, convém salientar que tais veículos podem exceder o limite de velocidade das estradas, ultrapassar em locais proibidos, passar sinal vermelho, sem que sofram qualquer penalidade.
Neste contexto, é evidente que tanto o veículo não ficará onerado quanto o seu condutor não terá qualquer cômputo de pontuação em sua CNH devido às infrações.
Ainda na esfera pública, uma coisa corriqueira para todos os cidadãos nas grandes cidades não é cumprida por motoristas de carros paraguaios: a simples colocação do cartão de zona azul (ESTAR) para estacionamentos nas vias centrais.
Agora, passando para a esfera dos cidadãos, corre-se um risco muito grande no trânsito da cidade com a possibilidade de colisão com veículos paraguaios.
Não sendo matriculado o veículo em território nacional, torna-se quase impossível a localização do proprietário e, consequentemente a responsabilização civil por danos materiais e morais.
Enfim, é evidente o prejuízo ao Estado Brasileiro e à população nacional com esta prática fraudulenta de aquisição de veículos em território paraguaio por cidadãos domiciliados no Brasil.
Outro aspecto que também merece ser abordado é o referente à documentação obtida em território paraguaio como forma de provar-se vínculo com aquele país.
Como é sabido por todos, a obtenção de documentação fria é uma situação deveras corriqueira em território paraguaio, bastando ao requerente dispor apenas da vontade e vários dólares.
É o que se extrai da reportagem abaixo:
"Tipo D
Detran investiga fraude da ''carteira paraguaia''
Publicada em 15/04/2008 às 00h01m
O Globo
CIUDAD DEL ESTE e RIO - Pelo menos 18 motoristas, a maioria da cidade de São Gonçalo, tiveram seus pedidos de habilitação no Detran suspensos nesta segunda-feira por suspeita de fraude. Os motoristas, que pleiteavam habilitação tipo D (para dirigir veículos de transporte de passageiros), apresentaram carteiras tiradas em cidades no Paraguai. Por lei, os documentos podem ser reconhecidos pelo Departamento de Trânsito nacional se a pessoa comprovar que tirou a carteira em território paraguaio e morou pelo menos seis meses no país. Mas, diante de suspeitas de irregularidades, os pedidos foram negados.
As carteiras apresentadas ao Detran do Rio podem ser falsificadas. O GLOBO apurou que os motoristas informaram endereços residenciais que não existem. Alguns são pontos de táxis ou lojas comerciais em Ciudad del Este, na fronteira do Brasil com o Paraguai.
A fraude foi descoberta este mês pelo Detran que notou uma grande quantidade de pedidos de reconhecimento de carteiras paraguaias. Um dos motoristas foi questionado por um funcionário do órgão e não sabia dizer o nome da cidade em que morou ou a moeda usada no Paraguai. O Corregedor do Detran, delegado David Anthony, afirmou que vai fazer uma revisão em todos os processos de habilitação de motoristas que apresentaram carteiras de outro país." (extraído de http://oglobo.globo.com/rio/transito/mat/2008/04/14/detran_investiga_fraude_da_carteira_paraguaia_-426847403.asp )
Assim, por mais que as convenções entre os países impliquem na aceitação da validade dos documentos, não se pode apenas fechar os olhos e, de maneira irrestrita aceitar a validade de documentos sem qualquer formalidade ou questionamento quanto à sua autoria.
Especialmente quando se trata de mandado de segurança, onde se tem um rito que não comporta dilação probatória, fica deveras complicada a aceitação de documentação produzida unilateralmente pelo impetrante, a qual acaba sendo analisada sob um juízo de cognição limitada.
Enfim, uma vez dados os contornos fáticos da realidade fronteiriça, analisemos os fundamentos jurídicos que nos conduzem à posição de aversão à forma de aquisição de tais veículos.
2. O TRATADO DO MERCOSUL E A SOBERANIA NACIONAL
Em 26/03/1991, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai assinaram o Tratado de Assunção, o qual criou o bloco econômico denominado MERCOSUL.
Tal bloco possuía como paradigma a União Européia, atualmente consolidada política, econômica e juridicamente, e, visava à integração dos citados países sulamericanos nos moldes europeus.
No ponto, assim dispõe o Tratado de Assunção:
"(...)
Artigo 1º - Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado Comum do Sul" (MERCOSUL).
Este Mercado Comum implica:
;A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários restrições não tarifárias à circulação de mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente
O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e
O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
Artigo 2º - O Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados Partes.
(...)"
Pois bem, num simples olhar para o texto legal acima, vê-se que o mesmo não passou, até o momento, de um verdadeiro protocolo de intenções.
Não há até o momento o estabelecimento da livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários restrições não tarifárias à circulação de mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente.
O fato é que cada país estabeleceu suas barreiras protecionistas, visando proteger sua arrecadação tributária, sua indústria, sua pecuária, sua agricultura, e, neste diapasão, corriqueiramente surgem impasses quanto à aplicação das regras comunitárias.
Neste contexto, os juristas nacionais não podem querer vislumbrar uma União Européia vestida sobre o "homem de barro" do Mercosul.
A norma "programática" (infra-constitucional) da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos está muito distante de ser alcançada, pois até o momento não foi tomada nenhuma providência por parte dos integrantes no que se refere ao compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
No caso específico do Brasil, a nossa Constituição Federal estabelece no parágrafo único do artigo 4º que:
"A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações."
No entanto, prevê no artigo 1º como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: a SOBERANIA.
E, o conceito de soberania, da forma como insculpido em nossa Constituição, não é um termo relativizado, mas sim baseado na verdadeira acepção da palavra.
No ponto, ALEXANDRE DE MORAES, citando Marcelo Caetano assim define soberania:
"um poder político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes de outros povos.
É a capacidade de editar suas próprias normas, sua própria ordem jurídica, a começar pela Lei Magna), de tal modo que qualquer regra heterônoma só pode valer nos casos e nos termos admitidos pela própria Constituição" (MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo. Ed. Atlas: 2006, p. 16)
Tratando do tema da soberania tributária, Heleno Torres afirma que, tal conceito,
"como manifestação negativa, não permite a interferência de outras soberanias tributárias sobre o funcionamento do seu sistema tributário, e, que, ainda, é aquele poder institucionalizado que coloca o Estado como sujeito da ordem mundial, proporcionando autonomia e independência na determinação dos fatos tributáveis e nos procedimentos de arrecadação e de fiscalização dos tributos, nos termos das auto limitações de fontes originariamente internas e constitucionais e de fontes internacionais; entende-se, ainda, a soberania tributária como princípio fundamentador da aplicabilidade das normas tributárias de um Estado". (TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 64-68)
Agora, aplicando-se os conceitos acima ao caso dos veículos paraguaios, temos como inconteste o fato de que o Brasil não pode suportar que o governo paraguaio retire o seu poder fiscal ao licenciar veículos adquiridos por indivíduos domiciliados no Brasil destinados ao uso em território brasileiro.
Assim sendo, conforme exposto acima, conclui-se que o Brasil não abriu mão de sua soberania, especificamente a tributária, ao assinar o Tratado de Assunção.
Desta forma, por mais que o objetivo do tratado seja a livre circulação dos bens, serviços e fatores produtivos entre os países integrantes do bloco, não temos até o momento nenhum progresso concreto no sentido da total eliminação das barreiras alfandegárias.
Aliás, se o tratado do MERCOSUL estivesse em "pleno vapor", certamente não teríamos na Subseções Judiciárias Federais de fronteira milhares de ações penais pelo crime de descaminho (art. 334 CP).
Pois, caso não houvessem tributos a serem iludidos em transações comerciais realizadas através da fronteira Brasil-Paraguai, o tipo penal descrito no artigo 334 do Código Penal já seria letra morta em tais Juízos.
Enfim, tratando resumidamente o tema da soberania nacional frente ao MERCOSUL, conclui-se que, AINDA, NO ATUAL ESTÁGIO DA INTEGRAÇÃO, nenhuma transação realizada em território paraguaio tem o condão de afastar o poder-dever da Autoridade Tributária Brasileira em fiscalizar a importação de veículos, cobrar tributos e aplicar as penalidades previstas em lei e atos regulamentares.
3. A AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS EM TERRITÓRIO PARAGUAIO FACE AO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO
Atualmente, nossos julgadores estão decidindo favoravelmente aos proprietários de veículos paraguaios em circulação no Brasil baseando-se exclusivamente na regra do duplo domicílio prevista no Código Civil.
Tal aplicação legal, com o devido respeito, demonstra uma tremenda pobreza jurídica, pois, partindo de um individualismo exacerbado frente ao Estado, busca-se com lastro em apenas um dispositivo de lei derrubar todo um arcabouço em que se funda o nosso direito.
O que se deve ter em mente em casos peculiares como os dos carros paraguaios não é uma aplicação irrestrita de um artigo legal, mas sim deve-se buscar uma construção teórica sistemática defluindo de todo o nosso ordenamento.
3.1 OBJETIVOS DA NOSSA REPÚBLICA
Dispõe a nossa Constituição Federal:
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
(...)"
Numa breve análise do dispositivo constitucional supracitado vemos as linhas mestras a serem seguidas por todos os entes e poderes da nossa Federação.
Inicialmente, vemos como objetivo "construir uma sociedade livre, justa e solidária".
Uma sociedade livre se constrói, entre outras coisas, com um povo culto, instruído: é o conhecimento que liberta!
Tal conhecimento se estabelece em um povo fornecendo-lhe meios educacionais eficientes, além das condições e incentivos para se estar em tais meios com aproveitamento.
Aí se pode até questionar que nossos meios educacionais estão sucateados, nossas crianças muitas vezes terminam o ensino fundamental sem nem sequer saber ler ou efetuar operações básicas de aritmética.
No entanto, tais críticas não servem para um cidadão brasileiro deixar de prestar sua contribuição tributária ao país, adquirindo um veículo em território paraguaio burlando a tributação nacional.
Cada veículo adquirido no Paraguai significa menor potencial governamental de investimento nas áreas básicas destinadas à nossa gente: tais como saúde, educação, prestação de justiça.
Estou certo de que os salários dos Analistas Processual e Judiciário, do Procurador da República e do Magistrado não possuem nenhum centavo de contribuição oriundos de veículos com placas paraguaias em circulação no Brasil.
Como queremos ter uma sociedade livre garantida por um Estado Social, se nós os operadores do direito procuramos de todas as formas primar por um pseudo-direito individual face ao todo do ordenamento jurídico.
Se queremos ter um Estado Social que garanta o direito de ser livre ao todos os cidadãos devemos combater com todas as armas a elisão fiscal, que tanto empobrece o aparato governamental.
A construção de uma sociedade justa e solidária se estabelece com a distribuição igual de direitos e deveres perante os cidadãos, afastando o individualismo, e, fortalecendo a participação de todos no "bolo" social.
Não se pode admitir, seja em que lugar for do território nacional, que brasileiros deixem de prestar sua parcela de contribuição para o fortalecimento da Nação.
Quando se permite que um indivíduo se furte ao pagamento de tributos, a balança vai pesar mais para o lado de quem os paga corretamente.
Ah, mas a carga tributária é muito alta no Brasil!
E, vai continuar alta enquanto a tributação não for cobrada de todos os que devem pagar!
No ponto, observa-se que os pobres sempre são taxados e pagam em dia seus tributos, acabam carregando sob suas costas o peso de um Estado deficiente.
Entretanto, os ricos, que tem alta capacidade contributiva, procuram de todas as formas driblar o fisco. Para isso, possuem ao seu redor sempre um aparato jurídico e contábil pronto para dar as "perversas" orientações elisivas.
Tratando especificamente dos veículos paraguaios, observa-se que os proprietários são pessoas abastadas, que poderiam adquirir veículos de alto padrão em território nacional, pagando os tributos.
É que, cabe frisar, os veículos adquiridos, em sua imensa maioria, não se tratam de GOL, PALIO, FUSCA, CHEVETE, CORCEL, mas sim, veículos super-luxo como HYUNDAI SANTA FÉ, HONDA CRV, BMW, MERCEDES BENZ, PICKUPS TOYOTA, MITSUBISHI, NISSAN INFINITI, etc...
Portanto, são cidadãos brasileiros com CAPACIDADE CONTRIBUTIVA que deixam de prestar sua solidariedade social perante os demais cidadãos que arcam com o deficit contributivo.
Desta forma não há como construir uma sociedade livre, justa e solidária, em se permitindo as condutas anti-sociais de alguns.
Outro objetivo da nossa República é garantir o desenvolvimento nacional.
Tratando especificamente da importação de veículos, temos que a tributação além de cumprir a função primária de arrecadação, também cumpre sua função secundária extrafiscal, qual seja, a proteção do nosso desenvolvimento.
O nosso vizinho Paraguai não tem qualquer montadora de veículos para proteger, eis o motivo de haver tanta discrepância entre a sua tributação de importação e a nossa.
Nós temos nossa indústria a proteger, o que implica na PROTEÇÃO DE NOSSOS EMPREGOS DIRETOS E INDIRETOS. Se tirarmos o manto que nos protege dos produtos exteriores, nossa indústria e nossos empregos serão exterminados.
O raciocínio é bem simples: todos os países subsidiam as exportações visando gerar um superávit na balança comercial, do que decorre a existência de um produto com baixo custo e competitivo no mercado internacional.
Ao permitirmos sua entrada sem qualquer ônus em território nacional estamos fadados ao fracasso em nosso desenvolvimento industrial, humano e tecnológico.
Ah, mas a globalização esta aí, não podemos mais pensar em barreiras alfandegárias!
Que beleza! então tente exportar para a União Européia ou para os Estados Unidos e veja quantas barreiras fiscais e "SANITÁRIAS" vai encontrar.
Nós somos um país que sofre constantemente com as barreiras alfandegárias, tendo que recorrer constantemente à OMC, mas, contraditoriamente, queremos favorecer o livre comércio dos outros aqui dentro.
Se queremos ser um país desenvolvido, temos que valorizar o nosso território, nossa soberania, não nos submetendo a acordos "draconianos" que só nos prejudicam.
Enfim, tenho certeza de que os veículos paraguaios não geraram nenhum emprego em nosso país e não favoreceram de forma alguma o nosso desenvolvimento.
Finalmente, outro objetivo da nossa República é "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".
Este objetivo passa certamente pela melhor distribuição de renda entre os cidadãos de nosso país.
No ponto, a tributação deveria ser um instrumento poderoso para isso: tributar mais quem ganha mais e menos quem ganha menos.
Entretanto, o que se observa é uma distância enorme entre os mais ricos e os mais pobres, pois aqueles sempre dão um jeito de não pagar impostos enquanto estes acabam sobrecarregados.
Temos que ter em mente que as desigualdades só serão reduzidas quando tivermos um sistema fechado, onde ninguém possa escapar à sua parcela de contribuição tributária.
Em nossa realidade fronteiriça, vemos o pobre sendo tributado na compra de sua bicicleta, enquanto pessoas com posses adquirem veículos de alto luxo em território paraguaio sem pagar em centavo de tributo.
Como reduzir a desigualdade, a marginalidade, se, nós os "estudiosos" do direito estamos "viajando" numa filosofia individualista.
Queremos obrigar em nossas ações civis públicas que o Estado seja SOCIAL adquirindo medicamentos de alto custo, e, ao mesmo tempo somos INDIVIDUALISTAS ao emitir pareceres e sentenças endossando a sonegação por parte de magnatas que adquirem carros acima de R$ 100.000,00 sem pagar um tostão de tributo.
De onde vai sair o dinheiro do medicamento? Do carro paraguaio com certeza não!
Aliás, neste contexto, nas cidades da fronteira é constante a "entrega" de pacientes paraguaios em péssimas condições de saúde nos hospitais da cidade: as autoridades paraguaias simplesmente despacham seus pacientes para que o nosso sistema "se vire" nos cuidados médicos.
Qual a razão disso? É evidente! O Paraguai não possui qualquer sistema de saúde aos seus nacionais: quem não arrecada seus tributos não tem como estabelecer um estado social.
Enfim, os nobres julgadores desta Nação devem decidir uma única linha a seguir: ou o ESTADO SOCIAL, onde se pode exigir o cumprimento de deveres sociais, ou, o ESTADO INDIVIDUALISTA, onde cada um deve prover todos os itens de sua própria subsistência.
Portanto, para cumprir os objetivos da nossa República Federativa do BRASIL, não podemos abrir mão da nossa arrecadação tributária.
3.2 O ABANDONO DA VISÃO INDIVIDUALISTA DA REVOLUÇÃO FRANCESA E A CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO SOCIAL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E PELO NOVO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
Mais de 20 anos após a promulgação da nossa Constituição Federal, e, ainda continuamos com a visão patrimonialista oitocentista advinda da Revolução Francesa, onde se considera como função do ordenamento jurídico apenas a proteção da propriedade privada da sociedade burguesa.
Já é hora de acordar para o novo paradigma adotado pela nossa Constituição Cidadã e reiterado pelo novo Código Civil de 2002.
Sob esta nova ótica, as Instituições Jurídicas não mais se prestam a defender "com unhas e dentes" a propriedade privada, cujo titular faz o que bem entende.
A nova realidade impõe o abandono de um direito de propriedade absoluto, sujeitando tal direito aos ditames da justiça social e da solidariedade.
Ninguém pode usar de um direito de maneira que venha a ferir o corpo social, seja direta ou indiretamente.
Neste esteio é que a Constituição Federal estabelece que:
"Art. 5º
(...)
XXIII - A propriedade cumprirá sua função social
(...)"
"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
(...)"
Na mesma linha, o Código Civil estabelece que:
"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."
"Art. 1.228. (...)
§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais (...)."
Os conceitos expostos acima não são meras divagações, mas são linhas mestras (de aplicação imediata) a serem seguidas na interpretação de todo o sistema legal.
3.2.1 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A nossa Constituição Federal não deixou de tutelar a propriedade, apenas estabeleceu a necessidade da adequação das faculdades de usar, gozar e dispor à FUNÇÃO SOCIAL.
Mas o que se deve entender por Função Social?
Sobre o tema, Carlos Ary Sundfeld escreve que:
"A propriedade, como elemento fundamental da ordem econômica, há de servir à conquista de um desenvolvimento que realize a justiça social. Conseqüentemente, o regime jurídico que lhe for traçado deve ensejar o desenvolvimento e favorecer um modelo social que seja o da justa distribuição da riqueza". (SUNDFELD, Carlos Ari. Função Social da Propriedade. In: Temas de Direito Urbanístico I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 13)
Partindo-se desta premissa é forçoso concluir que a propriedade não deve servir apenas ao egoísmo de seu dono, mas deve ser um instrumento para a realização da justiça social.
Assim sendo, o que se espera de uma propriedade é que ela preste as retribuições estabelecidas pelo ordenamento jurídico, entre elas, a tributária.
Uma vez cumpridas as obrigações tributárias incidentes sobre o bem, estar-se-á dotando o Estado dos recursos aptos a promover a justiça social.
3.2.2 ABUSO DE DIREITO
Na mesma esteira da limitação do direito de propriedade resultante da exigência do cumprimento da função social, desenhou-se em nosso ordenamento jurídico a figura do abuso de direito.
Sobre o tema do abuso de direito, direto ao cerne da questão, assim escreve SILVIO DE SALVO VENOSA:
"No vocábulo abuso encontramos sempre a noção de excesso, o aproveitamento de uma situação contra pessoa ou coisa, de maneira geral. Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como o fato de se usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a sociedade permitem.
Ocorre abuso quando se atua aparentemente dentro da esfera jurídica (...)
No abuso de direito, pois, sob a máscara de ato legítimo esconde-se uma ilegalidade. Trata-se de ato jurídico aparentemente lícito, mas que, levado a efeito sem a devida regularidade, ocasiona resultado tido como ilícito.
O exercício de um direito não pode afastar-se da finalidade para a qual esse direito foi criado." (in Direito Civil – Parte Geral. 5. Ed. v. 1. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 586,587)
O abuso de direito em nosso ordenamento é tratado no artigo 187 do nosso Código Civil, o qual novamente transcrevemos abaixo:
"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."
A finalidade econômica e social já foi devidamente abordada neste artigo.
Para o caso dos veículos paraguaios, interessa-nos sobremaneira a análise dos limites impostos pela boa-fé.
3.2.2.1 A BOA FÉ OBJETIVA
Na linha da evolução social, o nosso Código Civil de 2002 trouxe em seu bojo, como um de seus pilares a boa-fé objetiva.
Tal instituto é assim conceituado pela doutrina:
"A boa-fé objetiva é concedida como uma regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados... (DELGADO, José Augusto. O contrato de seguro e o princípio da boa-fé: questões controvertidas. São Paulo: Método, 2004. p. 126.)"
"Atualmente, a noção clássica de boa-fé subjetiva vem cedendo espaço à sua face objetiva, a qual leva em consideração a prática efetiva e as conseqüências de determinado ato em lugar de indagar sobre a intenção do sujeito que o praticou. A boa-fé objetiva diz respeito a elementos externos à norma de conduta, que determinam como se deve agir. É um dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura, honestidade."(SEGALLA, Alessandro Schirrmeister. Da possibilidade de utilização da ação de despejo pelo fiador do contrato de locação. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=605>. Acesso em: 27 fev. 2009.)
Com a autoridade de mentor do novo Código Civil, MIGUEL REALE expõe:
"É a boa-fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da qual destaco dois artigos complementares, o de nº 113, segundo o qual "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração", e o Art. 422 que determina: "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências.
Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e negocial.
Em primeiro lugar, importa registrar que a boa-fé apresenta dupla faceta, a objetiva e a subjetiva. Esta última – vigorante, v.g., em matéria de direitos reais e casamento putativo – corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito. Já a boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-se ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, "a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado". Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de "honestidade pública".
Concebida desse modo, a boa-fé exige que a conduta individual ou coletiva – quer em Juízo, quer fora dele – seja examinada no conjunto concreto das circunstâncias de cada caso.
Exige, outrossim, que a exegese das leis e dos contratos não seja feita in abstrato, mas sim in concreto. Isto é, em função de sua função social.
Com isto quero dizer que a adoção da boa-fé como condição matriz do comportamento humano, põe a exigência de uma "hermenêutica jurídica estrutural", a qual se distingue pelo exame da totalidade das normas pertinentes a determinada matéria" (REALE, Miguel. A Boa fé no Código Civil. Extraído de http://www.miguelreale.com.br, acesso em 27/02/2009).
Das definições acima, extraímos que qualquer relação jurídica que busque amparo em nosso ordenamento jurídico deve estar pautada na boa-fé objetiva.
Sendo assim, devemos submeter a análise dos casos concretos ao crivo dos padrões impostos por este instituto jurídico.
No caso em pauta como bem salientou o Dr. Miguel Reale, não podemos vislumbrar o direito dos proprietários de veículos paraguaios apenas à luz da regra do duplo domicílio, mas sim através de uma hermenêutica jurídica estrutural, a qual se distingue pelo exame da totalidade das normas pertinentes a determinada matéria.
Aliás, abre-se um parêntese, a regra do duplo domicílio, da maneira como está sendo empregada pelos Juízes e Tribunais, pode até legitimar a EVASÃO DE DIVISAS.
Voltando ao caso em pauta, o que se exigiria como "standard" de comportamento de um cidadão domiciliado no Brasil, na região de fronteira?
Exige-se que seja solidário aos seus semelhantes, submetendo-se à mesma tributação dos demais, não querendo levar vantagem na aquisição de veículos bem mais baratos em detrimento da economia nacional.
Exige-se que não queira obter documentação duvidosa em território paraguaio para validar seu suposto domicílio estrangeiro.
Exige-se razoabilidade na invocação do uso de veículo super-luxo para atividades profissionais no "perigoso" território paraguaio.
Exige-se respeito ao Poder Judiciário e ao Ministério Público ao subestimar o senso e a inteligência dos presentantes destes Órgãos públicos com a obtenção de um "salvo-conduto" para a fraude tributária.
Enfim, como já exaustivamente exposto acima, a boa-fé objetiva impõe ao cidadão uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal.